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Os anjos e os demônios não são um
fruto da fantasia do homem, nem mera expressão de suas
esperanças e temores. Eles existem, são seres reais, dotados de
uma natureza puramente espiritual, muito mais perfeita do que a
nossa, de uma inteligência agudíssima e uma vontade possante
Eles intervêm continuamente em nossa vida; os santos anjos, por
meio das boas inspirações que nos sugerem; os demônios, pelas
tentações a que nos submetem.
Quais são os poderes reais dos anjos e dos demônios? Como
devemos nos portar diante da ação
angélica e como reagir em face da atividade diabólica?
Mais especificamente, como resistir às tentações do demônio, à
sua ação extraodinária, às infestações e à possessão?
O que pensar da feitiçaria, dos sabás e das missas negras?
Existem ainda hoje bruxos e feiticeiras? O espiritismo e a
macumba têm alguma influência diabólica? Existe alguma relação
entre Rock ’n’ Roll e satanismo?
Para responder a estas perguntas, os autores de Anjos e demônios
— A luta contra o poder das trevas consultaram um sem-número de
obras especializadas, recolhendo o ensinamento de uma centena de
teólogos, moralistas e canonistas católicos; percorreram ainda
as páginas de numerosos jornais e revistas, tanto nacionais como
estrangeiros. Eles apresentam aqui, numa linguagem acessível, o
resultado de sua pesquisa, colocando nas mãos do leitor
não-especializado um trabalho denso de conteúdo bíblico e
teológico e ao mesmo tempo de leitura amena e atraente.
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Gustavo Antônio Solímeo - Luiz Sérgio Solímeo
Editora - Artpress
“Sede sóbrios e vigiai, porque o demônio,
vosso adversário, anda como um leão que ruge, buscando a quem
devorar. Resistí-lhe fortes na fé”.
(Primeira Epístola de São Pedro 5, 8)
Índice
INTRODUÇÃO
Os anjos, os demônios e o homem.
I. OS PRÍNCIPES DOS EXÉRCITOS DO SENHOR
Capítulo
O admirável mundo angélico
Capítulo 2
A natureza angélica
Capítulo 3
Ministérios dos anjos
Capítulo 4
Os Anjos da Guarda
Capítulo 5
Os Três Gloriosos Arcanjos
Capítulo 6
Devoção aos Santos Anjos
II - SATANÁS E OS ANJOS REBELDES
Capítulo 1
O problema do mal
Capítulo 2
A queda dos anjos maus
Capítulo 3
Psicologia do demônio
Capítulo 4
O poder dos demônios
III - AÇÃO ORDINÁRIA E EXTRAORDINÁRIA DO DEMÔNIO 85
Capítulo 1
A tentação
Capítulo 2
A infestação
Capítulo 3
A possessão
Capítulo 4
Possessão diabólica: o diagnóstico
IV. A LUTA CONTRA O PODER DAS TREVAS
Capítulo 1
Remédios gerais, preventivos e liberativos
Capítulo 2
Exorcismo: aspectos históricos
Capítulo 3
Exorcismo: o que é ?
Capítulo 4
Exorcismo: legislação
Capítulo 5
‘Somos todos exorcistas”
V. SATANISMO MAGIA — FEITIÇARIA
Capítulo 1
Da superstição à adoração ao demônio
Capítulo 2
Magia negra ou feitiçaria: aspectos históricos
Capítulo 3
Magia — Espiritismo — Macumba
Capítulo 4
Sabás e Missas negras
Capítulo 5
O Satanismo moderno
Capítulo 6
O Rock Satânico
VI. CASOS DE INFESTAÇÃO E POSSESSÃO —CENAS DE EXORCISI CULTO
IDOLÁTRICO AO DEMÔNIO Capítulo 1
A moça infestada e o menino possesso
Capítulo 2
Madalena: da frustração ao pacto com o demônio
Capítulo 3
Anneliese: possessão oblativa
Capítulo 4
O Diabo no Convento
Capítulo 5
Sacrifícios humanos em honra do demônio
CONCLUSÃO
A Rainha dos Anjos, terror dos demônios
INTRODUÇÃO
OS ANJOS,OS DEMÔNIOS E O HOMEM
“(Jacó) teve um sonho: Uma escada
se erguia da terra e chegava
até o céu, e anjos de Deus subiam e
desciam por ela".
(Gen 28, 12)
CONSIDERANDO ÀS VEZES a beleza de um panorama marítimo, a
elegância das ondas que vêm suavemente espraiar-se na areia
límpida em um turbilhão de espuma; gaivotas e outros pássaros
marinhos que planam docemente, sem esforço aparente, ao sabor
das brisas; o brilho da luminosidade que reverbera nas águas e
parece confundir-se com elas na linha do horizonte; diante de
tudo isso sentimos a tranqüila majestade de Deus, sua imensa
sabedoria, amor infinito por nós homens, dando-nos, sem nenhum
mérito nosso, tais maravilhas.
Mas, se para além dos sentidos naturais, considerássemos o mesmo
panorama também com os olhos da Fé, perceberíamos que a
maravilha é ainda maior, e a sabedoria e a bondade divinas ainda
mais perfeitas; sua solicitude em relação a nós, homens, ainda
mais excelente e carinhosa.
É que, ao lado de toda aquela perfeição material, guardando-a e
dirigindo-a, saberíamos que estão criaturas espirituais,
incomparavelmente mais perfeitas do que nós e que têm como uma
de suas missões ajudar-nos a melhor conhecer e amar o Criador,
aconselhar-nos em nossas dúvidas, proteger-nos em todos os
perigos, socorrer-nos em todas as dificuldades: os anjos.
Os Santos Anjos
Coroando a criação, acima dos seres inanimados, do mundo vegetal
e animal, do homem que é o Rei dessa obra, Deus colocou os
espíritos angélicos, dotados de inteligência (incomparavelmente
mais perfeita que a nossa), porém não sujeitos às limitações do
corpo, como nós.
Explica São Tomás que Deus criou todas as coisas para tornarem
manifesta a sua bondade e, de algum modo, participarem dessa
bondade. Ora essa participação e manifestação não seriam
perfeitíssimas senão no caso em que houvesse, além das
criaturas, meramente materiais, outras compostas de matéria e
espírito (os homens) e, por fim, outras puramente espirituais,
que pudessem as similar de modo mais pleno as perfeições
divinas.
A verdade maravilhosa da existência dos anjos - seres
intermediários entre Deus e os homens — é ilustrada poéticamente
na Escrituras pelo sonho de Jacó, Patriarca do Povo eleito:
“(Jacó) teve um sonho: Uma escada se erguia da terra e chegava
até o céu e anjos de Deus subiam e desciam por ela” (Gen 28,
12).
Do ápice da escala da criação, os puros espíritos descem até a
criaturas inferiores, governando o mundo material, amparando
protegendo o homem; e sobem até Deus para oferecer-Lhe a glória
da criação, bem como a oração e as boas obras dos justos.
Essa realidade angélica foi pressentida pelos povos antigos, em
meio às brumas do paganismo e das superstições, sob a forma de
gênios benfazejos das fontes, dos bosques, dos mares, os quais
garantiriam a harmonia do Universo, e eram propícios aos homens.
Mas foi a revelação divina que apresentou aos homens a
verdadeira figura dos espíritos angélicos, desembaraçada de toda
forma de superstição. As Sagradas Escrituras e a Tradição
forneceram os elementos fundamentais, que os grandes teólogos
Doutores da Igreja — em especial São Tomás de Aquino —
sistematizaram, dando-nos uma doutrina sólida e coerente sobre o
mundo angélico.
É essa doutrina que procuramos sintetizar no presente trabalho,
seguindo o Doutor Angélico bem como autores mais recentes que
trataram do tema.
Estamos certos de que o conhecimento desta doutrina será
proveitoso para todos os fiéis. Conhecendo melhor os anjos,
teremos mais intimidade com eles e seremos assim levados a
recorrer mais amiúde à sua proteção e ao seu amparo, nesta nossa
jornada terrestre rumo ao Paraíso. Sobretudo na luta tremenda
que devemos travar contra o Adversário, o Caluniador, que anda
ao redor de nós, no um leão feroz, querendo nos devorar (1 Ped
5, 8-9): Satanás!
Satanás e os anjos rebeldes
Da maravilhosa realidade dos santos anjos, descemos assim para
tenebrosa realidade dos espíritos infernais, os demônios.
Mais ainda do que em relação aos anjos, os povos pagãos da
Antiguidade (como também os primitivos de hoje) tiveram a
percepção dos demônios. A tal ponto, que mentalidades
racionalistas do século passado e deste quiseram ver na
concepção bíblica de anjos e demônios uma mera influência
babilônica e grega. Essa apreciação é completamente falsa pois a
concepção bíblica e cristã sobre os anjos está inteiramente
imune dos absurdos supersticiosos dos pagãos.
Em relação aos demônios, os povos antigos (babilônios, caldeus
ou gregos) manifestaram uma grande confusão, por não terem
conseguido resolver o problema da origem do mal. Em suas
concepções, o bem e o mal se mesclam e se confundem de tal
maneira que tanto os deuses como os gênios perversos mostram-se
ambíguos, representando e praticando, uns e outros, tanto o bem
como o mal.
Entre os gregos, o vocábulo daimon designava os deuses e outros
seres com forças divinas, sobretudo os maléficos, dos quais os
homens deveriam guardar-se por meio da magia, da feitiçaria e do
esconjuro.
A concepção revelada pela Sagrada Escritura e pela Tradição é
bem outra: os demônios não são divindades, mas simples
criaturas, dotadas de uma perfeição natural muitíssimo acima da
do homem, porém infinitamente abaixo da perfeição de Deus, seu
criador, acima da do homem, porém infinitamente abaixo da
perfeição de Deus, seu criador.
Se eles são perversos, não é por terem uma natureza
essencialmente má, e sim por prevaricação; feitos bons por Deus,
os anjos maus ou demônios se revoltaram e não quiseram
submeter-se Criador, servi-Lo e adorá-Lo como sua condição de
criatura o exigia.
Uma vez revoltados, os anjos rebeldes fixaram-se no mal, e
passaram a tentar o homem, procurando arrastá-lo à perdição
eterna. Essa atividade demoníaca — a tentação — os teólogos
qualificam de ordinária, por ser a mais freqüente e também a
menos espetacular de suas atuações sobre o homem. Além dessa
atividade, ele pode — com a permissão de Deus — perturbar o
homem de um modo mais intenso mais sensível, provocando-lhe
visões, fazendo-o ouvir ruídos e sentir dores; ou, então,
atuando sobre as criaturas inferiores — as planta animais, os
elementos atmosféricos — para desse modo atingir o homem. É a
infestação pessoal ou local, atividade menos freqüente mais
visível, chamada por isso extraordinária. Em certos casos
extremos, podem os demônios chegar a possuir o corpo do homem
para atormentá-lo. Temos aqui a possessão, a mais rara
manifestação extraordinária do Maligno.
Deus não nos deixou à mercê dos espíritos depravados. Além da
proteção especial de nosso Anjo da Guarda e demais espíritos
celestes, entregou à Igreja os meios preventivos e liberativos
para enfrentar a ação do demônio: orações, sacramentos,
sacramentais (bênçãos, medalhas, escapulários). O mais efetivo
desses meios sobrenaturais, para os casos de infestação e
possessão são os exorcismos, pelos quais se dão ordens ao
demônio, em virtude do nome Jesus, para abandonar o corpo da
pessoa ou o lugar que ele infesta ou possui.
Devido à sua importância, nos deteremos um pouco mais no estudo
dos exorcismos, considerando os seus fundamentos teológicos, o
modo de praticá-los, bem como a legislação da Igreja a respeito.
Da atuação espontânea do demônio, passamos àquela que ele
desenvolve a convite do homem, seja pela invocação direta e
explicita, seja pela indireta e implícita. Com relação à magia,
à feitiçaria e outras formas de superstição, deixamos de lado os
aspectos históricos polêmicos (que alongariam por demais o
presente estudo e fugiriam ao objetivo dele), limitando-nos a
considerar sua possibilidade teológica, afirmada, aliás pelo
Magistério da Igreja e pela unanimidade dos teólogos e
moralistas.
Dedicamos algumas páginas à revivescência do satanismo nos dias
de hoje, salientando o papel do Rock’ n’Roll, sobretudo do Heavy
Metal (Rock Pesado) na sua difusão. A título de ilustração da
doutrina aqui desenvolvida, apresentamos alguns casos de
infestação possessão diabólica, uns decorrentes de intervenção
espontânea do espírito das trevas, outros conseqüência de
malefícios ou no de pacto explícito com o demônio; acrescentamos
por fim o relato de uma série de sacrifícios humanos aqui no
Brasil em honra de entidades de macumba e candomblé (as quais
entidades não são coisa senão demônios), que revelam, de modo
alarmante, o quanto nosso país está envolvido por essa onda de
satanismo moderno, conseqüência de sua apostasia da Fé católica.
Esperamos que este estudo contribua para reavivar a devoção
santos anjos, nossos fiéis amigos, conselheiros e protetores; e
ao mesmo tempo, sirva de alerta aos católicos para o perigo das
das espíritas ou de macumba, e outras formas de superstição(
como o uso de amuletos, adivinhações, etc.), as quais podem
conduzir, muitas vezes sem que se queira, à comunicação pelo
menos implícita com os espíritos infernais.
***
Digne-se a Virgem Santíssima — que esmaga para sempre a cabeça
da serpente infernal (cf. Gen 3, 15) — proteger e abençoar este
modesto esforço. Invocamos também o patrocínio do glorioso
Patriarca São José e a proteção do invencível Arcanjo São Miguel
— que derrotou Satã no “praelium magnum in caelo” (Apoc 12,
7-l0) — e dos santos anjos que atenderam ao seu brado de guerra:
“Quis ut Deus?” — “Quem é como Deus?”
I - OS PRÍNCIPES DOS EXÉRCITOS DO SENHOR
AS NOÇÕES que correm entre os fiéis, mesmo dentre os mais
fervorosos, a respeito dos santos anjos são muito vagas e
superficiais. Meras reminiscências e imagens da infância, na
maioria dos casos, não muito diferentes de entidades fictícias e
de algum modo mitológicas, como as fadas e os duendes.
A iconografia corrente, infelizmente, não ajuda a dar a conhecer
a verdadeira fisionomia dos anjos, apresentando-nos seres
alados, com vestes e aspecto feminimo; ou, então, anjinhos
bochechudos, com cara infantil e tola, brincando
despreocupadamente sobre nuvens que mais parecem flocos de
algodão doce...
Esses anjos não existem, nem é deles que tratamos aqui.
A partir dos dados da Sagrada Escritura e da Tradição, dos
escritos dos Santos Padres, do ensinamento do Magistério
eclesiástico, da lição dos Doutores e teólogos, queremos
apresentar a verdadeira natureza dos santos anjos: seres
puramente espirituais, dotados de uma inteligência agudíssima e
de uma possante vontade livre dominando abaixo de Deus sobre
todas as demais criaturas, racionais e irracionais, bem como as
forças da natureza, os elementos da atmosfera e subjugando para
sempre os espíritos infernais.
Eis os santos anjos, príncipes dos exércitos do Senhor, mas
também nossos amigos e protetores.
O admirável mundo angélico
"E ouvi a voz de muitos anjos
em volta do trono...
e era o número deles
milhares de milhares".
( Ap 5,11)
ALÉM DO MUNDO VISÍVEL e material, criou Deus também o mundo
invisível e espiritual, o admirável mundo angélico.
A existência dos anjos foi negada na Antiguidade, entre judeus,
pela seita dos saduceus (cf. At 23, 8). Mais tarde, por certas
seitas protestantes, como os anabatistas. Em nossos dias ela tem
por adversários os ateus, materialistas e positivistas, que não
crêem senão naquilo que seus olhos vêem e seus sentidos apalpam.
Os racionalistas, para encontrar uma excusa aparentemente
racional à sua incredulidade, alegam que os anjos foram
inventados pelos judeus no tempo do cativeiro da Babilônia, por
imitação das entidades ali cultuadas; ou, então, consideram os
anjos como simples modo poético e simbólico de referir-se às
virtudes divinas e aos vícios humanos...
Contra todos esses, falam os dados da razão, a crença comum dos
povos e a revelação divina.
Os anjos existem
Pela simples razão, independentemente da revelação, o homem pode
chegar de algum modo ao conhecimento da existência dos anjos.
Com efeito, a existência de seres puramente espirituais não
repugna à razão. E um exame da criação, à mera luz do intelécto
pode levar-nos à conclusão de que a existência de criaturas
puramente espirituais convém à harmonia do Universo, pois assim
estariam representados os três gêneros possíveis de seres: os
puramente espirituais, acima do homem; outros, puramente
materiais, abaixo do homem; por fim, seres compostos, dotados de
matéria e espírito — os homens.
E a crença comum dos povos, constante em todos os lugares e em
todas as épocas, sempre afirmou a existência desses seres de
natureza superior aos homens e inferior à divindade.
Uma coisa, porém, é a mera possibilidade da existência de seres
puramente espirituais, e outra é a sua realidade objetiva. A
existência dos anjos (e dos demônios, anjos decaídos) seria para
nós um problema insolúvel, não houvesse a tal respeito especial
revelação divina por meio da Escritura e da Tradição,* que nos
garantem a certeza da existência dos anjos.
* Tradiçâo, em sentido amplo, é o conjunto de idéias,
sentimentos e costumes, como também de fatos que, numa
sociedade, se transmitem de maneira viva de geração geração.
Em sentido estrito teológico, chama-se Tradição o conjunto de
verdades reveladas que os ástolos receberam de Cristo ou do
Espírito santo, e transmitiram, independentemente Sagradas
Escrituras, à Igreja, que as conserva e transmite sem alteração.
Essa revelação foi feita a nossos primeiros pais, e se conservou
na Humanidade, por via de transmissão oral pelos Patriarcas. Com
o tempo (e também por obra do demônio, sem dúvida), essa
revelação primitiva foi-se corrompendo, restando dela meros
vestígios no paganismo antigo e no atual. Nas brumas desse
paganismo encontramos seres incorpóreos, ora malfazejos ora
benignos, quase sempre cultuados como divindades ou
quase-divindades.
Para preservar o povo judeu da contaminação por essa deformação
politeísta pagã, os Autores sagrados, durante largo período,
evitaram mencionar nominalmente o espírito das trevas. E, pela
mesma razão, não se encontram muitos pormenores no Antigo
Testamento sobre a natureza dos anjos e dos demônios, embora
sejam mencionados a cada passo. A revelação definitiva só se
verifica Nosso Senhor Jesus Cristo. Porém, a Bíblia não traz
toda a revelação sobre o mundo angélico, sendo necessário
recorrer à Tradição, Esta, como se sabe, encontra-se recolhida
nos documentos dos Santos Padres* e escritores eclesiásticos dos
primeiros tempos, assim como nos documentos do Magistério -
Papas e Concílio - na Liturgia e nos monumentos da Antiguidade
cristã (catacumbas cemitérios, etc.).
*Chamam-se Santos Padres ou Padres da Igreja certos escritores
eclesiásticos antigos, que se distinguiram pela doutrina
ortodoxa e santidade de vida e são reconhecido Igreja como
testemunhas da tradição divina.
A existência dos anjos é uma verdade de fé,* provada pela
Escritura e pela Tradição. A Sagrada Escritura refere-se
inúmeras vezes a seres racionais, inferiores a Deus e superiores
aos homens; logo, segundo ela, esses seres, que nós denominamos
anjos, existem.
* Verdade de fé é aquela que se encontra na Revelação e é
proposta pela Igreja aos fiéis como verdade que se deve crer. A
negação pertinaz de uma verdade de fé constitui a heresia.
Essa verdade foi definida solenemente como dogma pelo concílio
IV de Latrão (1215): “Deus.., desde o princípio do tempo criou
do nada duas espécies de seres — os espirituais e os corporais,
isto é, os anjos e o mundo”. De forma igual se expressa o I
Concílio do Vaticano (1870).
Os nove coros angélicos
Existem diferenças entre os anjos, mas não consta na Revelação
qual sua origem nem seu modo preciso. É questão de livre
discussão se os anjos são todos da mesma espécie, ou se existem
tantas espécies quantos são os coros, ou se cada indivíduo
constitui uma espécie por si (opinião de São Tomás).
De acordo com uma tradição que remonta ao Pseudo-Dionísio
Areopagita,* os teólogos costumam agrupá-los em nove ordens ou
coros angèlicos, distribuídos em três hierarquias ( os nomes são
tomados da Sagrada Escritura):*
*Renomado escritor eclesiástico dos primeiros séculos, cuja
identidade não se estabeleceu ainda ao certo, durante muito
tempo confundido com o sábio convertido por São Paulo no
Areópago de Atenas (cf. At 17, 34). Uma de suas obras mais
célebres é De coelesti hierarquia — Sobre a hierarquia celeste,
na qual estabelece a ordem dos Anjos, deteminada pelo seu grau
de assimilação a Deus, de união com Deus, do dom de luz divina
que recebem e transmitem aos Anjos inferiores.
* Por exemplo: Serafins ( Is 6,2); Querubins ( Gen 3,24; Ex 25,
18; 3 Reis 6,23; Sl 17, 11; Ez 10,3; Dan 3,55); Arcanjos ( 1 Tes
4,15; Jud 9); Anjos, Potestades, Virtudes ( 1 Ped 3,22);
Principados, Dominações ( Ef 1,20-21); Tronos (Col 1,16).
Primeira hierarquia - Serafins, Querubins, Tronos;
Segunda hierarquia - Dominações, Potestades, Virtudes;
Terceira hierarquia - Principados, Arcanjos e Anjos.
Os anjos dos três primeiros coros ou primeira hierarquia -
Serafins, Querubins e Tronos contemplam e glorificam
continuamente a Deus: " Vi o Senhor sentado sobre um alto e
elevado trono... Os Serafins estavam por cima do trono ... E
clamavam um para o outro e diziam: Santo, Santo, Santo, é o
Senhor Deus dos exércitos" (Is 6, 1-3 ). " O Senhor reina ...
está sentado sobre querubins" (Sl 98,1); os três coros seguintes
- Dominações, Virtudes e Potestades - ocupam-se do governo do
mundo; finalmente, os três últimos - Principados, Arcanjos e
Anjos - executam as órdens de Deus: "Bendizei ao Senhor, vós
todos os seus anjos, fortes e poderosos, que executais as suas
ordens e obedeceis as suas palavras" (Sl 102, 20).
Todos eles podem entretanto ser chamados genericamente anjos,
estando à disposição de Deus para executar suas vontades. Embora
o Evangelho, na Anunciação a Maria, se refira ao anjo Gabriel (
Lc 1,26), isto não quer dizer que ele pertença à última das
hierarquias angélicas, pois a sublimidade dessa embaixada leva a
supor que se trate de um dos primeiros espíritos que assistem
diante de Deus.
Os três arcanjos - como são conhecidos comumente São Miguel, São
Gabriel e São Rafael - pertencem, provavelmente, à mais alta
hierarquia angélica. Falaremos deles mais adiante.
Embora não conheçamos, o número exato dos anjos, sabemos, pelas
Escrituras e pela Tradição, que são muitíssimos,. É o que lemos
no livro do Apocalipse: "E ouvi a voz de muitos anjos em volta
do trono ... e era o número deles milhares e milhares"
(Apoc 5, 11). E no livro de Daniel: “Eram milhares de milhares
de milhares (os anjos) que o serviam, e mil milhões os que
assistiam diante dele” (Dan 7, 10).
Muitos teólogos deduzem que o número dos anjos é superior ao dos
homens que existiram desde o princípio do mundo e existirão até
o fim dos tempos. A razão disso é dada por São Tomás ao dizer
que, tendo Deus procurado principalmente a perfeição do universo
ao criar os seres, quanto mais estes forem perfeitos, Deus os
terá criado com maior prodigalidade. Ora, os anjos são mais
perfeitos que os homens, logo foram criados em maior número.
A natureza angélica
“Então o anjo do Senhor tornou-o pelo
alto da cabeça e, tendo-o pelos cabelos,
levou-o com a impetuosidade do seu espírito até Babilônia,
sobre a cova"
(Dan 14, 32-35)
É TAL O ESPLENDOR de um anjo, que as pessoas às quais eles
aparecem muitas vezes se prostram por terra por temor e
reverência para adorá-los, pensando que se trata do próprio Deus
— conforme relato das Escrituras e da vida dos santos. E assim
que São João conta no Apocalipse: “Prostrei-me aos pés do anjo
para o adorar; porém ele disse-me: Vê, não faças tal; porque eu
sou servo de Deus como tu .... Adora a Deus” (Apoc 22,9).
É essa natureza maravilhosa que vamos estudar agora.
Seres racionais e livres
Os anjos são seres intelectuais ou racionais, inferiores a Deus
e mais perfeitos que os homens. Eles são puros espíritos, não
estando ligados a um corpo como nós; são dotados de uma
inteligência luminosa e de vontade livre e possante.
Tendo sido criados por Deus do nada, como tudo o mais, os pelo
próprio fato de serem puramente espirituais, são imortais, pois
não têm nenhuma ligação com a matéria corruptível, como os
homens.
Ao contrário da natureza do homem, que é composta (isto é,
formada de dois elementos distintos, o corpo e a alma) os anjos
têm natureza simples, puramente espiritual. Embora a alma humana
seja igualmente espiritual, ela foi criada por Deus para viver
em união substancial com o corpo; quando se dá a morte e a alma
se separa do corpo, ela permanece em um estado de violência,
enquanto não se dá a ressurreição dos corpos.
Já os anjos não têm necessidade de um corpo como o homem. Desse
modo, é um ser muito mais perfeito, sendo inferior, quanto à
natureza, apenas ao próprio Deus. Não se pode pois, ao pensar
nos anjos, concebê-los à maneira de uma alma humana separada de
seu corpo. Esta última não é capaz daquilo que o anjo pode fazer
sua simples natureza.
Tal como o homem, os anjos existem realmente enquanto pessoas;
ou seja, eles são substâncias individuais, dotadas de
inteligência e livre arbítrio*. Em outros termos, eles têm uma
existência real, distinta da de outros seres, sendo capazes de
conhecer, de amar, de servir, de escolher entre uma coisa e
outra. Eles não são portanto, seres imaginários, fictícios,
concebidos pelo homem como mero modo poético de exprimir-se, ou
como personificações das virtudes e dos vícios humanos ou das
forças da natureza,nem tampouco emanações do poder de Deus.
* É clássica a definição de pessoa dada por Boécio: “Rationalis
naturae individua substantia “— " Substância individual de
natureza racional”.
Os anjos foram elevados à ordem sobrenatural, isto é chamados a
participar da vida da graça, cujo fim é a visão beatífica de
Deus. Esta elevação é gratuita, mas discute-se em que momento se
deu (para São Tomás, foi no momento mesmo de sua criação); é de
fé que os anjos deveram sofrer uma prova, porém não se sabe qual
teria sido. Depois da prova cessou para eles o tempo de merecer;
é também de fé que os anjos bons gozaram e gozam para sempre
visão beatífica e que os maus foram condenados a uma pena
eterna.
Conhecimento e comunicação angélica
É questão de livre discussão tudo quanto se refere ao
conhecimento angélico, à comunicação de uns com os outros, bem
como o que se refere ao seu ato de vontade; é certo que sua
capacidade de conhecer — embora incomparavelmente superior à do
homem — é limitada: eles não conhecem naturalmente os mistérios
divinos, nem o futuro livre ou contingente;* também é certo que
têm pleno livre arbítrio.
*Os anjos (e também os dem6nios, que são anjos pervertidos),
pela sua própria natureza, não têm capacidade de conhecer o
futuro que depende de um ato livre de Deus ou do homem; porém,
dada sua inteligência agudíssíma e seu conhecimento da natureza
e de suas leis, eles podem prever qual o desenrolar dos
acontecimentos, postas cenas causas. Também podem, em razão de
sua profunda penetração psicológica e do conhecimento da alma
humana, fazer conjeturas mais ou menos prováveis de como os
homens reagirão diante de determinada circunstância, e assim
prever o que decorrerá daí.
Para dar uma idéia da perfeição do conhecimento angélico, parece
oportuno transcrever a explicação do Cardeal Lepicier, grande
especialista na matéria.
Comparando o modo de conhecimento humano com o angélico,
ressalta o Cardeal que Deus infundiu no intelecto dos anjos,
logo que os criou, representações de todas as coisas naturais.
Estas imagens “são não somente representativas de princípios
gerais que regulam cada ciência particular, mas encerram também,
distintamente, todos os pormenores virtualmente contidos nesses
princípios, de maneira que uma e a mesma imagem informa a mente
angélica das particularidades de cada ciência. Não poderá pois
haver confusão na mente angélica, quando ela passa da observação
de um para a observação de outro...
"Um anjo, com um simples olhar à imagem que representa — digamos
— o reino animal, conhece não só as várias espécies de animais
existentes, mas também cada indivíduo que exista ou tenha
existido dentro de cada espécie, assim como as suas propriedades
particulares e os seus meios de ação. E o mesmo sucede com o
conhecimento de qualquer objeto, seja ele qual for, que se
encontre no reino da natureza, seja orgânico ou inorgânico,
material ou espiritual visível ou invisível.
Chama-se futuro livre ou contingente aquele que depende, seja da
vontade divina, seja da humana. Distingue-se do futuro
necessário, o qual não depende do livre arbítrio, mas decorre de
causas que, uma vez postas, levam necessariamente a um
determinado efeito. Assim, à noite sucede o dia; a semente,
lançada à terra, germinará dentro de determinado tempo, se se
verificarem todas as condições necessárias a isso,
independentemente da vontade divina (que já está manifestada no
ato da criação da espécie) ou da natureza humana.
“Por aqui se pode ver que a ciência humana é muito excedida pela
ciência da mente angélica, tanto em extensão com precisão”.*
* Cardeal A. LEPICIER, O Mundo Invisível pp. 42-43.
São Tomás explica do seguinte modo a comunicação dos anjos entre
si: como nós homens, os anjos têm o verbo interior ou verbo
mental, com o qual falamos a nós mesmos ou formulamos os
conceitos interiormente. Mas, enquanto nós só podemos comunicar
esse pensamento a outros por meio da palavra oral, ou de outro
meio externo, pois entre nós e os demais existe a barreira do
nosso corpo, que vela o pensamento, os anjos não têm essa
barreira corpórea; assim, basta a eles, por um ato de vontade,
se dirigirem a outros anjos, para que seu pensamento — ou seja,
esse verbo interior ou verbo mental — se manifeste a eles.
Como os anjos são diferentes entre si, e uns são mais perfeitos
que outros, os mais perfeitos iluminam os menos perfeitos cor
comunicando-lhes aquilo que eles vêem mais em Deus.
Do mesmo modo, eles podem iluminar os homens, comunicando-lhes
bons pensamentos, embora de forma diferente daquela pela qual um
anjo se comunica com outro. Como a mente humana necessita do
concurso da fantasia para entender as coisas, os anjos comunicam
as verdades ao homem por meio de imagens sensíveis
Quanto à vontade humana, só Deus ou o próprio homem são capazes
de movê-la eficazmente; o anjo, ou outro homem. só podem movê-la
por meio da persuasão.
Poder dos anjos sobre a matéria
É um tanto misterioso a nós o modo como os anjos, seres
espirituais, possam mover a matéria.
No entanto tal poder está formalmente revelado, como se pode
ver, por exemplo, no livro de Daniel. O profeta fora jogado na
cova dos leões para que perecesse; por ação divina, os animais
não fizeram mal: “O meu Deus enviou o seu anjo, e fechou a boca
dos leões e estes não me fizeram mal algum” (Dan 6, 21). No
entanto, para alimentá-lo, Deus quis servir-se do profeta
Habacuc, conduzido até a cova por um anjo.
Narra a Escritura: “Estava então o Profeta Habacuc na Judéia, e
tinha cozido um caldo, e esfarelado uns pães dentro duma
vasilha, e ia levá-los ao campo aos ceifeiros que lá estavam. E
o anjo do Senhor disse a Habacuc: Leva a Babilônia essa refeição
que tens, para a dares a Daniel que está na cova dos leões. E
Habacuc respondeu: Senhor eu nunca vi a Babilônia e não sei onde
é a cova. Então o anjo do Senhor tomou-o pelo alto da cabeça e,
tendo-o pelos cabelos, levou-o com a impetuosidade do seu
espírito até Babilônia, sobre a cova” (Dan 14, 32-35).
O próprio Salvador deixou-se carregar pelo demônio até o alto
monte para ser tentado (cf. Mt 4, 5-8).
Em São Mateus, sobre a Ressurreição de Nosso Senhor, está
escrito: “Um anjo do Senhor desceu do céu, e, aproximando-se,
revolveu a pedra, e estava sentado sobre ela” (Mt 28, 2).*
*Cf. Suma Teológica, 1,qq. 52, 107,110-112.
Embora a questão, como dissemos, seja algo misteriosa,
procuraremos sintetizar aqui a doutrina de São Tomás de Aquino a
respeito.
Antes de tudo, convém lembrar o que ensina o santo Doutor a
respeito do modo como os anjos encontram-se em um lugar:
enquanto os seres corpóreos manifestam sua presença num lugar
circunscrevendo-o pelo contato físico de seu corpo com o lugar
ocupado, as criaturas incorpóreas delimitam o lugar por meio de
um contato operativo. Quer dizer: elas estão no lugar onde agem.
Quanto ao modo como os anjos movem a matéria, é a seguinte
explicação tomista:
O ser superior pode mover os inferiores porque tem em si, de um
modo mais eminente, as virtualidades desses seres inferiores.
Assim, o corpo humano é movido por algo superior a ele, a alma,
que é espiritual, a qual, através da vontade, que também é
imaterial, move os membros corpóreos a seu bel-prazer; logo, não
repugna à razão que uma substância espiritual possa mover a
matéria.
Entretanto, no caso da alma humana, ela só pode mover
diretamente aquele corpo com o qual está substancialmente unida;
as demais coisas, ela só pode mover por meio desse corpo;* ora,
como os anjos são seres espirituais, não estando
substancialmente unidos a nenhum corpo material, sua força de
ação sobre a matéria não está delimitada por nenhum corpo
determinado; dai se segue que eles podem mover livremente
qualquer matéria.
* Por exemplo, para mover uma caneta sobre o papel no escrever,
nós precisamos segurá-la com a mão e através desta imprimir o
impulso que fará a caneta deslizar no papel e traçar as letras
que desejamos; eu não posso mover diretamente a caneta, por um
simples ato de vontade: pelo ato de vontade eu agarro a caneta e
movo minha mão segundo meus intentos.
Esse movimento se produz pelo contato operativo do anjo a
matéria, impulsionando um primeiro movimento local; por meio
desse primeiro movimento local o anjo pode produzir outros
movimentos na matéria utilizando-se dos próprios recursos dela,
com o ferreiro se utiliza do fogo para dobrar o ferro.
O Cardeal Lepicier observa que, como os anjos possuem
conhecimento das leis físicas e químicas que ultrapassa tudo
quanto a Ciência possa ter descoberto ou venha a descobrir, e,
além do mais, têm um poder imenso sobre a matéria, podemos dizer
que dificilmente se encontrarão no Universo fenômenos que os
anjos não possam produzir, de um modo ou de outro. Esses
fenômenos são por vezes tão surpreendentes, que chegam a parecer
verdadeiros milagres. Porém, não são milagres, pois embora
ultrapassem de longe a capacidade dos homens, não estão acima do
poder angélico. Ele exemplifica:
“Um rápido exame dos fenômenos que ocorrem no mundo físico
bastará para nos dar uma idéia dos maravilhosos efeitos a que os
seres angélicos podem dar causa. Em primeiro lugar, assim como,
devido às forças da natureza, massas enormes se podem deslocar,
ou, sob a ação de agentes físicos, os elementos da matérias
dissolvem ou trabalham em conjunto, como quando provocam as
tempestades, furacões e procelas — assim também um anjo, sem a
cooperação de quaisquer agentes intermediários, transfere de um
lugar para outro os corpos mais pesados, levanta-os e
conserva-os suspensos durante determinado tempo, agita as mais
pesadas substâncias e provoca colisões entre elas. Pode o mesmo
anjo revolver cidades e vilas, provocar terremotos e encapelar
as ondas do mar, originrar tempestades e furacões, parar a
corrente dos rios e, se assim o entender, dividir as águas do
mar.
"Além de tudo isso, pode também um anjo, usando das próprias
forças, produzir os mais surpreendentes efeitos óticos, não só
obrigando substâncias desconhecidas para nós espargir jorros de
luz, mas também projetanto sombras que se assemelham a
representações fantasmagóricas. Pode ainda, sem a ajuda de
qualquer instrumento, pôr em movimento os elementos da matéria,
fazer ouvir a música mais harmoniosa ou produzir os mais
estranhos ruídos, tais como pancadas repetidas ou explosões
súbitas. São ainda os anjos capazes de aglomerar nuvens,
provocar relâmpagos e trovões, arrancar árvores gigantescas,
arrasar edifícios, rasgar tecidos e quebrar as rochas mais
duras. É-lhes também possível fazer com que um lápis escreva,
por assim dizer automáticamente, certas frases com um sentido
inteligível, assim como dar aos objetos formas diferentes das
que são peculiares à sua natureza. Podem, até certo ponto,
suspender as funções da vida, parar a respiração dum corpo,
acelerar a circulação do sangue e fazer com sementes lançadas à
terra cresçam dentro de pouco tempo, até atingirem a altura duma
árvore, com folhas, botões e até com frutos.
"A um anjo é possível fazer todas estas coisas no mais breve
espaço de tempo por causa do seu poder sobre os elementos da
matéria, e sem a menor dificuldade, imitando perfeitamente as
obras da natureza e dando em tudo a impressão de que se trata de
efeitos s a causas naturais” .*
*Cardeal A. LEPICIER, O Mundo Invisível. pp. 74-75.
Poder dos anjos sobre o homem
O anjo pode produzir efeitos corpóreos maravilhosos. Ele pode,
através do movimento que imprime à matéria, produzir mudanças
nos corpos, mas de tal forma que apenas se sirva da natrureza,
desdobrando as potencialidades dela.
Assim ele pode, nos homens, favorecer ou impedir a nutrição ou
provocar doenças. Mas ele não pode fazer qualquer coisa que
esteja completamente acima da natureza, como por exemplo
ressuscitar pessoas mortas.
O anjo tem ainda o poder de favorecer ou impedir os movimentos
da sensualidade, a delectação, a dor, a ira, a memória e afetar
de vários modos os sentidos externos e internos, isto é, os
cinco sentidos, a memória e a imaginação.
Do mesmo, modo o anjo pode aguçar a força da inteligência e, de
um modo indireto, mover quer o intelecto — excitando imagens na
fantasia ou propondo questões — quer a vontade, solicitando-a
para que escolha algo.
O anjo pode formar para si um corpo com o qual aparece aos
homens como, por exemplo, o arcanjo São Rafael fez com Tobias.
Santo Agostinho diz que os anjos aparecem aos homens com um
corpo que eles não somente podem ver, mas também tocar, como é
provado pela Escritura (Gen 18, 2ss; Lc 1, 26ss; At 12, 7ss; o
livro de Tobias).
O anjo move o corpo que assume, como nós poderíamos mover um
boneco, dando a impressão de que ele está vivo, fazendo-os
imitar os movimentos do homem. Quando São Rafael parecia comer
na companhia de Tobias, ele apenas fazia o corpo do qual estava
se servindo mover-se como faz um homem nessa circunstância, mas
sem consumir o alimento.
Os espíritos angélicos não podem fazer milagres propriamente
ditos, mas sim coisas maravilhosas, que ultrapassam o póder
humano, não porém o angélico. Por exemplo, graças ao seu poder e
conhecimento extraordinário, podem curar doenças, restituir a
vista a cegos (Tob 11, 15); fazer prodígios como elevar uma
pessoa e carregá-la pelos ares (Dan 14, 15), fazer falar
serpente (Gen. 3, Iss), etc.
Ministérios dos anjos
"Anjos do Senhor, bendizei ao Senhor...
Exércitos do Senhor, bendizei ao Senhor".
(Dan 3, 58-61)
OS MINISTÉRIOS dos anjos são: em relação a Deus, adorá-lo,
louvá-Lo, servi-Lo, executando todos os Seus decretos em relação
aos demais anjos, quer aos homens, como também a toda a natureza
material, animada e inanimada; em relação aos demais anjos, os
de natureza superior iluminam os inferiores. dando-lhes a
conhecer aquilo que vêm em Deus; em relação aos homens, eles são
ministros de Deus para encaminhá-los à pátria celeste,
protegendo-os, corrigindo-os, instruindo-os, animando-os; em
relação ao mundo material, eles são agentes de Deus para o
governo do Universo.
Ministros da liturgia celeste
O principal ministério dos anjos consiste em adorar, louvar e
servir a Deus: “Anjos do Senhor, bendizei ao Senhor ...
Exércitos do Senhor, bendizei ao Senhor; louvai-O e exaltai-O
por todos os séculos” (Dan 3, 58-61). “Bendizei ao Senhor, vós
todos os seus anjos, fortes e poderosos, que executais as suas
ordens e obedeceis as suas palavras” (Si 102, 20). “Os Serafins
estavam por cima do trono ... E clamavam um para o outro e
diziam: Santo, Santo, Santo, é o Senhor Deus dos exércitos” (Is
6,2-3).
Os santos anjos desempenham assim a liturgia celeste:
"E vi os sete anjos que estavam de pé diante de Deus ... E veio
outro anjo, e parou diante do altar, tendo um turíbulo de ouro;
e foram-lhe dados muitos perfumes, a fim de que oferecesse as
orações de todos os santos sobre o altar de ouro, que está
diante do trono de Deus. E o aroma dos perfumes das orações dos
santos subiu da mão do anjo até à presença de Deus” (Apoc
8,2-4).
Esses puros espíritos são, pois, ministros do altar e ministros
do trono de Deus: eles cantam os louvores de Deus na presença do
Altíssimo, e apresentam-Lhe as nossas preces e as nossas boas
obras; ao mesmo tempo, descem até nós e nos trazem as graças e
bênçãos divinas, verdade belamente expressa na visão da escada
de Jacó: “(Jacó) teve um sonho: Uma escada se erguia da terra e
chegava até o céu, e anjos de Deus subiam desciam por ela” (Gen
28, 12).
Essa verdade, em termos práticos, significa que eles são
intercessores poderosíssimos diante de Deus. A eficácia da
intercessão angélica é testemunhada, entre muitas outras
passagens da Escritura, por esta do livro do Profeta Zacarias:
“E o anjo do senhor replicou e disse: Senhor dos exércitos, até
quando diferirás tu o compadecer-te de Jerusalém e das cidades
de Judá, contra as quais te iraste? Este é já o ano
septuagésimo. ... Isto diz o Senhor dos exércitos: Eu sinto um
grande zelo por Jerusalém e por Sião... Portanto isto diz o
Senhor: Voltarei para Jerusalém com entranhas de misericórdia” (Zac
1,12-16).
Isto nos deve mover a recorrer sempre com fervor e cada mais a
eles.
Guerreiros dos exércitos do Senhor
As Sagradas Escrituras nos apresentam os anjos numa guerreira,
como a milícia dos exércitos do Senhor.
Assim, o profeta Miquéias exclama: “Eu vi o Senhor sentado sobre
seu trono, e todo o exército do céu ao redor dele, à direita e à
esquerda” (3 Reis 22, 19). E o livro de Josué, ao narrar a luta
dos judeus para conquistar a Palestina, após saírem do Egito,
diz: "Ora, estando Josué nos arredores da cidade de Jericó,
levantou os olhos e viu diante de si um homem em pé, que tinha
uma espada desembainhada. Foi ter com ele e disse-lhe: Tu és dos
nossos, ou dos inimigos? E ele respondeu: Não; mas sou o
príncipe do to do Senhor” (Jos 5, 13-14).*
* No Antigo Testamento os anjos são designados das mais diversas
formas: "príncipes"; "filhos de Deus"; "santos"; "anjos santos";
"sentidos vigilantes"; "espíritos"; "homem".
O próprio Deus, a quem servem esses anjos guerreiros, é
apresentado como o Deus dos exércitos. O profeta Oséias,
descrevendo a fidelidade de Jacó, registra: “E o Senhor Deus dos
exércitos, este Senhor ficou sempre na sua memória” (Os 12,
4-5). Amós profetiza a prevaricação de Israel em nome do Senhor
Deus dos exércitos: "Ouvi isto, e declarai-o à casa de Jacó, diz
o Senhor dos exércitos”. E adiante: “Pois sabe, casa de Israel,
diz o Senhor Deus dos exércitos, que eu vou suscitar contra vós
uma nação vos oprimirá” (Am 3, 13; 6, 15). Na visão do profeta
Isaías: "Os serafins .. clamavam um para o outro e diziam:
Santo, Santo, Santo é o Senhor Deus dos exércitos” (Is 6, 2-3).
A mesma expressão é utilizada nos Salmos de Davi: “Quem é esse
Rei da Glória ? O Senhor dos exércitos; esse é o Rei da glória
“. “O Senhor dos exércitos está conosco; o Deus de Jacó é a
nossa cidadela" ( Sl 23,10; 45, 8).
O Senhor Deus dos exércitos, após a desobediência de nossos
primeiros pais, “pôs diante do paraíso de delícias Querubins
brandindo uma espada de fogo, para guardar o caminho da árvore
da vida" (Gen 3,24).
As hostes celestes combateram no Céu uma “grande batalha" (Apoc
12, 7), derrotando e expulsando Satanás e os anjos rebeldes.
E na noite sublime do Natal, esses guerreiros celestes
apareceram aos pastores: “E subitamente apareceu com o anjo uma
multidão da milícia celeste louvando a Deus e dizendo: Glória a
Deus no mais alto dos Céus e paz na terra aos homens de boa
vontade” (Lc 2, 8-14).
Deus confia à milícia celeste a defesa daqueles que O amam.
Segundo os intérpretes, um anjo exterminador matou em meio à
noite todos os primogênitos do Egito (Ex 12, 29); e ao serem os
judeus perseguidos pelo exército do Faraó, o anjo do Senhor, que
ia diante deles, se interpôs entre os egípcios e o povo
escolhido (Ex 14, 19). Quando Senaquerib ameaçava o povo eleito,
Deus enviou um de seus terríveis guerreiros angélicos: "Naquela
mesma noite saiu o anjo de Iavé e exterminou no acampamento
assírio cento e oitenta e cinco mil homens” (4 Reis 19, 35).
Às vezes os combatentes celestes se juntam aos combatentes
terrestres para dar-lhes a vitória, como se deu numa batalha
decisiva de Judas Macabeu:
“Mas, no mais forte do combate, apareceram do céu aos inimigos
cinco homens em cavalos adornados de freios de ouro, que serviam
de guia aos judeus. Dois deles, tendo no meio de si Macabeu,
cobrindo-o com suas armas, guardavam-no para que andasse sem
risco da sua pessoa; e lançavam dardos e raios contra os
inimigos, que iam caindo feridos de cegueira, e cheios de
turbação. Foram pois mortos vinte mil e quinhentos homens, e
seiscentos cavalos” (2 Mac 10, 28-32).
O Senhor Deus dos exércitos envia igualmente seus guerreiros
para livrar seus amigos das mãos dos ímpios:
“Deitaram (os judeus) as mãos sobre os Apóstolos e meteram-nos
na cadeia pública. Mas um anjo do Senhor, abrindo de noite as
portas do cárcere, e, tirando-os para fora, disse: Ide, e ,
apresentando-vos no templo, pregai ao povo toda as palavras
desta vida” (At 5, 18-20).
“Herodes ... mandou também prender Pedro ... E eis que sobreveio
um anjo do Senhor, e resplandeceu de luz no aposento; e, tocando
no lado de Pedro, o despertou, dizendo: Levanta-te depressa. E
caíram as cadeias das suas mãos. E o anjo disse-lhe: Toma a tua
cinta, e calça as tuas sandálias. E ele fez assim. E o anjo
disse-lhe: Põe sobre ti a tua capa e segue-me. E ele, saindo,
seguia-o, e não sabia que era realidade o que por intervenção do
anjo, mas julgava ter uma visão. E, depois de passarem a
primeira e a segunda guarda, chegaram à porta de ferro que dá
para a cidade, a qual se lhes abriu por si mesma. E saindo,
passaram uma rua e, imediatamente, o anjo afastou-se dele: Então
Pedro, voltando a si, disse: Agora sei verdadeiramente que o
Senhor mandou o seu anjo, e me livrou da mão de Herodes e de
tudo o que esperava o povo dos judeus” (At 12, 1-11).
O próprio Salvador, para deixar claro aos Apóstolos que Ele
sofria a Paixão por espontânea vontade, disse a São Pedro, que O
queria defender por meio da espada: “Julgaste por ventura que eu
não posso rogar a meu Pai, e que ele não me porá imediatamente
aqui de doze legiões de anjos?” (Mt 26, 53).
Executores das vinganças de Deus
Esses guerreiros executam igualmente as vinganças de Deus:
Diante dos pecados dos sodomitas, Deus enviou seus anjos:
"Quanto aos homens que estavam à porta (da casa de Lot e queriam
abusar dos jovens que lá estavam), eles (os anjos) os feriram
com cegueira, do menor ao maior, de modo que não conseguiram
achar a entrada “. “Os anjos disseram a Lot ... nós vamos
destruir este lugar pois é grande o clamor que se ergueu contra
eles diante do Senhor. E o Senhor nos enviou para exterminá-los
(Gen 19, 10-13).
"Quando os mensageiros do rei Senaquerib blasfemaram contra ti,
teu anjo interveio e feriu cento e oitenta e cinco mil dos seus
homens". (1 Mac 7,41).
Herodes Agripa, que perseguira São Pedro e matara São Tiago, foi
"ferido pelo anjo do Senhor e comido de vermes” (At 12, 23).
No fim do mundo:
"O Filho do homem enviará os seus anjos, e tirarão do seu reino
todos os escândalos e os que praticam a iniqüidade. E
lançá-los-ão na fornalha de fogo. Ali haverá choro e ranger de
dentes” ( Mt13, 41-42).
"Quando aparecer o Senhor Jesus (descendo) do céu com os anjos
do seu poder, em uma chama de fogo, para tomar vingança daqueles
que não conheceram a Deus e que não obedecem ao Evangelho de
Nosso Senhor Jesus Cristo; os quais serão punidos com a perdição
eterna longe da face do Senhor e da glória do seu poder" (2 Tess
1, 7-9).
Mensageiros celestes
O próprio nome de anjos indica já sua função: enviados ou
mensageiros de Deus. Com efeito, o original hebraico do Antigo
Testamento se refere a esses puros espíritos como mal´âk yahweh,
isto é, emissários de Deus. A versão grega utilizou a expressão
angelos, a qual foi por sua vez traduzida em latim por angelus,
palavra que serviu de base para as línguas ocidentais.
O Novo Testamento nos mostra a ação desses emissários de Deus,
comunicando aos homens as mais importantes mensagens divinas.
Assim, o arcanjo São Gabriel anuncia a Zacarias o nascimento do
Precursor, São João Batista: “Eu sou Gabriel, que assisto diante
do trono de Deus e fui enviado para falar-te e comunicar-te esta
boa nova” (Lc 1,19).
O mesmo anjo anuncia à Santíssima Virgem o mistério da
Encarnação: “Foi enviado o anjo Gabriel da parte de Deus a uma
cidade da Galiléia chamada Nazaré, a uma virgem desposaca com um
varão de nome José, da casa de David; e o nome da Virgem era
Maria” (Lc 1,26-27).
Um anjo aparece a São José em sonhos dando-lhe a conhecer também
esse mistério: “Eis que um anjo do Senhor lhe apareceu em sonhos
dizendo: José, filho de David, não temas receber Maria como tua
esposa, porque o que nela foi concebido é (obra) Espírito Santo”
(Mt 1,20).
A alegria do nascimento do Salvador foi anunciada pela aos
pastores: “Ora naquela mesma região havia uns pastores que
velavam e faziam de noite a guarda ao seu rebanho. E eis que
apareceu junto deles um anjo do Senhor, e a claridade de Deus os
cercou,, e tiveram grande temor. Porém o anjo disse-lhes: Não
temais; porque eis que vos anuncio uma grande alegria, que terá
todo o povo. Nasceu-vos na cidade de David o Salvador, que é
Cristo Senhor. E eis o sinal: Encontrareis um menino envolto em
panos deitado numa manjedoura. E subitamente apareceu com o anjo
uma multidão da milícia celeste louvando a Deus e dizendo:
Glória a Deus no mais alto dos Céus e paz na terra aos homens de
boa vontade” (Lc 2,8-14).
Um anjo aconselha à Sagrada Família fugir para o Egito por causa
da perseguição de Herodes: “Eis que um anjo do Senhor apareceu
em sonhos a José e lhe disse: Levanta-te, torna o menino e sua
mãe e foge para o Egito, e fica lá até que eu te avise; porque
Herodes vai procurara menino para o matar” (Mt 2, 13).
Depois da morte de Herodes, o anjo torna a aparecer a São José:
"Morto Herodes, eis que o anjo do Senhor apareceu em sonho a
José no Egito, dizendo: Levanta-te, toma o menino e sua mãe, e
vai para a terra de Israel, porque morreram os que procuravam
tirar a vida ao menino” (Mt 2, 19-20).
Consoladores e confortadores
Em diversos episódios, a Sagrada Escritura nos mostra os anjos
no seu ministério de consoladores e confortadores dos homens em
dificuldades.
O profeta Elias, sendo perseguido pela ímpia rainha Jezabel (a
qual introduzido em Israel o culto idolátrico de Baal), fugiu
para o deserto; ali, prostrado de desânimo e fadiga, adormeceu.
“E um anjo do Senhor o tocou, e lhe disse: Levanta-te e come".
Elias abriu os olhos e viu junto de sua cabeça um pão e um vaso
de água; comeu e bebeu e tornou a adormecer. “E voltou segunda
vez o anjo do Senhor, e o tocou e lhe disse: Levanta-te e come,
porque te resta um longo caminho “. O Profeta levantou-se, e
bebeu e, revigorado, caminhou durante quarenta dias e quarenta
noites até o Monte Horeb, onde Deus iria manifestar-se a ele(3
Reis 19, 1-8).
Em sua vida terrena o próprio Salvador foi servido e confortado
anjos.
Assim se deu após o prolongado jejum no deserto e a tentação do
demônio: “Então o demônio deixou-o; e eis que os anjos se
aproximam e o serviam” (Mt 4, 11).
Na terrível agonia do Horto das Oliveiras, depois de Jesus
exclamar: “Pai, se é do teu agrado, afasta de mim este cálice “,
o Padre enviou um anjo para confortá-Lo: “Então apareceu-lhe um
anjo do céu que o confortava” (Lc 22, 42-43).
Na Ressurreição “um anjo do Senhor desceu do céu e,
aproximando-se, revolveu a pedra, e estava sentado sobre ela; e
o seu aspecto era como um relâmpago e as suas vestes brancas
como a neve”. E o mesmo anjo consolou as Santas Mulheres que
haviam ido ao Sepulcro: “Não temais, porque sei que procurais a
Jesus que foi crucificado; ele já não está aqui, porque
ressuscitou como tinha dito” (Mt 28, 2-8).
Agentes de Deus para o governo do Universo
É por meio dos santos anjos que Deus exerce o governo do
Universo.
Os Padres e Doutores da Igreja reconhecem nos anjos um grande
poder, não só sobre as plantas e animais, mas até sobre o
próprio homem. A Sagrada Escritura fala-nos também do anjo que
tem poder sobre o fogo (Apoc 14, 18), e daquele que manda nas
águas (Apoc 16, 5).
Santo Agostinho diz que cada espécie distinta, nos diferentes
reinos da natureza, é governada pelo poder angélico.
Segundo São Tomás, Deus mesmo estabeleceu, até os mínimos
detalhes, seu plano de governo do mundo. Mas ele confia a
execução desse plano, em graus variados, primeiro aos anjos,
depois aos homens, segundo suas funções diversas, e por fim às
outras criaturas.
Os anjos são os agentes da execução de Deus em todos domínios.
Como Deus governa tudo, os anjos O ajudam e obedecem em tudo.
Ele exerce seus desígnios no Cosmos pelo ministério dos anjos.
“E claro que as galáxias do céu, assim como as feras das
florestas e os pássaros que cantam para nós, e o trigo de nossos
campos, os minerais e os gases, os prótons e os nêutrons sofrem
a ação dos anjos” comenta Mons. Cristiani. (Mgr L. CRISTIANI,
Les Anges, ces inconus, p. 651.)
São Tomás é categórico a esse respeito: “Todas as corporais são
governadas pelos anjos. E este é não somente o ensinamento dos
Doutores da Igreja, mas também de todos os filósofos" ( Suma
contra Gentiles, lib. III, c. 1. )
E o Cardeal Daniélou explica: “Trata-se pois de uma doutrina
estabelecida pela tradição e pela razão. E nós, de nossa parte,
pensamos que o governo inteligente e forte do qual dá testemunho
a ordem do cosmos pode bem ter por ministros os espíritos
celestes, em que pese o racionalismo de alguns de nossos
contemporâneos”. ( Apud Mgr L. CRISTIANI, art. cit., p.651.)
Guias e protetores dos homens
Os anjos, apesar de sua excelsitude, por desígnio de Deus, são
nossos amigos e companheiros. Eles nos protegem nas
necessidades, nos guiam nos perigos, nos sugerem continuamente
bons propósitos, atos de amor e submissão a Deus.
Pela sua importância, a doutrina sobre os Anjos da Guarda merece
maior desenvolvimento. É o que faremos em capítulo à parte.
Se o próprio Deus se serve continuamente dos anjos, não devemos
nós também recorrer sempre aos príncipes dos exércitos do
Senhor, aos mensageiros de Deus, invocando-os em todas as nossas
necessidades?
Os Anjos da Guarda
“Eis que eu enviarei o meu anjo,
que vá adiante de ti, e te guarde
pelo caminho, e te introduza
no lugar que preparei".
(Ex 23, 20-23)
DEUS, no seu amor infinito pelos homens, entregou cada um de nós
à guarda e cuidado especial de um anjo, que nos acompanha desde
o nascimento até a morte: o Anjo da Guarda.
Essa doutrina foi sempre ensinada pela Igreja ( Cf. Catecismo
Romano, Parte IV, cap. IX, n. 4. ) e se baseia em testemunhos da
Sagrada Escritura e da Tradição — Santos Padres, Magistério
Eclesiástico, Liturgia.
As Escrituras e os Santos Padres
O Antigo Testamento faz contínuas referências a esses anjos que
nos servem de protetores. Mais do que nos ensinar explicitamente
tal verdade, parece dá-la por suposta em suas narrações.
Jacó ao abençoar seus netos, filhos de José, diz: “Que o anjo
que me livrou de todo o mal, abençõe estes meninos” (Gen 48, 16)
Nas palavras seguintes de Deus a Moisés encontramos os múltiplos
ofícios que incumbem ao Anjo da Guarda, de proteção e de
conselho: “Eis que eu enviarei o meu anjo, que vá adiante de ti,
e te guarde pelo caminho, e te introduza no lugar que preparei.
Respeita-o, e ouve a sua voz, e vê que não o desprezes; porque
ele não te perdoará se pecares, e o meu nome está nele. Se
ouvirdes a sua voz, e fizerdes tudo o que te digo, eu serei
inimigo dos teus inimigos, e afligirei os que te afligem. E o
meu anjo caminhará adiante de ti" (Ex 23,20-23).
Por meio do profeta Baruc, Deus comunica a Israel: “Porque o meu
anjo está convosco, e eu mesmo terei cuidado das vossas almas"
(Bar 6,6)
O Salmo 90 exprime, com muita poesia, a solicitude de Deus para
conosco, por meio do Anjo da Guarda: “O mal não virá sobre ti, e
o flagelo não se aproximará da tua tenda. Porque mandou (Deus)
os seus anjos em teu favor, que te guardem em todos os teus
caminhos. Eles te levarão nas suas mãos, para que o teu pé não
tropece em alguma pedra” (SI 90, 10-12).
E outro Salmo proclama: “O anjo do Senhor assenta os seus
acampamentos em volta dos que o temem, e os liberta” (SI 33, 8).
Lançado na cova dos leões, por intriga de invejosos, Daniel foi
socorrido por um anjo: “O meu Deus enviou o seu anjo, e fechou
as bocas dos leões e estes não me fizeram mal algum” (Dan 6,
21).
Fala-se, no Livro dos Reis, de um exército de carros que
cercavam o profeta Eliseu (4 Reis 6, 14-17). São Tomás vê aí uma
imagem do poder dos Anjos Custódios e a preponderância dos anjos
bons sobre os maus.
São inúmeras as passagens do Antigo Testamento que fazem
referência à doutrina sobre os Anjos da Guarda. Em nenhuma
porém, a solicitude dos anjos para com os homens fica tão
patente como no livro de Tobias.* E por isso que ele é muito
citado sempre que se trata da matéria.
*Este livro da Sagrada Escritura é todo ele rico de ensinamentos
sobre esta doutrina, de maneira que não basta transcrever aqui
uma ou outra passagem dele; assim, convida-mos o leitor a lê-lo
diretamente na Bíblia.
Esse ensinamento se torna mais preciso no Novo Testamento, onde
a existência do Anjo da Guarda é confirmada pelo próprio
Salvador. Aos seus discípulos, advertindo-os contra os
escândalos em relação às crianças, diz: “Vêdes que não
desprezeis a um só destes pequeninos, pois eu vos declaro que os
seus anjos vêem continuamente a face de meu Pai que está nos
céus” (Mt 18, 10). Essas palavras deixam claro que mesmo as
crianças pequenas têm seus Anjos Custódios, como também que
estes anjos mantém a visão beatífica de Deus ao descer à terra
para atender e proteger a seus custodiados.
Também São Paulo se refere ao papel protetor dos anjos em
relação aos homens: “Não são eles todos espíritos a serviço de
Deus mandados para exercer o ministério a favor dos que devem
obter a salvação?” (Heb 1, 14).
Os Santos Padres ensinam desde cedo essa doutrina.
São Basílio (329-379), entre os gregos, afirma: “Que cada qual
tenha um anjo para o dirigir, como pedagogo e pastor, é o
ensinamento de Moisés” ( Apud Card. J. DANIELOU, Les Anges et
leur mission, p. 93. )
E, entre os latinos, São Jerônimo (342-420) assim comenta
passagem de São Mateus (18, 10), acima citada, sobre os anjos
das crianças: “Isto mostra a grande dignidade das almas, pois
cada uma tem, desde o nascimento, um anjo encarregado de sua
guarda" (Comm. in Evang. 5. Matth., lib. III, ad cap. XVIII, 10
Apud Card. P. GA5PARRI Catechisme Catholique pour Adultes, p.
346. )
A crença na existência e atuação dos Anjos da Guarda está tão
firmemente estabelecida na tradição da Igreja, que desde tempos
imemoriais foi instituída uma festa especial em louvor deles (2
de outubro).
O ensinamento dos teólogos
A partir dos dados da Sagrada Escritura e da Tradição, teólogos
foram explicitando ao longo dos séculos uma doutrina sólida e
coerente sobre os Anjos da Guarda.
O príncipe dos teólogos, São Tomás de Aquino, na sua célebre
Suma Teológica, (Suma Teológico, 1,q. 113.) expõe largamente
essa doutrina.
O santo Doutor justifica a existência dos Anjos da Guarda pelo
princípio de que Deus governa as coisas inferiores e variáveis
por meio das superiores e invariáveis. O homem não só é inferior
ao anjo, mais ainda está sujeito a instabilidades e variações
por causa fraquesa de seu conhecimento, das paixões, etc. Assim,
ele é governado e amparado pelos anjos, que servem como
instrumentos da providência especial de Deus para com os homens.
A função principal do Anjo da Guarda é iluminar-nos em relação a
verdade, à boa doutrina; mas sua custódia tem também muitos
efeitos, tais como reprimir os demônios e impedir que nos sejam
causados outros danos espirituais ou corporais.
Cada homem tem um anjo especialmente encarregado de guardá-lo,
distinto do das coletividades humanas de que façam parte. Estas
têm anjos especiais para custodiá-las; enquanto os anjos dos
indivíduos pertencem ao último coro angélico, o das
coletividades ou instituições podem fazer parte dos coros e
hierarquias superiores.
Como há vários títulos pelos quais um homem necessita ser
especialmente protegido (ou seja, considerado enquanto
particular ou como ocupando um cargo ou função na Igreja a ou na
sociedade), um mesmo homem pode ter vários anjos para
custodiá-lo.
A Virgem Santíssima, Rainha dos Anjos, teve também não um, mas
os Anjos da Guarda. Enquanto homem, Jesus teve Anjos da Guarda;
não evidentemente para protegê-Lo, pois o inferior não guarda o
superior, mas para servi-Lo.
Mesmo os infiéis têm Anjos da Guarda e até o Anti-Cristo o
terá.
O Anjo da Guarda nunca abandonará o homem, mesmo após a morte,
se ele for para o Paraíso, pois a custódia angélica é parte da
providência especial de Deus para com o homem, o qual jamais
estará totalmente privado da providência divina.
Embora estejam normalmente no Céu, contemplando a Deus, os Anjos
da Guarda conhecem tudo o que se passa na terra com seus
protegidos; podem, então, quase imediatamente, passar de um
lugar ao outro para protegê-los ou influenciá-los beneficamente.
Santo Agostinho pergunta: “Como podem os anjos estar longe,
quando nos foram dados por Deus para ajudar-nos?” E responde:
“Eles não se apartam de nós, embora aquele que é assaltado pelas
tentações pense que estão longe”. (Apud A. J. MacINTYRE, Os
anjos, urna realidade admirável p. 321. )
Os Anjos Custódios nunca estão em oposição ou divergência real
entre si. O relato bíblico da luta entre o anjo da Pérsia e o
anjo Protetor dos Judeus (cf. Dan 10, 13-21) em que o primeiro
queria reter os hebreus na Babilônia e o segundo desejava
conduzi-los de volta à sua pátria encontra a seguinte
explicação: às vezes Deus não revela aos anjos os méritos ou os
deméritos das diversas nações ou indivíduos que eles custodiam.
Enquanto não conhecem com certeza a vontade divina, os Anjos da
Guarda procuram, santamente, proteger de todas as formas os que
estão sob a sua proteção, mesmo contrariando os desejos de
outros Anjos Custódios. Mas logo que a vontade de Deus fica
clara para eles, todos se submetem pressurosos, pois o que
desejam sempre é fazer a vontade divina.
Do mesmo modo que os homens, também as instituições, os povos e
os países contam com um anjo especialmente encarregado de velar
por eles.
Essa doutrina tem base nas palavras da Sagrada Escritura, onde é
dito que um anjo conduzia o povo judeu pelo deserto (Ex 23,20),
e também na passagem já referida sobre a luta entre o anjo dos
Judeus e o anjo dos Persas (Dan 10, 13-21).
É também o que ensina São Basílio: “Entre os anjos, uns são
prepostos às nações; os outros são companheiros dos fiéis”. (
Apud Card. J. DANIELOU, Les Anges et leur Mission, p. 93. )
São Miguel Arcanjo era o protetor de Israel enquanto povo eleito
(Dan 10, 13-21); atualmente ele é o protetor do novo povo de
eleição, a Igreja. As aparições de Nossa Senhora em Fátima.
foram precedidas pela do Anjo de Portugal.
Efeitos da custódia dos anjos
Os efeitos da custódia dos anjos são, uns corporais, outros
espirituais, ordenados, uns e outros, à salvação eterna do
homem.
Os efeitos são corporais, na medida em que impedem ou livram dos
perigos ou males do corpo, ou auxiliam os homens nas questões
materiais, conforme consta no livro de Tobias (cap. 5 e
seguintes).
E são espirituais, sempre que os anjos nos defendem contra os
demônios (Tob 8, 3); rezam por nós e oferecem nossas preces a
Deus, tornando-as mais eficazes pelas sua intercessão (Apoc 8,
3; 12); nos sugerem bons pensamentos, incitando-nos assim a
fazer o bem (At 8, 26; 10, 3ss),* por meio de estímulos da
imaginação ou do apetite sensitivo; do mesmo modo, quando nos
infligem penas medicinais para nos corrigir (2 Reis 24, 16); ou
ainda, na hora da morte, fortalecem-nos contra o demônio; os
anjos conduzem diretamente para o Céu as almas daqueles que
morrem sem precisar passar pelo Purgatório, e levam para o
Paraíso as almas que já passaram pela purgação necessária; eles
também visitam as almas do Purgatório para as consolar e
fortalecer, esclarecendo-as glória do céu, etc.
*Há vários exemplos disso na Sagrada Escritura:
Os Atos dos Apóstolos relatam a aparição de um anjo ao Centurião
Cornélio, homem religi oso e temente a Deus, para instruí-lo
sobre como proceder para conhecer a verdadeira religião: "Este
(Cornélio) viu claramente numa visão. quase à noa, que um anjo
de Deus se apresentava diante dele, e lhe dizia: Cornélio ... as
tuas ora ções e as tuas esmolas subiram como memorial à presença
de Deus. E agora envia homens a Jope a cham ar um certo Simão
que tem por sobrenome Pedro ... ele te dirá o que deves fazer" (At
10, 1-6). E nos mesmos Atos se lê como um anjo inspira São
Filipe Diácono a desviar-se de seu caminho, para fazê-lo
encontrar-se com o ministro da Rainha Candace, da Et iópia, e
batizá-lo, depois de instruí-lo na doutrina cristã (At 8, 26)
A custódia dos anjos nos livra de inúmeros perigos tanto para a
alma como para o corpo. Entretanto, ela não nos livra de todas
as cruzes e sofrimentos desta vida, que Deus nos manda para
nossa provação e purificação; nem daquelas tentações que Deus
permite para que mostremos nossa fidelidade. Porém eles sempre
nos ajudam a tudo suportar com paciência e vencer com
perseverança.
Às vezes parece que os anjos não nos estão atendendo; é preciso
então rezar com mais insistência até que esse socorro se
perceba. Mas pode ocorrer de não sermos ouvidos, não porque
faltem aos anjos poder ou desejo de nos ajudar, mas é que aquilo
que estamos pedindo não é o melhor para a nossa eterna salvação,
que é o que antes de tudo eles procuram.
Nossos deveres em relação aos Santos Anjos Custódio
São Bernardo resume assim nossos deveres em relação aos nossos
Anjos da Guarda:
a. Respeito pela sua presença. Devemos evitar tudo o que pode
contristar um espírito assim puro e santo. Sobretudo, evitar o
pecado.
“Como te atreverias — interpela o santo Doutor — a fazer na
presença dos anjos aquilo que não farias estando eu diante de
ti?"
b. Confiança na sua proteção. Sendo tão poderoso e estando
continuamente diante de Deus, e ao mesmo tempo conhecendo as
nossas necessidades, como não confiar na sua proteção? A melhor
maneira de provar essa confiança é recorrer a ele pela oração
nos momentos difíceis, especialmente nas tentações.
c. Amor e reconhecimento por sua proteção. Devemos amá-lo como a
um benfeitor, um amigo e um irmão, e ser agradecidos pela sua
proteção diligentíssima.
“Sejamos, pois, devotos” — escreve o mesmo São Bernardo.
“Sejamos agradecidos a guardiões tão dignos de apreço,
correspondamos a seu amor, honremos-lhe quanto possamos e quanto
devemos!” ( Apud Jesus VALBUENA O.P., Tratado del Gobierno del
Mundo — Introducciones, p. 930. )
A oração por excelência para invocar e honrar o Anjo da Guarda
da é o Santo anjo do Senhor:
“Santo anjo do Senhor, meu zeloso guardador, já que a ti me
confiou a piedade divina, sempre me rege, guarda, governa e
ilumina".
Os Três Gloriosos Arcanjos
"Eis que veio em meu socorro Miguel,
um dos primeiros príncipes".
(Dan 10, 13)
“Eu sou Gabriel, que assisto
diante (do trono) de Deus".
(Lc 1, 19,)
“Eu sou o anjo Rafael, um dos sete
que assistimos diante do Senhor”.
(Tob 12, 15)
A Igreja e o povo fiel veneram de modo especial os três
gloriosos Arcanjos — São Miguel, São Gabriel e São RafaeL
Embora eles sejam comumente chamados de Arcanjos, segundo
teólogos e comentaristas das Escrituras, eles certamente
pertencem ao primeiro dos coros angélicos, o dos Serafins.
São Miguel: “Quem é como Deus?”
Em hebraico: mîkâ’êl, que significa: “Quem (é) como Deus?” As
Escrituras se referem nominalmente ao Arcanjo São Miguel em
quatro passagens: duas delas na profecia de Daniel (cap. 10, 13
e 21; e ap. 12, 1); uma na Epístola de São Judas Tadeu (cap.
único, vers. 9 ) e finalmente no Apocalipse (cap. 12, 7-12).
No livro de Daniel o Santo Arcanjo aparece como “príncipe e
protetor de Israel”, que se opõe ao “príncipe” ou celestial
protetor dos persas.* Segundo São Jerônimo e outros
comentadores, o anjo protetor da Pérsia teria desejado que
ficassem ali alguns judeus para mais dilatarem o conhecimento de
Deus; porém São Miguel teria desejado e pedido a Deus que todos
os judeus voltassem logo para a Palestina, a fim de que o templo
do Senhor fosse reconstruído mais depressa. Essa luta espiritual
entre os dois anjos teria durado vinte e um dias.
* Nas escrituras os anjos são chamados com freqüência príncipes.
São Judas, na sua Epístola, alude a uma disputa de São Miguel
com o demônio sobre o corpo de Moisés: o glorioso Arcanjo, por
disposição de Deus, queria que o sepulcro de Moisés permanecesse
oculto; o demônio, porém, procurava tomá-lo conhecido, com o fim
de dar aos judeus ocasião de caírem em idolatria, por influência
dos povos pagãos circunvizinhos.
No Apocalipse, São João apresenta São Miguel capitaneando os
anjos bons em uma grande batalha no céu contra os anjo rebeldes
chefiados por Satanás, ali chamado dragão:
“E houve no céu unia grande batalha: Miguel e os seus anjos
pelejavam contra o dragão, e o dragão e seus anjos pelejavam
contra ele; porém, estes não prevaleceram, e o seu lugar não se
achou mais no céu. E foi precipitado aquele grande dragão,
aquela antiga serpente, que se chama demônio e Satanás, que
seduz todo o mundo; e foi precipitado na terra, e foram
precipitados com seus anjos” (Apoc 12, 7-12).
A Igreja não definiu nada de particular sobre São Miguel, mas
tem permitido que as crenças nascidas da tradição cristã a
respeito do glorioso Arcanjo tenham livre curso na piedade dos
fiéis e na elaboração dos teólogos.
A primeira crença é a de que São Miguel era, no Antigo
Testamento, o defensor do povo escolhido — Israel; e hoje o é do
novo povo escolhido — a Igreja. Tal piedosa crença está em
consonância com o que é dito no livro de Daniel: “Eis que veio
em meu socorro Miguel, um dos primeiros príncipes. ... Miguel.
que é o vosso príncipe” — isto é, dos judeus (10, 13 e 21). “Se
levantará o grande príncipe Miguel, que é o protetor dos filhos
do teu povo” — de Israel (12, 1). Essa crença é muito antiga,
sendo já confirmada pelo Pastor de Hermas, célebre livro cristão
do século II, no qual se lê: “O grande e digno Miguel é aquele
que tem poder sobre este povo” (os cristãos). Ademais, tal
crença é partilhada pelos teólogos e pela própria Igreja, que a
manifesta de muitas maneiras.
A segunda crença geral é a de que São Miguel tem o poder de
admitir ou não as almas no Paraíso. No Oficio Romano deste Santo
no antigo Breviário, São Miguel era chamado de “Praepositus
paradisi” — “Guarda do paraíso”, ao qual o próprio Deus se
dirige nos seguintes termos: “Constitui te Principem super omnes
animais suscipiendas” — “Eu te constituí chefe sobre todas as
almas a serem admitidas”. E na Missa pelos defuntos rezava-se: "
Signifer Sanctus Michael representet eas in lucem sanctam” — "O
' Porta-estandarte São Miguel, conduzi-as à luz santa”.
A terceira crença, ou melhor, opinião, é a de que São Miguel
ocupa o primeiro lugar na hierarquia angélica. Sobre este ponto
há divergência entre os teólogos, mas tal opinião tem a seu
favor vários Padres da Igreja gregos e parece ser corroborada
pela liturgia latina, que se referia ao glorioso Arcanjo como
"Princeps militiae coelestis quem honorificant coelorum cives” —
"Príncipe da milicia celeste, a quem honram os habitantes do
Céu"; e pela liturgia grega que o chama “Archistrátegos “, isto
é, "Generalíssimo."
O grande comentador das Sagradas Escrituras, Pe. Cornélio a
Lapide, jesuíta do século XVI, escreve:
"Muitos julgam que Miguel, tanto pela dignidade de natureza,
como de graça e de glória é absolutamente o primeiro e o
Príncipe de todos os anjos. E isso se prova, primeiro, pelo
Apocalipse (12, 7), onde se diz que Miguel lutou contra Lúcifer
e seus anjos, resistindo à sua soberba com o brado cheio de
humildade: 'Quem (é) como Deus?’ Portanto, assim como Lúcifer é
o chefe dos demônios, Miguel o é dos anjos, sendo o primeiro
entre os serafins. Segundo, porque a Igreja o chama de Príncipe
da Milícia Celeste, que está posto à entrada do Paraíso. E é em
seu nome que se celebra a festa de todos os anjos. Terceiro,
porque Miguel é hoje ao cultuado como o protetor da Igreja como
outrora o foi da Sinagoga. Finalmente, em quarto lugar, prova-se
que São Miguel é o Príncipe de todos os anjos, e por isso o
primeiro entre os Serafins, porque diz São Basílio na Homilia De
Angelis: ‘A ti, ó Miguel, general dos espíritos celestes, que
por honra e dignidade estais posto à frente de todos os outros
espíritos celestiais, a ti suplico...' ". ( Cornélio A LAPIDE,
Commentaria in Scripturam Sacram, t. 13, pp. 112-114 )
O mesmo dizem inúmeros outros autores, entre os quais São
Roberto Bellarmino.
Na Idade Média, São Miguel era padroeiro especial das Ordens de
Cavalaria, que defendiam a Cristandade contra o perigo metano.
São Gabriel: “Força de Deus”
Em hebraico: gabrî’êl, que quer dizer: “Homem de Deus" ou “Deus
se mostrou forte” ou, ainda, “Força de Deus".
O próprio Arcanjo disse a Zacarias: “Eu sou Gabriel que assisto
diante (do trono) de Deus” (Lc 1, 29). Isto leva a crer que se
trata de um dos primeiros espíritos angélicos. O já citado
Cornélio a Lápide argumenta do seguinte modo, para comprovar
esta opinião:
1. Se os Serafins alguma vez são enviados por Deus em missão
junto aos homens, um deles devia ser enviado à Mãe do Redentor
para anunciar o insigne mistério da Encarnação do Verbo. Não
somente pela excelsitude de tal mistério, mas porque a
Santíssima Virgem supera a todos os coros de anjos em dignidade
e graça.
2. Ora, São Paulo, na Epístola aos Hebreus (1, 14), afirma que
Deus pode enviar como mensageiro um anjo de qualquer hierarquia:
“Porventura não são todos esses espíritos uns ministros ( de
Deus) enviados para exercer o seu ministério a favor daqueles
que hão de receber a herança da salvação?”
3. Logo, deve-se crer que São Gabriel pertence à mais alta
categoria angélica, isto é, ao coro dos Serafins. ( Cornélio A
LAPIDE, Commentaria in Scripturam Sacram, t. 13, pp. 142-143 )
São Gabriel, o Anjo da Encarnação, é considerado igualmente como
o Anjo da Consolação e da Misericórdia; mas, de com o
significado de seu próprio nome, representa o poder de Deus. É
por isso que as Escrituras, ao referir-se a ele, utilizam
expressões como poder, força, grande, poderoso (cf. Dan 8-10). A
tradição judáica atribuía a esse glorioso Arcanjo a destruição
de Sodoma ( cf. Gen 19, 1-29), bem como o ter marcado com um Tau
a fronte dos eleitos (Ez 9, 4); e apresentava-o como o Anjo do
Julgamento Final.
A tradição cristã vê nele o anjo que apareceu aos pastores para
anunciar o nascimento do Salvador (Lc 2, 8-14), e a São José, em
sonhos, para explicar a concepção virginal de Maria Santíssima (Mt
1,20). Teria sido ele também quem confortara Jesus em sua agonia
no Horto (cf. Hino de Laudes do dia 24 de março).
São Rafael: “Medicina de Deus”
Em hebráico: refâ’êl, cujo sentido — é igual a: “Deus curou” ou
"Medicina de Deus”.
Ele próprio revelou sua elevada hierarquia, depois de ajudar o
jovem Tobias, que cria estar em presença de um simples homem:
"Eu sou o anjo Rafael, um dos sete (espíritos principais) que
assistimos diante do Senhor” (Tob 12, 15).
Cornélio a Lapide também considera o Arcanjo São Rafael Serafim.
( Cornélio A LAPIDE, Commentaria in, Scripturam Sacram, t. 4, p.
282.) Este insigne Arcanjo é protetor especial contra o demônio,
padroeiro e guia dos viajantes, sanador dos enfermos.
Todos esses ofícios estão amplamente ilustrados no livro de
Tobias: ele protege na viagem o jovem Tobias (caps. 5 a 10);
restitui a vista ao velho Tobias, mediante a aplicação do fel de
um peixe (cap. 11, 13-15); livra o jovem Tobias e Sara das
insídias do demônio, mediante a fumaça das vísceras do mesmo
peixe, e encadeia o demônio no deserto do Egito (cap. 8, 2-3);
apresenta as boas obras e as orações do velho Tobias a Deus
(cap. 12, 12).
Devoção aos Santos Anjos
"Formamos com os anjos
uma única cidade de Deus...”.
(Santo Agostinho)
A DEVOÇÃO AOS SANTOS ANJOS é uma dessas devoções quase
espontâneas do povo cristão.
A legitimidade do culto aos anjos constitui uma verdade de fè,
afirmada pelo Magistério ordinário da Igreja, interpretante da
Tradição: condenação dos iconoclastas no século V pelo 2°
Concílio de Nicéia, e dos protestantes no século XVI pelo
Concílio de Trento.
Origem e desenvolvimento da devoção aos anjos
Entre os judeus e na Antiguidade cristã
Com exceção dos saduceus, que não criam neles, ( “Os saduceus
dizem que não há ressurreição, nem anjos, nem espírito" ( At
23,8) ) essa devoção já existia entre os judeus, que veneravam
particularmente o “grande príncipe Miguel”, protetor dos filhos
do povo de Israel (Dan 12, 1).
Nos primeiros tempos do Cristianismo essa devoção não era muito
acentuada em razão do paganismo ainda dominante na sociedade,
que podia levar os gentios neo-convertidos a confundirem os
espíritos celestes com os gênios — espécies de divindades
menores falsamente cultuadas por certas religiões —, o que
equivaleria a
cair no politeísmo pagão.
Porém, já no século II, São Justino e Atenágoras dão testemunho
sobre o culto cristão aos santos anjos. Dídimo Alexandrino (+
395) atesta que desde os primórdios do Cristianismo surgiram
igrejas e oratórios consagrados a Deus sob a invocação dos
arcanjos.
Santo Ambrósio (séc. IV) já exortava os fiéis: “Os anjos devem
ser invocados por nós, pois para nossa proteção nos foram
dados". (De Viduis, cap. IV, 55; PL 16, 264c Apud Mons. F.
TINELLO, La devozione agli angeli, col. 1252.)
E Santo Agostinho ensinava: “Formamos com os anjos uma única
cidade de Deus ... da qual uma parte somos nós, peregrinos por
este mundo, e a outra, que são os anjos, está sempre pronta a
socorrer-nos.
"Se aquele, junto de quem devemos exercer obras de misericórdia
do qual as recebemos, com razão se chama nosso próximo que no
preceito a nós imposto de amar o próximo estão incluídos os
anjos, dos quais todos os dias recebemos tantos e tão insignes
atos de misericórdia.
"Os anjos nos amam ... por nossa causa, porque lhes somos
semelhantes na natureza racional; por causa deles próprios,
porque nos querem sentados naqueles tronos de glória que eram
dos anjos que prevaricaram” . ( Apud Archibald J. MacINTYRE, Os
anjos, uma realidade admirável, pp. 320- 321.)
Na Idade Média
A "doce primavera da fé” (para empregar a bela expressão com que
Montalembert se refere à Idade Média) foi uma época angélica,
não só pela pureza dos costumes e das doutrinas, e pelo fervor
seráfico do povo fiel, mas também pela familiaridade com os
santos anjos. Foi nessa época que surgiu a prece ao mesmo tempo
tão singela, tão doce e tão confiante: “Santo anjo do Senhor...”
Foi igualmente nessa época que surgiram os grandes tratados
sobre os anjos, dos quais o mais admirável é aquele,
precisamente, de autoria do Doutor Angélico, São Tomás de
Aquino.
São Bernardo de Claraval, cantor da Rainha dos Anjos, deu um
particular impulso a essa devoção; a Igreja fez suas as palavras
do insigne Doutor, para louvar os espíritos celestiais no
Breviáirio ( festa dos Anjos Custódios, 2 de outubro). Sua
fórmula reflete e sintetiza a tradição ininterrupta da Igreja:
aos anjos devemos “reverência por sua presença, devoção por sua
benevolência, confiança por sua custódia”. ( Apud Jesus VALBUENA
O.P., Tratado del Gobierno del Mundo — Indroducciones, p.931.)
Na Contra-Reforma
Os ímpios Lutero e Calvino, depois do culto dos santos,
rejeitaram também o dos anjos. Mas a devoção aos espíritos
angélicos recebeu novo alento com os paladinos da
Contra-Reforma.
Santo Inácio recomenda aos seus religiosos imitarem a pureza dos
anjos. Por obra dos jesuítas multiplicam-se os tratados manuais
de piedade sobre os anjos. Entre eles, o Tratado e pratica da
devoção aos anjos, de São Francisco de Borja, e o Tratado dos
anjos custódios, do Pe. Francisco Albertini. Também contribuíram
muito para a difusão dessa devoção o Cardeal de Bérulle e o
Venerável Olier.
O Concilio de Trento, condenando a ímpia doutrina dos pretensos
reformadores, definiu a legitimidade dessa devoção, que adquiria
assim maiores títulos para ser divulgada.
Igrejas e santuários — Ladainhas e orações
Já no século IV encontram-se testemunhos sobre a ereção de
igrejas e oratórios em honra dos arcanjos. No tempo de São
Gregório Magno (+604) o culto a São Miguel já tinha um centro no
Monte Gargano (na Apúlia, região da Itália junto ao Adriático),
onde o Arcanjo havia aparecido no tempo do Papa São Gelásio I
(+496), pedindo que lhe erguessem ali um santuário.
No século VII o Príncipe da Milícia celeste apareceu sobre um
rochedo da Normandia (França), o Monte Tombes, onde se
praticavam cultos pagãos, e ali se ergueu uma abadia que se
tornou um dos mais célebres santuários em louvor do santo
Arcanjo. E o monte passou a chamar-se Mont Saint-Michel.
Em Roma, no século IX, sete oratórios eram já dedicados ao santo
Arcanjo.
Surgiram várias festas litúrgicas em honra dos santos anjos: São
Gabriel (24 de março); Aparição de São Miguel no Monte Gargano
(8 de maio); Dedicação de São Miguel Arcanjo (29 de setembro);
Santos Anjos Custódios (2 de outubro); São Rafael Arcanjo ( 24
de outubro ).
Existem orações e ladainhas em louvor de cada um dos três dos
Arcanjos, dos Santos Anjos, do Anjo da Guarda. Talvez a oração
mais divulgada seja o “Santo anjo do Senhor, meu zeloso
guardador..."
— bela expressão da piedade medieval para com nosso angélico
guardião. Outra bela oração (que teria sido inspirada pela
própria Rainha dos Anjos) é aquela que começa pelas palavras
"Augusta Rainha dos Céus e soberana Senhora dos Anjos “, de
caráter exorcístico deprecativo muito eficaz.*
*Essa bela oração foi composta em 1863 pelo Venerável Padre
Louis de Cestac (1801- 1868 ) por inspiração de Nossa Senhora.
Na antiga disciplina tinha 500 dias de indulgência decreto da
sagrada Congregação das Indulgências, de 8 de julho de 1908 e da
Sagrada Penitenciaria, de 28 de março de 1935. Seu texto
completo é o seguinte:
Augusta Rainha dos Céus e soberana Senhora dos Anjos, Vós que,
desde o primeiro instante de vossa existência, recebestes de
Deus o poder e a missão de esmagar a cabeça de Satanás,
humildemente vô-lo pedimos, enviai as legiões celestes dos
santos anjos perse guirem, por vosso poder e sob vossas ordens,
os demônios, combatendo-os por toda a parte , reprimindo-lhes a
insolência, e lançando-os nas profundezas do abismo.
Quem é como Deus?
Ó boa e terna Mãe, sêde sempre o nosso amor e a nossa esperança.
Ó Mãe divina, mandai-nos os vossos santos anjos que nos
defendam, e repilam para bem longe de nós o maldito demônio,
nosso cruel inimigo.
Santos anjos e arcanjos, defendei-nos e guardai-nos. Amén.
A devoção aos santos anjos é, pois, não só lícita, mas
extremamente louvável e recomendável. Como em toda devoção,
cumpre entretanto observar sempre fielmente as prescrições da
Santa Igreja, afim de evitar que desvios doutrinários ou
práticas mal sonantes se introduzam nela. Desde os primeiros
séculos, para evitar superstições, a Igreja permitiu o culto
nominal apenas aos três anjos cujo nome consta na Sagrada
Escritura - São Miguel, São Gabriel e São Rafael - proibindo a
invocação de anjos pelos nomes mencionados em escritos apócrifos
ou conhecidos apenas mediante revelação particular.
II - SATANÁS E OS ANJOS REBELDES
DUAS POSIÇÕES EXTREMADAS devem ser evitadas no que diz respeito
ao demônio. A primeira consiste em negar sua existência ou,
senão, qualquer influência na História e na vida dos homens ( o
que, em termos práticos, equivale a negar que exista). Esta é a
oposição de agnósticos, racionalistas e materialistas. Dentre
estes alguns procuram colorir sua descrença com tintas de
ciência: o demônio seria simplesmente a personificação de nossos
próprios defeitos...
A segunda posição errada está em atribuir-lhe um papel exagerado
nos acontecimentos, conferindo-lhe poderes excessivos, quase
como se fosse um deus com sinal negativo. E a posição de
satanistas e ocultistas, bem como daqueles que, sem chegar a
esse extremo, se entregam entretanto a práticas mágicas e
supersticiosas, como ocorre em muitas das religiões de povos
primitivos, hoje tão em voga mesmo em círculos cultos...
O demônio não é nem uma coisa nem outra: nem uma simples
personificação do mal, nem uma espécie de divindade maligna. Ele
é simplesmente um anjo decaído, que conserva os poderes (e as
limitações) da natureza angélica, porém só pode fazer uso deles
na medida que Deus o permita. E Deus só permite sua atuação
quando ela redunde na glória divina, ou contribua para a
salvação dos homens ou, ainda, sirva para o castigo destes,
quando merecedores
A posição equilibrada é aquela ensinada pela doutrina católica,
que vê o demônio como ele é, de acordo com os dados da
Revelação, o ensinamento dos Papas e dos Concílios e a doutrina
elaborada pelos Doutores. Essa é a doutrina que passamos a
expor.
O problema do mal
“E Deus viu todas as coisas que
tinha feito, e eram muito boas".
(Gen 1,31)
ANTES DE ESTUDARMOS a queda de uma parte dos anjos, assim como a
figura e a ação do demônio, parece conveniente deter-nos, ainda
que rapidamente, no exame do problema do mal. Pois evidente que,
se o mal não existisse, não haveria possibilidade de existirem
seres malignos, que não visam senão o mal: os demônios.
Natureza e origem do mal
De onde procede o mal? Como se podem conciliar a bondade a
onipotência de Deus com a existência do mal? Se Deus podia
impedir o mal, e não o quis impedir, onde está a sua bondade? E
se Deus queria impedir o mal e não o pôde, onde está a sua
onipotência? Em ambos os casos, onde está a sua Providência?
Esse foi um dos problemas que mais angustiaram a Humanidade em
todos os tempos, e que só encontra uma solução satisfatória com
o Cristianismo.
Os povos pagãos antigos, premidos por duas realidades
aparentemente inconciliáveis — de um lado, a bondade e a
onipotência de Deus; do outro, a existência do mal —, procurando
evitar o absurdo de atribuir ao ser bom por excelência (Deus) a
origem do mal, caíram em outro absurdo, que é o de supor a
existência de dois um deuses:um deus bom, criador do bem, ao
lado do um deus mau, que seria o criador do mal.
Essa concepção — conhecida em filosofia como dualismo - é tão
absurda como se, para explicar a noite e o frio se admitisse a
existência de um sol negro e gélido, distinto do sol radioso e
quente, fonte do dia e do calor. Como é evidente, é o mesmo e
único sol que dá origem ao dia quando nasce e provoca a noite
quando se esconde; que aquece quando está próximo da terra e faz
com que surja o frio quando dela se afasta.
Assim também, não é necessário imaginar dois princípios
antagônicos — ou seja, dois deuses — para explicar a origem do
mal. O que é preciso, antes de tudo, é determinar a natureza do
mal, para depois indagar qual a sua origem.
O dualismo erra não somente ao conceber duas causas primeiras,
contraditórias entre si, para o Universo - uma originando o bem
e outra o mal — mas também ao tomar o mal como se fosse um ser,
uma coisa que existe por si mesma.
Ora, como ensinou Santo Agostinho: “O mal não tem uma natureza:
aquilo que é chamado mal é mera falta de bem. “(De Civ. Dei
11,9.) Ou, no dizer de São Tomás de Aquino: "Nisto consiste a
essência do mal: a privação do bem".(Suma Teológica, 1, q. 14,
a. 10.)
O mal não é, portanto, uma coisa, e sim a falta de alguma coisa.
Por isso, o mal não existe por si mesmo, mas apenas como
deficiência, como privação de algo. Logo, não foi criado por
ninguém.
Não é, porém, qualquer privação que dá origem ao mal, mas
somente privação de algo que é próprio, necessário por natureza
à integridade de um determinado ser. Por exemplo, a privação da
capacidade de voar não constitui um mal para o homem, uma vez
que não é próprio á sua natureza; já a privação da vista é um
mal para ele pois enxergar é próprio à natureza humana.
De onde procede essa possibilidade de a criatura sofrer a
privação do bem que é próprio à sua natureza? Em outros termos,
qual é a raiz primeira, a origem, aquilo que toma possível o
mal?
Deus fez boas todas as criaturas, porém não as poderia ter
dotado de uma perfeição infinita, absoluta, pois a perfeição
absoluta só é possível no ser infinito, ou seja, no próprio
Deus. Para fazer criaturas dotadas de uma perfeição absoluta,
Deus teria que criar outros deuses, o que é absurdo; logo, só
podia criar seres finitos, limitados; portanto, imperfeitos,
sujeitos a privações.
É nessa limitação inerente â condição de criatura que os
filósofos, seguindo Santo Agostinho, vêem a raiz primeira do
mal.
Daí decorre que a única maneira de evitar o mal seria Deus não
ter feito a criação, pois toda criatura é necessariamente
limitada.
O mal pode ser considerado sob diversos aspectos, de acordo com
a privação a que se refere.
Se ocorre privação de um bem físico ou da natureza inanimada,
temos o mal físico ou natural; se a privação se refere a um bem
moral ou uma perfeição espiritual, estamos diante do mal moral.
O mal físico compreende todas as desordens da natureza
inanimada: terremotos, inundações, incêndios; e em particular as
desordens das criaturas sensíveis: o sofrimento, as doenças e a
morte. O mal moral compreende as desordens da vida moral: o
pecado, o vício, a injustiça, a violação das leis estabelecidas
por Deus.
Por que Deus permite o mal?
Por que Deus permite as catástrofes mais ou menos freqüêntes, as
doenças, a morte, enfim? Como pode um pai deixar sofrer assim os
seus filhos? Não tem Ele poder para impedir o mal? E se não Lhe
falta poder, onde está a sua bondade, se não o impede?
Ensina São Tomás que Deus não permite o mal físico senão de um
modo inteiramente acidental, como ocasião para os justos
exercerem a virtude da constância, praticarem a caridade para
com os menos favorecidos ou doentes, etc. Por outro lado, ele
deseja alguns males físicos como pena devida ao pecado, como
forma de restabelecer a justiça ultrajada pelas faltas
voluntárias.
Com relação à morte, longe de ser o termo da vida, ela é a
passagem para uma nova vida, onde a felicidade é completa, sem
mesclar de sofrimento e onde se atinge o Sumo Bem, que é o
próprio Deus.
Quanto ao mal moral ou pecado, Deus não pode querê-lo nem mesmo
indiretamente; mas ele pode tirar, corno do mal físico, algum
bem, como por exemplo, do pecado do perseguidor a manifestação d
constância dos mártires.
A possibilidade do mal moral — ensinam os filósofos — é ao mesmo
tempo a conseqüência de um grande bem, a liberdade; e a condição
de um bem ainda maior, o mérito.
As criaturas racionais (os anjos e os homens), por serem dotados
de inteligência, possuem o livre arbítrio, a liberdade de
escolher entre bens possíveis. A capacidade de livre escolha
decorre da natureza inteligente desses seres, do conhecimento
que eles têm de várias ações, de seus fins últimos e dos meios
para chegar a eles. A liberdade mesmo imperfeita, é a mais bela
prerrogativa do ser racional; é pois digno da bondade divina
tê-la concedido.
Deus não podia suprimir no anjo e no homem a possibilidade de
fazerem o mal, a não ser recusando-lhes a liberdade ou
dando-lhes liberdade incapaz de falhar; na primeira hipótese,
eles ficariam rebaixados ao nível dos irracionais, o que seria
indigno de criaturas espirituais; na segunda, eles se tornariam
iguais a Deus, o que é um absurdo.
Deus quer que a criatura racional observe suas leis, não como o
animal desprovido de razão, que age seguindo os meros instintos,
mas moralmente e meritoriamente; ora, sem a possibilidade do mal
moral, não haveria mérito na prática do bem, pois não há mérito
senão se faz o bem podendo não fazê-lo.
Deus quis que os anjos e os homens fossem os agentes de sua
própria felicidade ou se tornassem responsáveis pela própria
desgraça, escolhendo por si mesmos se colaboravam ou não com a
graça divina.
Quando os anjos pecaram e quando os homens pecam, fazem um uso
desviado de sua liberdade; Deus, porém, não tolhe a liberdade de
suas criaturas racionais em razão do seu uso desviado, porque é
próprio a Ele criar e não destruir; seria contrariar-se a si
mesmo fazer criaturas livres e depois tolher-lhes a liberdade
quando a usam mal. Por outro lado, a existência de seres
racionais não-livres é absurda.
O mal, conseqüência do pecado
A estas considerações de ordem filosófica, o Cristianismo
acrescenta os dados revelados por Deus. Estes não somente
confrmam as descobertas da razão, conferindo-lhes uma certeza
absoluta, mas, indo além, nos dão os meios de saber ao certo
aquilo que de outro modo não passaria de mera suposição: corno o
mal manifestou concretamente entre os anjos e os homens.
O Cristianismo rejeita toda e qualquer forma de dualismo: tudo
quanto existe provém de um só e único princípio, puro e bom.
Sendo Deus substancialmente bom e santo, tudo quanto provêm dele
tem que ser, necessariamente, bom em si mesmo. Por isso, todas
as criaturas, em si mesmas, são boas e aptas para propósitos do
Criador.
Assim, lemos no primeiro livro da Bíblia: “E Deus viu toas as
coisas que tinha feito. e eram muito boas” (Gen 1, 31). O livro
do Eclesiástico completa: “Todas as obras do Senhor são boas e
cada uma delas, chegada a sua hora, fará seu serviço" (Ecli 39,
39). E o livro da Sabedoria explicita: “Deus não fez a morte,
nem se alegra com a perdição dos vivos. Porquanto criou Êle
criou todas as coisas para que subsistissem e não havia nelas
nenhum veneno mortífero, nem o domínio da morte existia sobre a
terra” (Sal, 1, 13-14).
Diz ainda a Escritura que “foi na soberba que teve início a
perdição” (Tob4, 14).
Parte dos anjos se revoltou contra Deus, e foram expulsos do
Céu, transformando-se em demônios; do mesmo modo, nos primeiros
pais desobedeceram o Criador com o pecado original perderam o
estado de inocência e de integridade, sendo expulsos do Paraíso
terrestre.
Como decorrência do pecado original, houve uma debilitação da
natureza humana, tornando-se o homem mais vulnerável às paixões
e às seduções do demônio, e mais inclinado ao pecado; em castigo
desse mesmo pecado, Deus permitiu que o sofrimento se abatesse
sobre o homem e a terra se lhe tomasse ingrata. No Gênesis,
depois da narração da primeira desobediência, vêm as palavras do
Criador ao primeiro homem: “Porque deste ouvidos à voz de tua
mulher e comeste da árvore de que eu te tinha ordenado que não
comesses, a terra será maldita por tua causa; tirarás dela o
sustento com trabalhos penosos todos os dias da tua vida. Ela te
produzirá espinhos e abrolhos” (Gen 3, 17-18). E o inspirado
autor do Eclesiástico escreve, numa alusão ao pecado original:
“Da mulher nasceu o princípio do pecado e por causa dela é que
todos morremos" (Eccli 25, 33).
O Apóstolo São Paulo resume magnificamente essa doutrina sobre o
pecado original, nos seguintes termos: “Assim como por um só
homem o pecado entrou no mundo e, pelo pecado, a morte, assim
também a morte atingiu todos os homens, porque todos
pecaram...Pois o salário do pecado é a morte” (Rom 5, 12, 23).
Em virtude da Redenção operada por Jesus Cristo, entretanto, o
sofrimento e a morte podem ser aproveitados pelo homem como meio
de aperfeiçoamento moral, de santificação. É assim que o mesmo
São Paulo exclama: “A morte foi tragada na vitória ( de Cristo).
Morte, onde está a tua vitória? Morte, onde está teu aguilhão?”
E prossegue: “Sejam dadas graças a Deus, que nos dá a vitória
por nosso Senhor Jesus Cristo. Por isso, meus irmãos amados,
sêde firmes, constantes, progredi sempre na obra do Senhor,
sabendo que o vosso esforço não é inútil no Senhor (1 Cor 15,
54-58).
Está esperança que nos dá a força para lutar contra a ação do
mal em nós mesmos e no mundo. E é a doutrina a respeito do
pecado original que nos esclarece quanto á origem histórica do
mal e quanto ao verdadeiro sentido da presença do mal no mundo.
Do contrário, o problema do mal ficaria insolúvel e nos atiraria
no desespero da incompreensão e da revolta.
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parte 02
Anjos e Demônios - A Luta Contra o Poder das Trevas
A queda dos anjos maus
"Tu, desde o principio, quebraste o meu
jugo, rompeste os meus laços e
disseste: — Não servirei!”
(Jor
2,20)
EU5 CRIOU OS ANJOS num alto estado de perfeição natural e além
disso os elevou à ordem sobrenatural. É de fé que todos os
espíritos angélicos foram criados bons.*
*Essa
é uma conseqüência obrigatória da verdade de fé, de que
todos os espíritos angélicos foram criados por Deus, atestada
pelo símbolo niceno-constantinopolitano ( o Credo da
Missa), o qual proclama: “Creio em Deus Pai Todo-poderoso,
criador ... das coisas visíveis e invisíveis”; essa verdade
foi ainda definida nos Concílios IV de Latrão e I Vaticano.
A Sagrada Escritura, com efeito, chama-os “filhos de Deus"
(Jó 38, 7), “santos” (Dan 8, 13), “anjos de luz” (2 Cor
11, 14). Entretanto, os próprios Livros Sagrados se referem a
“espírito imundos” (Lc 8, 29); “espíritos malignos” (Ef
6, 12); “espíritos piores" (Lc 11, 26); e outras
expressões análogas.
Isto indica que certos anjos tornaram-se maus, tiveram
sua vontade pervertida. Em suma: pecaram.
A batalha no Céu
“Tu, desde o princípio, quebraste o meu jugo, rompeste os
meus laços e disseste: — Não servirei!” (Jer 2, 20).
Este versículo do Profeta Jeremias sobre a revolta do povo
eleito contra Deus tem sido aplicado à revolta de Lúcifer. M de
rebelião de Lúcifer “Não servirei!” — respondeu São
Miguel com o brado de fidelidade: “Quem é como Deus!”
(significado do nome Miguel em hebraico).
No apocalipse, São João descreve essa misteriosa batalha que
então se travou no céu:
"E houve no céu uma grande batalha: Miguel e os seus anjos
pelejavam contra o dragão, e o dragão com os seus anjos
pelejavam contra ele; porém estes não prevaleceram e o seu lugar
não se achou no céu. E foi precipitado aquele grande dragão,
aquela antiga serpente, que se chama o Demônio e Satanás, que
seduz todo o mundo; e foi precipitado na terra e foram
precipitados com ele os seus anjos” (Apoc 12,7-9).
O próprio Jesus dá testemunho dessa queda: “Eu via Satanás
cair do céu como um relâmpago” (Lc 10, 18). “(O Demônio)
foi homicida desde o principio, e não permaneceu na verdade"
(Jo 8,44)
Os anjos podiam pecar
Como poderia o anjo ter pecado, uma vez que ele não está sujeito
às paixões ou ao erro no entendimento, como nós homens?
"Como compreender semelhante opção e rebelião a Deus em seres de
tão viva inteligência?” — pergunta João Paulo II. O Pontífice
responde: “Os Padres da Igreja e os teólogos não hesitam em
falar de cegueira, produzida pela supervalorização da
perfeição do próprio ser, levada até o ponto de ocultar a
supremacia de Deus, a qual exigia, ao contrário, um ato de dócil
e obediente submissão. Tudo isto parece expresso de maneira
concisa nas palavras: "Não servirei" (Jer 2, 20), que
manifestam a radical e irreversível rejeição de tomar parte na
edificação do reino de Deus no mundo criado. Satanás, o espírito
rebelde, quer seu próprio reino, não o de Deus, e se levanta
como o primeiro adversário do Criador, como opositor da
Providência, antagonista da sabedoria amorosa de Deus” (Apud
Mons.C. BALDUCCI, El díablo, p. 20.)
E o Papa explica que os anjos, por serem criaturas racionais,
são livrs, isto é, têm a capacidade de escolher a favor ou
contra aquilo que conhecem ser o bem: “Também para os anjos a
liberdade significa possibilidade de escolha a favor ou contra o
bem que eles conhecem, quer dizer, o próprio Deus”. (João
Paulo II, Mcm, ibidem.)
Criando os anjos racionais e livres, quis Deus que eles - com o
auxílio da graça — fossem os agentes de sua própria felicidade
ou de sua perda, caso cooperassem ou resistissem à graça. Para
que merecessem a felicidade eterna, submeteu-os a uma prova.
É de fé que todos os espíritos angélicos foram submetidos a uma
prova. Entretanto, não sabemos qual teria sido essa prova. Os
teólogos procuram excogitar qual teria sido.
O pecado dos anjos maus
Qual teria sido a prova a que foram submetidos os anjos? E qual
teria sido o pecado dos que sucumbiram à prova?
Um pecado de soberba
Acredita-se comumente que tenha sido um pecado de orgulho, de
soberba, pois a Escritura diz que “foi na soberba que teve
início toda a perdição” (Tob 4, 14).
Santo Atanásio (séc. IV) o afirma explicitamente: "O grande
remédio para a salvação da alma é a humildade. Com efeito,
Satanás não caiu por fornicação, adultério ou roubo, mas foi o
seu orgulho que o precipitou ao fundo do inferno. Porque ele
falou assim: "Eu subirei e colocarei meu trono diante de Deus
e serei semelhante ao Altíssimo" (Is 14, 14). E é por essas
palavras que ele caiu e que o fogo eterno se tornou sua sorte e
sua herança”.(Apud
Card. P. GASPARRI, Catechisme Catholique pour Adultes. p.
345.)
Em que teria consistido essa soberba?
Segundo São Tomás de Aquino, essa soberba consistiu em que os
anjos maus desejaram diretamente a bem-aventurança final, não
por uma concessão de Deus, por obra da graça, e sim por sua
virtude própria, como mera decorrência de sua natureza. Desse
modo, quiseram manifestar sua independência em relação a Deus;
eles recusaram assim a homenagem que deviam a Deus como seu
criador e desejaram substituir-se a Ele e ter o domínio sobre
todas as coisas: ser como deuses (cf.Gen 3,5).
São Tomás faz igualmente referência à seguinte passagem de
Isaías — referente ao rei de Babilônia, mas geralmente aplicada
a Satanás — para ilustrar o pecado dele e dos anjos maus que o
acompanharam na revolta: “Como caíste do céu, ó astro brilhante
[em latim: “Lúcifer”J, que, ao nascer do dia
brilhavas? ... Que dizias no teu coração: ... serei semelhante
ao Altíssimo” (Is 14, 13-14).
O pecado de Lúcifer e dos anjos que se revoltaram com ele teria
sido, pois, um pecado de soberba, ou seja de complacência na
própria excelência, com menoscabo da honra e respeito devidos a
Deus.
Estes elementos se encontram em todo pecado — explica o Pe.
Bujanda — pois quem ofende a Deus prefere a própria vontade, em
vez da vontade divina, e nela se compraz.
Revelação da Encarnação
Não está formalmente revelado no que consistiu exatamente a
prova dos anjos; os teólogos fazem hipóteses teológicas, como a
de São Tomás, exposta acima.
Francisco Suárez, teólogo jesuíta do século XVII, levanta outra
hipótese: a prova dos anjos teria consistido na revelação
antecipada por Deus, da Encarnação do Verbo. Os anjos maus se
teriam revoltado contra a submissão em que ficariam em relação à
natureza humana do Verbo Encarnado, a qual, enquanto natureza,
seria à natureza angélica.
Uma variante dessa hipótese é a que afirma que Lúcifer e os
anjos revoltados não quiseram submeter-se à Mãe do Verbo
Encarnado, pela sua dignidade ficaria colocada acima dos
próprios anjos, embora inferior a eles por natureza.
Essa hipótese, entretanto, está ligada a uma outra questão: se o
Verbo se teria encarnado mesmo sem o pecado de Adão. Suárez,
com algumas adaptações, segue a opinião de Duns Escoto e de
Santo Alberto Magno, a qual sustenta que sim; São Francisco de
Sales também participa dessa opinião.
São Tomás, porém, é de outro parecer. Argumenta ele: "Seguindo a
Sagrada Escritura, que por toda a parte apresenta como razão da
Encarnação o pecado do primeiro homem, é conveniente dizer-se
que a obra da Encarnação está ordenada por Deus como remédio
contra o pecado. De tal modo que, se não existisse o pecado não
teria havido a Encarnação, embora a potência divina não esteja
limitada pelo pecado, podendo, pois, Deus encarnar-se, mesmo que
não houvesse o pecado” (Suma
Teológica,
3, q. 1, a. 3.)
São Boaventura reconhece que a opinião tomista é mais consoante
com a Fé, enquanto a outra favorece mais a razão. (In
III Sent.,Dist.I,a.2,q.2.)
Embora ambas as opiniões sejam sustentáveis, o comum dos
Doutores acha que a hipótese tomista é mais provável,
sendo predominante entre os Santos Padres.
Santo Agostinho afirma: “Se o homem não tivesse caído não se
teria feito carne” (Serm.
174,2.)
Em favor dela fala igualmente o Símbolo dos Apóstolos,
isto é, o Credo, quando proclama: “O Qual
[o Verbo], por nós homens, e por nossa salvação,
desceu dos céus “. Também a liturgia pascal, que canta:
“Ó culpa feliz, que nos mereceu um tal Redentor!"
O Pe. Christiano Pesch S.J. diz que a posição tomista de tal
modo se tornou comum, que hoje há poucos defensores da esposada
por Suárez, quanto à Encarnação do Verbo.
Daí decorreria que a hipótese de Suárez com relação ao pecado
dos anjos ficaria também prejudicada. (C.
PESCH 53, De Angelis, III, p. 71; cf. também Mons. P.
PARENTE. Incarnazioni, col 1.751; I. SOLANO, De Verbo
incarnato, pp. 15-24).)
A obstinação dos demônios
Nós homens temos certa dificuldade psicológica em compreender
que os demônios, por um só pecado, tenham sido condenados
eternamente, enquanto Adão e Eva puderam ser perdoados. Por
isso, desde os primeiros tempos do Cristianismo, não faltaram
autores que sustentaram a possibilidade de reconciliação dos
anjos decaídos com Deus.
Essa doutrina foi condenada pela Igreja e São Tomás explica a
razão pela qual isso não é possível: em primeiro lugar porque a
prova a que os anjos foram submetidos, a fim de merecerem a
bem-aventurança eterna, teve para eles o mesmo efeito
que tem para nós homens a morte; ou seja, encerra o período em
que podemos adquirir méritos, e nos introduz na vida eterna,
imutável por natureza. Os anjos bons, tendo sido fiéis, passaram
a gozar da bem-aventurança eterna; os anjos maus ou demônios
foram precipitados no inferno por toda a eternidade.
Em segundo lugar, por causa da natureza angélica: os anjos, uma
vez feita uma escolha, não podem voltar atrás, seja para o bem,
seja para o mal. Porque eles não estão sujeitos à mobilidade das
paixões humanas, sua inteligência é perfeita, de modo que eles
não podem fazer escolhas provisórias, como o homem. Antes de
fazer uma escolha, o anjo é perfeitamente livre; feita esta, sua
vontade adere a ela para sempre, pois todas as razões que o
levaram a fazer essa escolha já estavam perfeitamente claras
para ele antes que a fizesse.
O lugar de condenação dos demônios
O Inferno
A tremenda realidade do inferno, como lugar criado para os e os
demônios e os precitos, é atestada pelo Divino Salvador ao falar
do Juízo Final: “Apartai-vos de mim, malditos, para o fogo
eterno, que foi preparado para o Demônio e para os seus anjos”
(Mt 25,41).
São Pedro ensina que Deus não perdoou aos anjos que pecaram
prepitou-os no tártaro, para serem atormentados (2 Ped 2, 4).
E São Judas escreve que Deus “prendeu em cadeias eternas, no
seio das trevas “, os anjos prevaricadores (Jud v. 6).
Assim como o lugar para os anjos bons é o Céu, para os demônios
é o inferno. Mas os demônios têm dois lugares de tormento: um em
razão de sua culpa, que é o inferno; outro, em função das
tentações a que submetem os homens: a atmosfera
tenebrosa, pelo menos até terminar o mundo.
Os demônios dos ares
A doutrina de que os demônios vagueiam pelos ares para tentar os
homens é claramente afirmada por São Paulo na Epístola aos
Efésios: “O príncipe que exerce o poder sobre este ar ... os
dominadores deste mundo tenebroso, os espíritos malignos
espalhados pelos ares” (Ef 2,2; 6, 12).
E é confirmada pela Igreja, por exemplo, na oração a São Miguel
Arcanjo, que o Papa Leão XIII compôs e mandou recitar ao fim da
Missa, na qual invoca o Príncipe da milícia celeste, para que —
pelo divino poder — precipite no inferno " a Satanás e aos
outros espíritos malignos que andam pelo mundo para perder as
almas”.
A “hierarquia” entre os demônios
Entre os demônios existe urna “hierarquia”, que decorre do fato
de, sendo anjos, uns terem a natureza mais perfeita do que
outros. Por isso se diz que Satanás é o príncipe, o chefe
dos demônios.
Não que exista entre eles uma submissão por amor ou respeito,
como na verdadeira hierarquia; os demônios se odeiam muituamente
e só se unem circunstancialmente para atormentar os homens. É o
mesmo que — explica São Tomás — se dá entre os homens maus: eles
formam quadrilhas e se submetem a um chefe, apenas como meio de
melhor cometerem seus roubos ou homicídios contra os homens
honestos ( Suma Teológica, 1,Q. 109, A.1-2. )
Os nomes dos demônios
Os judeus não tinham uma palavra específica para indicar os
espíritos
malignos; a designação geral de demônio para os anjos
decaídos vem da versão grega do Antigo Testamento. A palavra
daimon, entre os gregos, designava os seres com
forças sobre-humanas, especialmente os maléficos. A palavra
hebráica sâtân significa
adversário, acusador; Satanás, o chefe dos
demônios, é também conhecido nas Escrituras como Diabo
(do grego diábolos, que quer dizer caluniador).
Nas Sagradas Escrituras aparecem os nomes de vários demônios:
Azazel, demônio que habita o deserto (Lev 16, 8-10, 26);
Asmodeu, que matou os sete maridos de Sara (Tob 3, 8); o
nome Belzebu ( ou Beelzebul, cuja significação
parece ser “deus do esterco”, nome com que os rabinos
indicariam os sacrifícios oferecidos aos ídolos ) é apresentado
como sinônimo para Satanás ou príncipe dos
demônios (Mt 12, 14; Mc 3, 22-26); Lúcifer foi
palavra escolhida na Vulgata*
para traduzir para o latim a expressão “astro
brilhante" ou “estrela brilhante”, da profecia de
Isaías (Is 14, 12), que costuma ser interpretada como uma
referência à queda do Demônio; em geral esse apelativo é
utilizado igualmente como sinônimo de
Satanás.
*
Chama-se
Vulgata a tradução latina da Bíblia feita em grande parte
por são Jerônimo, que iniciou seu trabalho por volta do ano 384.
Essa tradução latina foi aperfeiçoada por iniciatiiva da santa
Sé, dando origem a chamada Vulgata Sixto-Clementina
publicada em 1592 pelo Papa Clemento VIII, em uso ainda hoje.
Psicologia do demônio
"Ele foi homicida desde o princípio e não permaneceu
na verdade é mentiroso e pai da mentira".
(Jo 8,44)
Com base nas Sagradas Escrituras e em outras fontes, poderíamos
ressaltar alguns aspectos da psicologia de Satanás e seus anjos
malignos.
Embora os demônios sejam diferentes entre si, assemelham-se em
seu desejo de fazer o mal e em sua natureza decaída; por isso o
que é dito a respeito de Satanás, seu chefe, pode-se dizer dos
outros demônios.
Uma vontade pervertida
Os demônios, puros espíritos, como anjos que são, não têm as
fraquezas e as debilidades dos homens; de onde, sua revolta
contra Deus ser permanente, imutável, eterna. Sua vontade,
deixando de ter como objeto o Sumo Bem, tornou-se uma vontade
pervertida fixada no mal. Dessa forma, os demônios não
desejam senão o mal em todos os seus atos voluntários, e mesmo
quando fazem algum bem (como, por exemplo, restituir a saúde a
alguém, obter-lhe riquezas ou ensinar-lhe algo), fazem-no apenas
para dai tirar o mal, conduzir a pessoa à perdição eterna, que é
a única coisa que almejam para os homens.
Tendo sido criados bons por Deus, sua natureza ainda continua
boa em si mesma; porém, eles se tornaram seres pervertidos em
sua vontade, buscando não mais seu fim último, que é o serviço e
a glória de Deus, mas justamente o contrário, isto é, tudo fazer
para impedir que Deus seja glorificado. Não podendo atingi-Lo
diretamente, eles procuram agir sobre as criaturas de Deus, na
medida em que Ele o permite.
Homicida e mentiroso— Astuto, falso, enganador
O divino Redentor resumiu em poucas palavras essa psicologia
diabólica: “Ele foi homicida desde o princípio, e não
permaneceu na verdade; porque a verdade não está nele; quando
ele diz a mentira,fala do que lhe é próprio, porque é mentiroso
e pai da mentira" (Jo 8, 44).
O demônio é homicida e o pai da mentira, o mentiroso por
excelência que odeia a verdade, porque a verdade nos conduz a
Deus:
"Eu sou o caminho, a verdade, a vida” (Jo 14, 5); ele odeia o
Criador e, tendo-se separado de Deus, separou-se para sempre da
verdade e da vida. E através da mentira que ele dá a morte, a
morte espiritual.
Santo Agostinho, a respeito da afirmação de Jesus de que o
demônio é homicida e mentiroso, comenta: “Perguntamos de onde
veio ao diabo o ser homicida desde o princípio, e respondemos
que matou o primeiro homem, não enterrando-lhe o punhal ou
infligindo-lhe qualquer outro dano no corpo, senão persuadindo-o
a que pecasse precipitando-o da felicidade do paraíso”. (Apud
J. MALDONADO S.J., Comentarios a los Cuatro Evangelios, p. 563)
Pe. João Maldonado, erudito exegeta jesuíta do século XVI,
observa sobre essa mesma frase - “Porque é mentiroso e pai
da mentira” (Jo 8, 44): “A maior parte dos autores entendem
isto daquelas palavras que o diabo disse a Eva: ‘Sereis como
deuses, conhecendo o bem e o mal.’ (Gen 3, 5); palavras em
que evidentemente mentiu; quer dizer, uniu a mentira com o
homicídio (espiritual), perpetrando os dois crimes ao mesmo
tempo. ... Chama-se ao diabo pai da mentira porque é ele o autor
e inventor da mesma, de tal modo que pode dizer-se que deu à luz
a ela” (J.
MALDONADO S.J., op. cit., pp. 564-566)
Quando tenta o homem, procurando afastá-lo de Deus, ele mente
apresentando uma falsa imagem da realidade, escondendo seus
verdadeiros fins e enredando sua vítima no engano, no sofisma e
na falsidade.
Ele é astuto, falso, enganador.
“Satanás se distingue por sua astúcia — escreve Mons.
Cristiani. O que quer dizer esta palavra? A astúcia é um
artifício enganador. O ser que age por astúcia tem más
intenções. Se ele fala, não é para dizer a verdade, mas para
enganar, para conduzir ao erro, à inverdade. Satanás é falso.
Não se pode confiar nele. O que falta antes de tudo nele é a
eqüidade, a lealdade, a franqueza. Ele é equivoco,
voluntariamente obscuro e dissimulado” (Mgr L. CRI5TIANI,
Présence de satan dons le monde moderne, p. 306.)
Soberba demencial, inveja mortal
Por detrás dessa dissimulação se esconde o seu desejo oculto,
assim expresso por Mons. Cristiani: “Ser como Deus! Este ato de
orgulho é o fundo mesmo da psicologia de Satanás! ... ‘Vós
sereis como deuses!’ Ele próprio, na sua queda, se considera
como um deus. Seu orgulho não está morto. O orgulho levado até à
adoração de si mesmo é o que faz o demônio voltar-se contra o
Criador. É o orgulho que, tendo-o afastado de Deus, fez dele o
Adversário. No livro do Eclesiástico esta
conseqüência do orgulho é posta em evidência: ‘O princípio do
orgulho é abandonar o Senhor e ter seu coração afastado do
Criador, porque o princípio do orgulho é o pecado, aquele que se
entrega a ele espalha a abominação.‘ (Ecli 10, 12-13). ...
Compreendemos, então, porque Jesus Cristo, que é a Via, a
Verdade, a Vida, tenha definido Satanás como o Pai da
mentira, o homicida desde o começo. E, para nós,
este termo de homicida longe de ser excessivo, não diz senão um
aspecto da verdade total: Satanás é, com efeito, acima de
tudo, o DEICIDA!” (Mgr
L. CRISTIANI, op. cit., p. 308.)
O orgulho de Satanás e seus anjos malignos não conhece limites:
"Que orgulho demencial — comenta ainda Mons. Cristiani — nessa
palavra de Satanás a Cristo, mostrando-lhe em espírito todos os
reinos da terra: ‘Tudo isto eu te darei se prostrado por
terra me adorares!´O fundo último da ambição satânica é
este: Tirar de Deus seus adoradores, fazer convergir as
adorações dos homens para ele próprio!
"Resuimàmo-nos: o orgulho, a vontade de se fazer deus, a
astúcia, a inveja e o ódio do homem, tudo isto desembocando na
mentira, no homicídio, no deicídio: eis Satanás!”. (Mgr
L.CRISTIANI, op. cit., p. 308.)
Não lhe importam as derrotas que sofre continuamente, nem mesmo
a final e definitiva a que está condenado; sua soberba se
satisfaz com os pequenos triunfos que obtém, no esforço de levar
as almas à eterna perdição.
Comenta o Cardeal Lepicier: “Escudado na satisfação de certas
vitórias parciais e na esperança de grandes triunfos e, ao mesmo
tempo, não se preocupando com as vergonhosas derrotas sofridas,
Satanás prossegue loucamente na sua faina de tentar arrastar as
almas para a eterna perdição. O seu pendão está sempre erguido e
o seu grito insensato de desafio e revolta ouve-se por toda
parte: ‘Eu não quero servir! ‘ (Jer 2, 20)”. (Card.
A.LEPICIER. O Mundo invisível p. 240.)
O pai da vulgaridade
Outro aspecto da psicologia maldita do demônio é a vulgaridade.
Odiando a Deus, ele odeia tudo aquilo que é verdadeiro, belo,
bom. Ele odeia a compostura, a dignidade, a seriedade, a
serenidade.
O abade João Cassiano já observava no século V: “É fora de
dúvida que existe entre os espíritos impuros o que o vulgo chama
espíritos vagabundos, que são antes de tudo sedutores e
bufões. Eles se postam constantemente em certos lugares e se
divertem em enganar, muito mais do que em atormentar, aqueles
que eles encontram. Eles se contentam em fatigá-los por seus
escárnios e suas ilusões..." (Apud Mgr L. CRISTIANI, op. cit.,
p. 311.)
São os famosos demônios bufões, que fazem talhar a
manteiga, secam o leite das vacas, desencadeiam enxames de
vespas ou de abelhas, etc., tudo para fazre os homens perderem a
paciência, praguejarem , blasfemarem.
Mons. F. M. Catherinet, demonólogo francês, analisando a ação
dos demônios segundo as narrações evangélicas, traça deles o
seguinte perfil: "Medrosos, obsequiosos, poderosos, malfazejos,
versáteis e mesmo grotescos...
(
Mgr F. M. CATHERINET, Les Démoniaques dans l´Évangile,
P.319.
)
Em carta a Mons. Cristiani, o Pe. Berger-Bergès, famoso
exorcista, escreve: "Vós me perguntais ... qual é a psicologia
de Satanás, quando ele está submetido à ação dos exorcismos... É
preciso definir e resumir a psicologia de Satanás por
estas palavras: ORGULHO, DESPREZO DE SUA VÍTIMA, TENACIDADE!"
|(Mgr
L. CRISTIANI, op. cit., p. 312.)
O poder dos demônios
"O próprio Satanás se disfarça
em
anjo de luz”.
(2 Cor 11, 14)
TUDO QUANTO DISSEMOS a respeito do poder e do modo de agir dos
anjos sobre a matéria aplica-se igualmente aos demônios, que são
anjos decaídos, mas que conservaram a natureza angélica e os
poderes a ela inerentes.
Poder dos demônios sobre a matéria
Já vimos anteriormente como a presença dos anjos em um lugar não
se dá fisicamente (contato físico), pois são seres
incorpóreos, e sim por meio de sua atuação (contato
operativo): os anjos estão onde atuam.
Em virtude de sua natureza espiritual, eles podem exercer sua
atividade e tanto de fora dos corpos, como no interior deles,
conforme observa São Boaventura: “Os demônios, em razão de sua
sutileza e espiritualidade, podem penetrar em qualquer corpo e
aí permanecer sem o menor obstáculo e impedimento”.
(In II Sent., Dist. 8, p. 2, a. um., q. 1, apud Mons. C.
BALDUCCI, Gli Indemoniati, p.12.)
De um modo direto e imediato os demônios podem produzir na
matéria apenas movimentos locais, ou extrínsecos, transferindo
uma coisa de um lugar para outro, sem entretanto alterar a
natureza ou substância dessa coisa; de modo indireto, através
desses movimentos locais, eles podem agir sobre a própria
substância da matéria, ao modificar a posição ou a quantidade
dos elementos constitutivos da mesma.
Caso Deus o permitisse, os demônios, por sua natureza angélica,
poderiam causar toda espécie de transtornos físicos. O Cardeal
Lepicier afirma que se pode dizer que praticamente não há
fenômeno no mundo que não possa ser realizado, de um modo ou
outro, pelos anjos; logo, também pelos demônios.(Cardeal
A. LEPICIER, O Mundo invisível, pp. 74.75.)
E não raro o fazem, provocando tempestades, cataclismos,
incêndios e outros desastres como também aparições
fantasmagóricas, ruídos infernais e perturbações de toda ordem.
Poder dos demônios sobre o homem
Em relação ao homem, os demônios só podem operar de modo
direto e imediato sobre aquilo que nele é matéria,
ou está e necessária dependência dela; podem agir nas funções da
vida vegetativa, enquanto ligadas à matéria, e sobre a
vida sensitiva, porque esta depende de órgãos corporais. No
que se refere às funções próprias da vida intelectiva, os
demônios só podem chegar a elas indireta e
mediatamente, quer dizer, atuando sobre a parte corpórea e
sobre a vida sensitiva, das quais a alma deve servir-se para
desenvolver suas atividades espirituais. Em outros termos, os
demônios podem agir diretamente sobre a parte corpórea do homem,
mas apenas indiretamente sobre sua inteligência e sua vontade.
Conforme ensina São Tomás,(Suma
Teológico.
1-2, q. 80, a. 1-3.)
o entendimento, por inclinação própria só se move quando algo o
ilumina em ordem ao conhecimento da verdade. Ora, os demônios
não querem conduzir o entendimento à verdade, mas, pelo
contrário, entenebrecê-lo como meio de levar o homem ao pecado.
Por isso, eles não conseguem mover diretamente a inteligência do
homem, e procuram então influir sobre ela indiretamente, através
de sua ação sobre a imaginação e a sensibilidade.
Os demônios não podem tampouco mover diretamente a vontade
humana, pois isto só o próprio homem ou Deus podem fazer; mesmo
que o Maligno, por permissão divina, se assenhoreie do corpo do
homem e entenebreça sua mente — como se dá na possessão — , ele
não pode obrigá-lo a pecar, pois a vontade não participaria dos
atos maus assim realizados, os quais seriam em conseqüência
pecados apenas materiais.
Para mover a vontade do homem, os demônios precisam, de algum
modo, convencê-lo, persuadi-lo a praticar uma ação má, ainda que
sob a aparência de um bem.
A ação persuasiva do demônio
"O demônio não força; ele propõe, sugere, persuade, alicia”
O demônio não tem o poder de obrigar os homens a fazer ou
deixarem de fazer algo; por isso procura persuadi-los para que
se deixem conduzir pelo seu mal.
"Ele não os força: ele propõe, sugere, persuade, alicia” escreve
o Pe. J. de Tonquédec S.J., exorcista e demonólogo francês. E
acrescenta: “No Éden, ele deu a Eva razões para ela transgredir
a ordem divina (Gen 3, 4-5, 13); no deserto, solicitou Nosso
Senhor pela atração de uma dominação universal (Mt 4, 26-27)”. (J.
de TONQUÉDEC S.J., Quelques aspects de l´ation de Satan en ce
monde, p. 495.)
São Tomás também se refere a essa obra de persuasão do demônio,
explicando que a vontade humana só se move internamente por ação
do próprio homem ou de Deus; externamente ela pode ser
solicitada pelo objeto que, entretanto, não força o homem a
escolher o que não quer. (Suma
Teológico,
1-2, q. 80, a. 1.)
O Pe. Cândido Lumbreras O.P., assim comenta essa passagem do
Doutor Angélico: “Que influência pode exercer o demônio nos
pecados dos homens? ... O demônio pode oferecer aos sentidos seu
objeto, falar à razão, seja interiormente, seja exteriormente;
alterar os humores e produzir imagens perigosas, excitar enfim
as paixões que podem mover a vontade e assenhorear-se do
entendimento” .(C.
LUMBRERAS O.P., Tratado de los vicios y los pecados —
Introducción. p. 766.)
Em comentário a outra passagem de São Tomás, explica Pe. Jesus
Valbuena O.P.:
“Que os anjos possam iluminar e de fato iluminem o entendimento
humano, é uma verdade que se atesta por uma multidão lugares nas
Sagradas Escrituras ... Também os anjos maus são capazes de
produzir, com sua virtude natural, falsas iluminações no
entendimento dos homens, conforme nos admoesta São Paulo para
que estejamos alerta ´pois o próprio Satanás se disfarça em
luz’ (2 Cor 11, 14).
“Afirma São Tomás que nos sentidos do homem, sejam internos,
sejam externos, os anjos podem influir e agir a partir de fora e
a partir de dentro dos mesmos, quer dizer, extrínseca e
intrisecamente; mas, em relação ao entendimento e à vontade
humanas, só os podem mover e influir indireta e exteriormente,
quer dizer propondo a estas potências espirituais de uma maneira
acomodada a elas seus objetos, que são a verdade e o bem e
influindo nelas indiretamente mediante os sentidos, as paixões,
as alterações corporais sensíveis, etc., embora não possam nunca
chegar a dobrar ou completamente a vontade do homem, se este se
acha em estado normal” (J.
VALBUENA O.P., Tratado del Gobierno del Mundo— Introduccion,
p. 898.)
Nos casos de Eva e de Nosso Senhor, o demônio “apresentou
suas razões” tomando uma forma corpórea, produzindo sons e
articulando as palavras oralmente; no geral dos casos,
entretanto, o demônio, para persuadir o homem a pecar, conjuga
sua ação sensibilidade, a memória e a imaginação.
As doutrinas perversas do demônio
O demônio tem uma doutrina mentirosa, que opõe à doutrina de
Cristo.
Em sua introdução ao Tratado sobre os anjos, de São de
Aquino, comenta o Pe. Aureliano Martínez O.P.: “O demônio tem
suas doutrinas perversas, às quais o Apóstolo chama
espírito do erro e ensinamentos do demônio (1 Tim 4,
1), com as quais como deus deste mundo, cega a
inteligência dos homens para que não brilhe nelas a luz do
Evangelho (2 Cor 4, 4); doutrinas que propala mediante
falsos apóstolos e operários enganadores que se disfarçam
em apóstolos de Cristo; e não é de espantar, pois o próprio
Satanás se disfarça em anjo de luz (2 Cor 11, 13-14), tentando
os fiéis de incontinência (1 Cor 7, 5) e de ira (Ef 4, 27)”. (A
MARTÍNEZ O.P., Tratado de Los Angeles — Introducción, p.
511.)
Foi por essa razão que o Divino Salvador definiu o demônio como
aquele "que não permaneceu na verdade; porque a verdade não
está nele; quando ele diz a mentira, fala do que lhe é próprio,
porque é mentiroso e pai da mentira” (Jo 8, 44).
Por meio dessa ação de persuasão o demônio procura na
tentação, não apenas induzir-nos a cometer este ou aquele
pecado, mas afastar-nos completamente de Deus.
Limites à ação do demônio
Por mais poderoso que seja, com uma capacidade de ação superior
à de qualquer outro ser criado, o demônio, entretanto, não é
onipotente. Sendo mera criatura, ele tem suas limitações,
decorrentes de três fatores: sua própria natureza, a condição
particular de cada demônio e a vontade permissiva de Deus.
Limites impostos por sua própria natureza
Com toda criatura, o demônio está limitado em sua atuação pela
sua própria natureza: por mais elevado que seja seu poder, este
não pode ultrapassar os limites de sua natureza criada.
Ele é um ser finito, contingente. Não se deve pois de forma
alguma julgar que ele é capaz de saber tudo (oniciência), de
poder tudo (onipotência) e estar em todo lugar (onipresença):
esses atributos são exclusivos de Deus.
Sua inteligência, embora se tenha mantido intacta, está privada
de todo auxílio sobrenatural. Os demônios perderam, com o
pecado, toda forma de conhecimento sobrenatural; enquanto os
anjos
bons vêem em Deus o estado de uma alma (se ela está na graça
divina ou em pecado), os demônios só podem fazer conjetura a
respeito, O mesmo se deve dizer quanto a certos acontecimentos
futuros que Deus revela aos anjos.
Por sua natureza, nem os anjos bons nem os demônios podem
conhecer o futuro livre ou futuro contingente
isto é, aquele que depende da vontade divina e do
livre arbítrio humano mas apenas Deus, que o pode revelar
aos seus anjos.
Outro limite natural à ação do demônio é, como vimos, sua
impossibilidade de agir diretamente sobre a inteligência e a
vontade humanas; ele tem de usar meios indiretos: a
sensibilidade, a imaginação, as paixões, e sobretudo a
persuasão.
Limites devidos à condição particular de cada demônio
Outro limite à atuação demoníaca vem da diversa condição de cada
demônio. Assim como existem desigualdades entre o homens, também
entre os anjos e os demônios não há dois iguais. Por isso, nem
todos os demônios têm o mesmo poder.
Outro fator de limitação é a posição relativa de cada demônio na
escala dos anjos decaídos, e as eventuais ordens e proibições
que existam entre eles.
Limites impostos por Deus
O demônio só pode agir em detrimento do homem com a permissão de
Deus.
Ensina o Cardeal Lepicier: “É preciso que nos lembremos sempre
de que, por muito grande que seja o poder do demônio, tem
limites que lhe foram sabiamente determinados pelo
Todo-Poderoso. Ele pode, sem dúvida, fazer-nos mal, mas não além
daquilo que lhe é permitido, e bem conhece que o seu poder não
pode durar muito. Pode ser que o conhecimento da curta duração
do seu reino contribua para que redobre a sua atividade nos
tempos que vão correndo; mas todos os seus esforços obedecem aos
impenetráveis desígnios da Providência que só permite que a sua
influência seja exercida até certo grau, de forma que nos
possamos colocar debaixo da proteção de Deus e ganhar, pelos
nossos méritos, a vitória final e a coroa da imortal glória que
nos espera no Céu" (
Cardeal A. LÉPICIER, O.S.M., O Mundo invisível, p.242.)
No livro de Jó, no qual é nomeado pela primeira vez nas
Escrituras, Satanás aparece como agente do mal, porém
absolutamente subordinado a Deus.
Embora tenha inveja do justo Jó e queira pôr sua virtude à
prova, por meio da infelicidade, Satanás não pode agir senão com
a autorização divina. Ele tem necessidade de uma permissão, ou
até mesmo de uma delegação do Senhor. Sua ação é estritamente
limitada à vontade de Deus, que permite, primeiro atacar seu
servidor exclusivamente em seus bens e não em sua pessoa; depois
em sua pessoa, mantendo entretanto sua vida (Jó 1, 6-12; 2,
1-7).
São Paulo nos tranqüiliza: "Deus é fiel, o qual não
permitirá que sejais tentados além do que podem as vossas
forças; antes, com a tentação, vos dará as forças necessárias
para sair dela e para suportá-la" (1 Cor 10,13).
Por que Deus permite que o demônio tente o homem, como também o
prejudique, muitas vezes, de tantos modos? Como fica patente em
tantas passagens da Escritura e ensinamentos do Magistério
eclesiástico, essa permissão divina tem como escopo santificar o
homem por meio de provações, puní-lo por alguma falta grave,
servir de ocasião para que se manifeste o poder divino de um
modo visível, como no caso dos exorcismos de possessos.
Poder dos anjos bons sobre os demônios
Ensina São Tomás que os anjos bons, mesmo que por natureza
pertençam a uma hierarquia inferior à de algum demônio ( por
exemplo em ralação a Satanás), sempre têm um domínio sobre os
anjos decaídos. Pois os anjos gozam de perfeição da amizade de
Deus, da qual estão privados os demônio; e esta perfeição é
superior à mera excelência natural, a única que permanecesse nos
demônios (
Suma Teológica, 1,q. 109,a.4.
)Por isso observa o Cardeal Lepicier: " A sabedoria de Deus
torna-se ainda mais manifesta , quando consideramos que ele
colocou os espíritos malignos debaixo do domínio dos anjos bons
e deu a cada homem, neste mundo, um anjo bom que o ilumina, guia
os seus passos e o defende contra os seus inimigos. Por isso,
os assaltos do inimigo das almas são aniquilados pela
intervenção daqueles espíritos que se conservam fiéis a Deus, e
o demônio acaba por contribuir para a maior glória do Criador".
(Cardeal
A. LÉPICIER, op. cit., p. 241.
)
III - AÇÃO ORDINÁRIA E EXTRAORDINÁRIA DO DEMÔNIO
DEUS GOVERNA O MUNDO, respeitando sua ordem e suas leis; isto é,
a normalidade, a simplicidade, o usual das coisas; tudo aquilo
que sai desta linha e que parece maravilhoso, prodigioso,
milagroso é excepcional, muito raro. Deus nos criou livres e
espera de nós um livre consentimento à fé, sem que nisto sejamos
influenciados por uma manifestação habitual do preternatural e
do sobrenatural.
Entretanto, para provar-nos, para que mereçamos a
bem-aventurança eterna, como também, muitas vezes, para castigo
nosso, permite Deus que o demônio nos atormente.
A inclinação para o mal nos provém de três causas: de nossa
natureza, ferida pelo pecado original; do mundo e do demônio.
Entretanto Satanás desperta em nós, continuamente, a
tríplice concupiscência com insistentes tentações de soberba e
orgulho, de luxúria, de avidez em todos os níveis.
Essa é a ação ordinária, comum, corrente do demônio — ou
seja, a tentação. Além dela, pode o Maligno exercer uma ação
extraordinária.
A ação ou atividade demoníaca extraordinária pode ser
assim qualificada por duas razões: em primeiro lugar, pelo seu
caráter surpreendente, sensacional, espetacular; em segundo,
pela sua relativa raridade (se comparada com a ação ordinária).
Estamos nos referindo à infestação e à possessão
diabólica.
Trataremos em primeiro lugar da tentação; a seguir, das duas
formas de infestação - a local e a pessoal; no capítulo
seguinte, da possessão.A tentação
“Bem-aventurado o homem que sofre (com paciência) a
tentação.
porque depois que tiver sido provado, receberá a coroa da
vida, que Deus promete aos que o amam".
(Tiag 1,12)
A AÇÃO MAIS COMUM e constante do demônio, em relação ao homem, é
a tentação. Por esse seu aspecto comum e também por ser a
mais freqüente, pode-se chamá-la de ação ordinária do demônio.
Natureza da tentação
Em seu sentido etimológico, tentar alguém significa pô-lo
à prova para que se conheçam suas disposições ou qualidades.
Tentação probatória e tentação enganadora ou sedutora
Santo Agostinho estabeleceu uma distinção, que se tomou
clássica, entre a tentação probatória (tentatio
probationis) e a tentação enganadora ou sedutora
(tentatio decepcionis vel seducionis).
A tentação probatória não visa levar ao pecado, e sim
tornar patente a virtude de alguém ou fortalecê-la por meio da
provação. Nesse sentido é que se pode falar de tentação
de Deus, como, por exemplo, as provações que o Criador,
servindo-se do demônio, enviou a Jó para provar sua fidelidade
(cf. Jó 14, 1 ss).
Pode-se falar também de tentar a Deus quando se
pretende pôr Deus à prova, exigindo dele um milagre ou uma ação
extraordinária, com o fim de satisfazer nossa curiosidade,
nossos caprichos, ou livrar-nos das conseqüências de nossas
irreflexões ou imprudências. “Tentar a Deus — escreve D. Duarte
Leopoldo e Silva - é expor-se ao perigo, a grandes tentações,
sem necessidade, e depois pedir um milagre para não sucumbir.
Deus protege no perigo, mas nem por isso devemos expor-nos
temerariamente, porque, diz o Espírito Santo, quem ama o perigo
nele perecerá” . (Con.
Duarte LEOPOLDO E SILVA, Concordancia dos Sanctos Evangelhos,
Escola Typographica Salesiana, São Paulo, I edição, 1903.)
A tentação enganadora ou sedutora visa levar o
homem à ruína espiritual; ela propõe-lhe um mal sob a aparência
de um bem, procurando arrastá-lo ao desejo desse mal, isto é, ao
pecado. Pode, então, ser definida como uma incitação ao
pecado. Consiste em um estímulo, uma solicitação da vontade
para o mal.
Quando procede de nós mesmos (tentação interna), pode ser
indicada mais bem como inclinação, arrebatamento,
estímulo; se provém de outros inclusive do demônio
podemos referir-nos a ela como convite, solicitação,
incitação.
Causas naturais da tentação: o mundo e a carne
Nem todas as tentações que o homem padece provém do demônio;
também o mundo e a carne têm nelas uma grande
parte: "Nem todos os pecados são cometidos por instigação do
demônio, mas alguns são cometidos pela livre vontade e corrupção
da carne” - ensina São Tomás. ( Suma Teológica,
1,q.114,a.3.)
A raiz mesma da tentação está na própria natureza humana, livre
porém demasiado frágil, sobretudo depois que decaiu de sua
integridade, em conseqüência do pecado original. “Cada um é
tentado pela sua própria concupiscência, que o atrai e o alicia”
- escreve o Apóstolo São Tiago (Tiag 1, 14), que repete a
mesma idéia pouco à frente: “De onde vêm as guerras e as
contendas entre vós? Não vêm elas das vossas concupiscências que
combatem em vossos membros?” (Tiag 4, 1).
São Paulo descreve em termos dramáticos essa terrível realidade:
"Sinto imperar em mim unia lei: querendo fazer o bem, eis que
o mal se apresenta a mim. Segundo o homem interior, acho
satisfação na lei de Deus; mas em meus membros experimento outra
lei que se opõe à lei do meu espírito e me encadeia à lei
do pecado que reina em meus membros” (Rom 7, 21-24)*
*“São
Paulo descreve a luta que se trava no interior do homem entre a
carne e o e espírito. O homem reconhece a justiça e a bondade
da lei, mas a concupiscência excita-o fortemente a
desobedecer-lhe” (Pe. MATOS SOARES). A carne, aqui, significa a
natureza humana decaída em conseqüência do pecado original, que
a tornou desregrada. De si, a carne ou seja, a natureza humana é
boa, pois criada por Deus.
Essa a lei da carne
Também o mundo procura arrastar-nos ao pecado, pois
"está sob o jugo do maligno” (1 Jo 5, 19), e “a amizade
deste mundo é inimiga de Deus” (Tiag 4, 4). Se rompermos com
o mundo ele nos perseguirá, adverte o Salvador, pois não somos
do mundo ( Jo 15, 19). Por isso, Jesus disse expressamente que
não rezava pelo mundo (Jo 17, 9).
Um homem pode ser tentador de outro homem, segundo o espírito do
mundo. Foi o que fez São Pedro, procurando desviar o Senhor do
caminho da Cruz: “A partir daquele momento, começou Jesus a
revelar a seus discípulos que era necessário que fosse a
Jerusalém, padecesse muito da parte dos anciãos, dos sumos
sacerdotes e dos escribas, e fosse condenado à morte, e ao
terceiro dia ressuscitasse. Pedro, tomando-o à parte, começou a
admoestá-lo, dizendo: ´Deus te livre, Senhor! Isto não te pode
acontecer!´Ele, porém, voltando-se, disse a Pedro: 'Retira-te de
mim, Satanás! Pois és para mim obstáculo (isto é, tentação); os
teus pensamentos não são de Deus, mas dos homens!' “ (Mt 16,
21-23).
Somos, pois, tentados pela nossa própria fragilidade, pelo nosso
temperamento, nossa índole, formação, ambiente, familiares,
amigos, situações e ocasiões; em uma palavra: pela carne
e pelo mundo.
A tentação demoníaca
Porém, conforme ensina o Apóstolo, “não temos que lutar
somente contra a carne e o sangue, mas sim contra os principados
e as potestades, contra os dominadores deste mundo de trevas,
contra os espiritos malignos espalhados pelos ares.. “(Ef 6,
10-11).
É fora de dúvida que muitíssimas tentações são obra direta do
demônio, cujo oficio próprio — diz São Tomás — é tentar. (
Suma Teológica,
1,q. 114,a .2.
)
A maior parte da atividade demoníaca se concretiza na tentação.
Por isso o demônio, no Evangelho, é chamado tentador (cf.
Mt 4, 3).
As demais causas da tentação — o mundo e a carne — podem atuar
dependentemente umas das outras; entretanto, é comum que, nas
tentações, a atração do mundo se una à revolta da sensualidade,
e a ambas se some a ação aliciante do demônio.
De tal modo que, embora os teólogos aceitem no plano teórico a
possilidade de a tentação poder ter uma causa apenas natural o
mundo ou a carne sem entrar necessariamente a ação do demônio,
no plano prático, em geral, admitem que o Maligno, sempre à
espreita, se aproveita de todas as circunstâncias para cavalgar
a tentação e aumentar a sua intensidade ou malícia.
De onde a advertência de São Paulo: “Se sentirdes raiva, seja
sem pecar: não se ponha o sol sobre vossa ira, para não dardes
oportunidade ao demônio” (Ef 4, 26-27).
O homem diante da tentaçã
A tentação não é pecado
A tentação, de si mesma, obviamente não é pecado. Pois o próprio
salvador permitiu ser tentado pelo demônio (Mt 4, 1-11; Mc 1,
12-13; Lc 4, 1-13).
Como dissemos, o demônio não pode agir diretamente sobre a
inteligência ou a vontade humanas e por isso procura
influenciá-las por meios indiretos, em seu escopo de fazer-nos
pecar. Mesmo podendo resistir ao tentador, o homem
freqüentemente se deixa seduzir.
Para nos tentar, o demônio pode excitar a imaginação de modo a
formar nela imagens e representações lúbricas ou perturbadoras;
interferir em movimentos corporais que favoreçam os maus atos ou
maus pensamentos, intensificar as paixões, procurar enredar-nos
em sofismas, em erros, etc.
Entretanto, o homem não é culpado das tentações que sofre, a não
ser quando elas são conseqüência de imprudências, permitidas ou
procuradas voluntariamente, por exemplo, com olhares indevidos,
freqüência a lugares perigosos, más companhias, etc. Do
contrário, ele só será culpado nos casos em que der um
consentimento pleno e deliberado ás solicitações das tentações.*
*“Três
coisas devemos distinguir na tentação: a sugestão, a
deleitação e o consentimento. A sugestão não é um pecado,
porque não depende da nossa vontade, A simples deleitação,
quando involuntária, também não é pecado. Só o consentimento
é sempre criminoso, porque depende exclusivamente de nós o
aceitar ou não a sugestão do pecado" (Con. Duarte LEOPOLDO E
SILVA, op. cit., p. 34, n. 5).
Por mais intensa que seja uma tentação, se o homem lutou contra
ela o tempo todo, não cometeu a menor falta; pelo contrário
adquiriu méritos para sua santificação, segundo escreve São
Tiago Apóstolo: “Bem-aventurado o homem que sofre (com
paciência) a tentação, porque, depois que tiver sido provado,
receberá a coroa da vida, que Deus prometeu aos que o amam”
(Tiag 1, 12).
Necessidade da vigilância e da oração
Devemos estar sempre alertas para enfrentar as provocações, como
nos recomendou Nosso Senhor na hora de sua Paixão: "Vigiai e
orai, para que não entreis em tentação; o espírito na verdade
está pronto, mas a carne é fraca” (Mt 26, 41). O mesmo
aconselha São Pedro: “Séde sóbrios e vigiai, porque o
demônio, vosso adversário, anda ao redor como um leão que ruge,
buscando a quem devorar” (1 Ped 5,8).
Vigiar, porém, não basta. É preciso resistir ao demônio:
"Resisti ao demônio, e ele fugirá de vós” (Tiag 4, 7) — nos
assegura São Tiago. “Resisti-lhe [ao demônio] fortes na fé”
— manda São Pedro (1 Ped 5,9).
E São Paulo exorta: “Revesti-vos da armadura de Deus para que
possais resistir às ciladas do demônio. ... tomai a armadura de
Deus, para que possais resistir no dia mau, e ficar de pé depois
de ter vencido tudo. Estai, pois, firmes tendo cingido os vossos
rins com a verdade, e vestindo a couraça da justiça ... tomai o
escudo da fé com que possais apagar todos os dardos inflamados
do maligno, tomai também o elmo da salvação e a espada do
espírito ( que é a palavra de Deus)” (Ef 6, 11-17).
Deus não permite que sejamos tentados além de nossas forças
Devemos, entretanto, ter sempre presente esta consoladora
verdade: é certo que Deus não permite sejamos tentados além de
nossas forças. Este é o ensinamento de São Paulo: “Nenhuma
tentação vos sobreveio que superasse as forças humanas. Deus é
fiel: não permitirá que sejais tentados acima das vossas forças:
mas, com a tentação, vos dará também o meio de sair dela e a
força para que suportá-la” (1 Cor 10,13).
A infestação
"Não temos que lutar somente
contra a carne e o sangue, mas sim
contra os principados e as potestades,
contra os dominadores deste mundo de
trevas, contra os espíritos malignos
espalhados pelos ares.. "
(Ef 6, 10-11)
A TERMINOLOGIA a respeito da ação extraordinária do demônio
sobre os homens, as coisas e os locais, não é uniforme: alguns
autores falam em obsessão, para designar essa atuação
demônio, quer se trate de sua simples presença local, quer de
atuação sobre o homem, mas sem possuí-lo, quer da possessão.
Outros criam termos especiais como circumissessão, para
designar a ação demoníaca externa ao homem.
Adotamos aqui a terminologia utilizada por Mons. Corrado
Balducci, por parecer-nos mais simples e direta: infestação
local, infestação pessoal e possessão diabólica. (Cf
Mons. C. BALDIJCcI, Gli indemoniati, p. 3; El diablo, pp.
156-158.)
Trataremos em primeiro lugar das duas formas de infestação — a
local e a pessoal; no capítulo seguinte, da possessão.
Infestação local
A infestação local consiste em uma atividade perturbara
que o demônio exerce diretamente sobre a natureza inanimada
(reino mineral, elementos atmosféricos, etc.) e animada inferior
(reino vegetal e reino animal), e também sobre lugares,
procurando desse modo atingir indiretamente o homem, sempre em
modo maléfico.
Com efeito, todas as criaturas, mesmo as irracionais, por
maldição do pecado, ficaram sob o poder do demônio (cf. Rom 8,
21ss). Assim, os lugares e as coisas, do mesmo modo que as
pessoas, estão sujeitas à infestação demoníaca. E preciso não
esquecer a atuação dos demônios dos ares, a respeito das
quais nos adverte o Apóstolo: “Não temos que lutar somente
contra a carne e o sangue, mas sim contra os principados e as
potestades, contra os dominadores deste mundo de trevas, contra
os espíritos malignos espalhados pelos ares...” (Ef 6,
10-11).
Entram nessa categoria as casas e lugares infestados:
objetos que voam ou se deslocam de lugar, sons estranhos ou
perturbadores (passos, pedradas nas vidraças ou no telhado,
uivos, gritos, gargalhadas); impressão de presenças invisíveis,
sensação de perigos inexistentes, etc.; distúrbios visíveis,
estranhos e repentinos que se verificam no mundo vegetal e no
mundo animal (árvores ou plantações que secam repentinamente,
doenças desconhecidas nos animais, pragas, etc.).
Certos fenômenos ou calamidades de aparência e estruturas
naturais (tempestades, terremotos e outros cataclismos,
incêndios, desastres, etc.) podem ter igualmente o demônio como
autor, senão único direto (como na possessão), ao menos parcial
e dirigente. Por exemplo, o raio que caiu do céu e consumiu os
pastores e as
ovelhas de Jó, do mesmo modo que o vento do deserto que fez cair
a casa dos filhos do Patriarca, esmagando-os sob as ruínas,
foram suscitados por Satanás (Jó 2, 16-19). Nesse caso, podem
ser incluídos essas manifestações demoníacas extraordinárias.
Muitas vezes, tais manifestações ocorrem em concomitância com
casos de infestação pessoal ou de possessão diabólica.
Infestação pessoal
A infestação pessoal é uma perturbação que o demônio
exerce, já não mais sobre o mundo material e as criaturas
irracionais, mas sobre uma pessoa, diretamente, sem contudo
impedir-lhe o uso da inteligência e da livre vontade. Apesar de
ser excepcional, é talvez o mais freqüente dos três tipos de
atividade maléfica extraordinária - isto é, infestação local,
infestação pessoal, possessão.
Como a infestação local, a pessoal também comporta graus de
intensidade, e diversa modalidade.
A infestação pessoal pode ser externa ou física e interna ou
psicológica, conforme se exerça sobre os sentidos externos ou
internos e sobre as paixões do homem. Com freqüência, a
infestação é simultaneamente externa e interna.
Na infestação externa ou física, demônio age sobre nossos
sentidos externos: a vista, provocando aparições
sedutoras ou, contrário, apavorantes; a audição, fazendo
ouvir rumores, palavras ou canções obscenas, blasfêmias,
convites, agrados ou ameaças; o tacto, com sensações
provocantes, abraços, movimentos carnais; então dores, doenças,
etc.
Mas o demônio pode atuar também sobre os sentidos internos
(fantasia e memória) e sobre as paixões.
A infestação interna ou psicológica consiste em
sugestões violentas e tenazes: idéias fixas, imagens expressivas
e absorventes, movimentos profundos de emotividade e de paixão -
por exemplo, desgostos, amargura, ressentimentos, ódio,
angústias, desespero; ou, ao contrário, inclinação para algum
objeto ilícito, ou inclinação, de si lícita, mas desregrada
quanto ao modo e à intensidade.
Comenta o Pe. Tanquerey: “A pessoa se sente, embora com
desgosto, invadida por fantasias importunas, tediosas, que
persistem não obstante os esforços vigorosos para afastá-las; ou
então por frêmitos de ira, angústia, desespero, ímpetos
instintivos de antipatia; ou pelo contrário, por perigosas
ternuras sem razão alguma que as justifiquem” . (Adolphe
TANQUEREY, Precis de Théotogie Ascétique ei Mystique. p.
958.)
Os acessos de melancolia e os transportes de furor que afligiam
Saúl, por obra de um demônio e por permissão divina ( cf. 1 Reis
16, 14-23), são característicos da infestação pessoal
interna, infestação psicológica.
Diferentemente do possesso, o infestado guarda a disposição de
seus atos exteriores, embora em muitos casos tenha sua liberdade
diminuída. Ele conserva o poder de reagir contra as sugestões do
interior ( por exemplo, sugestões de blasfêmias), de julgar
sobre o valor moral destas sugestões, achando-as abomináveis.
Uma das modalidades de infestação pessoal, talvez das mais
freqüentes são as doenças, muitas vezes desconhecidas e
incuráveis, que chegam a levar à morte, se Deus o permitir. É o
que, aliás, lemos no livro de Já: “Disse, pois, o Senhor a
Satanás: Eis que ele (Jó) está na tua mão; conserva, porém, a
sua vida” (Jó 2, 6).
As escrituras apresentam vários casos de tais enfemidades de
origem de diabólica. Exemplo clássico, é a lepra que cobre de
chagas o justo Jó, da planta dos pés até o alto da cabeça (Já 2,
7-8).
Seriam igualmente vítimas de infestação diabólica a mulher
encurvada, atormentada pelo demônio havia dezoito anos, de tal
sorte que não se podia endireitar, e que foi curada por Nosso
Senhor (Luc 13, 11); o menino epilético (Mt 17, 14; Mc 9, 17;
Luc 9, 38); o mudo (Mt 9,32); e o cego mudo (Mt 12, 22).
Mons. Balduecci se refere a doenças de origem demoníaca, por
efeito de maleficios, observando que nestes casos os
distúrbios são com freqüência de ordem física, sendo
dificilmente diagnosticados pelos médicos; outras vezes se trata
de inconvenientes que atacam a vida psíquica, a própria
personalidade do indivíduo, tomando-o difícil, raivoso e até
incapaz de atuar no âmbito de sua vida familiar e social.(Cf.
Mons. C.BALDUCCI, El diablo, p. 184.)
Convém precisar que muitas das manifestações acima descritas,
embora próprias às infestações locais ou pessoais, não são
exclusivas delas e nem sempre são de origem demôniaca; várias
anomalias de ordem psíquica (ilusões, alucinações, delírios)
podem se externar pelos mesmos fenômenos; um cuidadoso exame do
indivíduo e das circunstâncias que acompanham os fatos poderá
revelar a origem natural patológica ou demoníaca dos distúrbios.
Vítimas prediletas da infestação
Se bem que qualquer pessoa possa ser vítima desse tipo de
tormento diabólico, Mons. Balducci indica três categorias de
pessoas que estariam mais sujeitas a ele: os santos, os
exorcistas e demonólogos, e os maleficiados
(vítimas de malefício).
Os santos, por causa do ódio que o demônio tem daqueles
que de modo especial amam a Deus e procuram a perfeição; isto,
do lado da intenção do demônio; do lado da permissão divina,
esta é dada como provação especial a almas muito eleitas. Vários
santos a experimentaram. Entre os antigos, basta lembrar Santo
Antão; do mesmo modo Santa Catarina de Siena (1347-1380); São
Francisco Xavier (1506-1552); Santa Teresa de Jesus (1515-1582);
Santa Maria Madalena de Pazzi (1566-1607); São João Batista
Vianney, o Cura d’Ars (1786-1859) São João Bosco (1815-1888);
Santa Gemma Galgani (1878-1903).*
*Os exorcistas e demonólogos: a razão é tão óbvia
que quase não é preciso dá-la; os primeiros, com seu ministério,
fazem diminuir a presença do demônio no mundo e libertam suas
vítimas; os segundos, com seus estudos, esclarecem os fiéis com
relação à existência e atividade demoníacas.
Os maleficiados (vítimas de malefício), por
permissão de Deus, para seu castigo, ou provação, ou para
manifestar o poder divino. (
Cf. Mons. C. BALDUCCI, El diablo, p. 179.)
4 Esta Santa leiga, grande mística, recebeu os estigmas da
Paixão, tinha freqüentes visões de Nosso Senhor e de Nossa
Senhora, e um comércio quase contínuo com seu Anjo da Guarda.
Foi muito atormentada pelo demônio que a espancava com uma vara
durante horas e horas, às vezes a noite inteira, causando-lhe
profundas esquimoses no corpo, que duravam vários dias, até que
Nosso Senhor as curasse. Perseguia-a por toda a parte, em casa,
na rua, na igreja, com aparições, assumindo o aspecto de um
cachorro, de um gato, de um macaco, de pessoas conhecidas, ou de
homens ferozes e espantosos. Várias vezes um desses homens
horríveis a jogou na lama quando saia de casa para ir comungar.
O demônio lhe aparecia também sob a figura de seu confessor,
Mons. Volpi e outras debaixo da aparência do Anjo da Guarda,
chegando a confundi-la; de certa feita o Maligno assumiu a
figura de Jesus flagelado, com o coração aberto e todo
ensangüentado, para pedir-lhe maiores penitências, com a dupla
finalidade de fazer deteriorar sua já delicada saúde e incitá-la
a desobedecer o confessor que as havia proibido (
Mons. C. BALDUCCI, El diablo PP. 179-181).
A possessão
“E pela tarde apresentaram-Lhe
muitos possessos do demônio".
(Mt 8, 16)
A POSSESSÃO é a mais espetacular das manifestações
diabólicas e a que mais impressiona as imaginações; a tal ponto,
que deixa na penumbra o trabalho constante do demônio que, por
meio da tentação, procura seduzir os homens ao pecado.
Realidade da possessão diabólica
No que se refere à possessão diabólica, há duas posições erradas
que é preciso evitar: a primeira, consiste em acreditar com
facilidade que uma pessoa está possessa, sem maior exame, pela
impressão causada por sintomas que podem bem corresponder a
outros estados, não sendo de si suficientes para caracterizar a
possessão; a segunda posição está em negar que hoje ocorram
casos de possessão; chega mesmo a negar que alguma vez se tenham
dado. Esta posição extremada se choca com uma verdade claramente
ensinada pela Sagrada Escritura, pela Tradição e pela prática da
Igreja.
Os racionalistas pretendem que os casos de possessão diabólica
relatados na Escritura não passam de casos patológicos — mania,
loucura, histeria e epilepsia. Dizem que Jesus não pretendia que
esses infelizes enfermos, chamados endemoniados,
estivessem realmente possessos, mas tratava-os de acordo com as
convicções dos seus contemporâneos, os quais acreditavam na ação
demoníaca.
Nada mais falso, e os Evangelistas distinguem bem entre a doença
e a possessão.
Assim, São Marcos escreve: “E de tarde, sendo já posto o sol,
traziam-lhe (a Jesus) todos os que estavam doentes e os
possessos do demônio E curou muitos que se achavam oprimidos com
varias doenças. e expeliu muitos demonios” (Mc 1, 32-34).
E em São Mateus está escrito: “E pela tarde apresentaram-lhe
muitos possessos do demônio, e ele com a (sua) palavra expelia
os espíritos maus, e curou todos os enfermos” (Mt 8, 16).
Do mesmo modo São Lucas: “E quando foi sol posto, todos os
que tinham enfermos de diversas moléstias, traziam-lhos. E ele
impondo as mãos sobre cada um, sarava-os. E de muitos saíam
demônios gritando” (Lc 4,40-41).
É evidente nestas passagens que os Evangelistas se referem à
cura de doentes e à expulsão de demônios como dois casos
diferentes.
De resto, o próprio Salvador afirma que expulsava os demônios
dos possessos. Por exemplo, aos judeus incrédulos disse Jesus:
“Se eu, porém lanço fora os demônios pela virtude do Espírito
de Deus, é chegado a vós o reino de Deus” (Mt 12, 28).
“Se eu, pelo dedo de Deus lanço fora os demônios, certamente
chegou a vós reino de Deus”(Lc 11,20).
E Ele mesmo distingue bem os casos de doença dos de possessão,
ao dizer: “Eis que eu expulso os demônios e opero curas”
(Lc 13, 32).
A Liturgia e a prática da Igreja, com a instituição dos
exorcismos, bem como o ensinamento dos teólogos, indicam que Ela
crê na possessão diabólica. Ao mesmo tempo, estabelecendo que os
exorcismos sobre possessos não sejam feitos senão depois de
maduro exame e mediante especial autorização, a Igreja indica
que não se deve crer levianamente nos casos de possessão.
Em resumo, que se tenham dado alguns casos, pelo menos de
verdadeira possessão diabólica, como os relatados nos
Evangelhos, é verdade de fé; que depois se tenham dado
outros, é doutrina comum dos teólogos, que não pode ser negada
sem temeridade.
Natureza da possessão
A possessão consiste em um domínio que o demônio exerce
diretamente sobre o corpo e indiretamente sobre a alma de uma
pessoa. Esta
se converte em um instrumento cego, dócil, fatalmente obediente
ao poder perverso e despótico do demônio.
O indivíduo em tal estado é chamado justamente possesso,
endemoniado, enquanto instrumento, vitima do poder
demoníaco, ou energúmeno, porque mostra uma agitação
insólita.
Características
A possessão se caracteriza por dois elementos: a) presença do
demônio no corpo do homem; b) exercício de um poder por parte
demônio sobre o mesmo.
Quanto â presença demoníaca, ela não significa uma presença
física, como anjo (decaído), o demônio é puro espírito; sua
presença se dá pelo contacto operativo, isto é, o demônio
está onde atua desse modo, o demônio pode desenvolver sua
atividade por toda a parte, tanto fora como dentro dos corpos
humanos. Sendo assim, um indivíduo pode estar possuído por
vários demônios (os quais operam simultaneamente sobre ele,
embora sob aspectos diversos), como um só demônio pode possuir
várias pessoas (atuando sucessivamente sobre cada uma delas).
O modo como se opera a possessão é explicado por São Tomás de
Aquino:
"Os anjos bons e os maus têm o poder, em virtude de sua
natureza, de modificar nossos corpos, como qualquer outro objeto
material. E como eles estão presentes num lugar na medida em que
operam nele, assim eles penetram em nossos corpos. Do mesmo
modo, ainda, eles impressionam as faculdades ligadas a nossos
órgãos: às modificações dos órgãos respondem as modificações das
faculdades. Mas a impressão não chega até à vontade, porque a
vontade, nem seu exercício, nem em seu objeto, depende de um
órgão corporal; ela recebe seu objeto da inteligência, na medida
em que esta desentranha, do que ela percebe, a noção de bondade
do ser”.
(In
2dum Sent., Dist. VIII, q. un. a. 5, sol. apud L. ROURE,
Possession Diabolique, col.)
Em outro lugar o Santo Doutor explica que o diabo não pode
penetrar diretamente na alma do homem, pois isto somente a
Santíssima Trindade pode fazer. (Suma
Teológica,
3,q. 8,a.8)
Isto quer dizer que, na possessão, embora o demônio domine o
corpo, sobretudo o sistema nervoso, e possa impedir o uso das
potências da alma, ele não pode penetrar nela e obrigar sua
vítima a cometer um pecado, ou aceitar as doutrinas diabólicas.
O possesso não é moralmente responsável por seus atos, por
piores que sejam, uma vez que não tem plena consciência deles,
nem existe colaboração da vontade.
Efeitos da ação do demônio sobre o possesso
A presença operante do demônio no endemoniado não é
contínua, mas se manifesta por períodos de crise. Não falta ao
demônio poder nem vontade de atormentar ininterruptamente sua
vítima, tal o ódio ao homem; Deus é que não o permite, pois a
pessoa não resistiria.
A influência do demônio sobre os possessos não é simplesmente
indireta ou moral, como, por exemplo, nas tentações, mesmo as
mais fortes; ela é uma ação direta e física, exercida pelos
espírito das trevas sobre os órgãos corporais do infeliz
submetido ao seu império. De onde resulta para este último um
estado doentio, estranho, que sai das leis ordinárias das
afecções mórbidas, embora freqüentemente acompanhado de
fenômenos de ordem puramente natural, que o demônio determina
nele, simultaneamente com aqueles que ultrapassam a esfera
própria aos agentes físicos. Esses fenômenos são habitualmente
uma superexcitação geral e profunda de todo o sistema nervoso.
Outras vezes, ao contrário, o demônio comunica à sua vítima um
crescimento extraordinário da força muscular. O infeliz entra em
fúria a ponto de espumar de raiva, ranger os dentes, soltar
gritos espantosos, precipitar-se na água ou no fogo. Ele se
torna então perigoso para aqueles que se aproximam dele;
destrói, como simples pedaço de palha, as cadeias de feno com as
quais o querem prender; e, se ele não puder atingir os outros,
volta conta si mesmo o seu furor, arranhando-se com as unhas,
machucando-se com as pedras do caminho.
Essa ação perturbadora e nociva do demônio sobre os órgãos
corporais expande-se sobre as faculdades mistas, como a
imaginação, a memória, a sensibilidade. Estende-se mesmo mais
longe e mais alto no ser humano, porque ela tem sua repercussão
até na inteligência. As operações intelectuais apresentam, às
vezes, um tal caráter de incoerência, que os demoníacos parecem
atingidos de alienação mental. Não é raro também ver-se
produzir, no domínio do espírito, um fenômeno análogo àquele que
se passa no seus órgãos. Assim como o demônio, em lugar de
paralisar as energias corporais do demoníaco, aumenta seu poder,
do mesmo modo, em vez de diminuir suas luzes naturais, ele
comunica à sua inteligência conhecimentos que ultrapassam de
muito seu poder.
Possessão e infestação: fenômenos da mesma espécie
A infestação pessoal (ou obsessão) e a
possessão constituem fenômenos da mesma espécie, variando
apenas em grau, e são classificadas pelos teólogos como ações
extraordinárias e diretas do demônio, enquanto a
tentação é indicada como ordinária e
indireta.
Observa o Cardeal Lepicier que a diferença entre a infestação
pessoal e a possessão não é um diferença de espécie, mas somente
de grau, visto que estas formas diferem mais ou menos, conforme
for maior ou menor o grau do poder exercido pelo demônio sobre o
corpo do indivíduo a quem ele resolveu atormentar. Os fenômenos
de infestação pessoal não são, por vezes, menos graves do que os
de possessão. De fato, o Ritual Romano não estabelece diferença
alguma entre eles, e as línguas latina e italiana têm apenas uma
palavra clássica para designar ambas as formas, isto é,
obsessão diabólica.(Cf.
Card. A. LEPICIER, O Mundo Invisível, p. 277.)
É verdade — explica o Pe. Roure — que a possessão não penetra
até o íntimo da alma; conseqüentemente ela não pode ditar, impor
ao possesso um ato pessoal de inteligência ou de vontade; mas a
ação diabólica chega a neutralizar, a impedir o exercício da
inteligência e da vontade, de modo que o possesso torna-se
incapaz de conhecer, de julgar e de querer tudo o que se passa e
se agita nele. Na infestação tal não se dá; a vítima conserva o
domínio de suas faculdades superiores (a inteligência e a
vontade), e pode mesmo servir-se delas para enfrentar os
assaltos do Maligno. Dessa forma acontece que a efervescência
diabólica pode deixar o fundo da alma em paz. (Cf.
L. ROURE, Possession Diabolique, cols. 2645-2646.)
Causas da possessão
Punição, provação...
A permissão dada por Deus ao demônio de, na possessão
apoderar-se assim dos órgãos corporais e das faculdades
espirituais de uma criatura humana, é, às vezes, punição de
certos pecados graves cometidos pelos possessos, em particular
os pecados da carne. Entretanto não é sempre assim. Um
endemoniado não é necessariamente culpado. Algumas vezes, Deus
permite esse estado para ressaltar sua glória pela intervenção
ostensiva de seu poder absoluto (cf. Jo 9, 1-8), ou para provar
os possessos.
São Boaventura explica que Deus permite a possessão “seja em
vista de manifestar sua glória, obrigando o demônio pela boca
possesso a confessar, por exemplo, a divindade de Cristo, seja
para punição do pecado, seja para nossa instrução. Mas, por qual
dessas causas precisamente ele deixa o demônio possuir um homem,
é o que escapa à sagacidade humana: os julgamentos de Deus são
escodidos aos homens. O que é certo, é que eles são sempre
justos” (In
2dum Sent. dist. VIII. part II. q. 1 art único apud L. ROURE,
Possession Diabolique., col. 2644.)
O caráter espetacular da possessão acaba por apresentar um
efeito apologético e ascético benéfico, pois torna patente e
quase visível a existência do Espírito das trevas.
Esta é uma das razões pelas quais Deus permite a possessão
diabólica, pois obriga o Maligno a agir como que a descoberto,
dando mostras públicas da sua maldade, do seu ódio contra o
homem e a criação.
Práticas supersticiosas, espiritismo, macumba
Não devemos esquecer, entre as causas das infestações e da
possessão, as práticas supersticiosas, o recurso a magos,
pais-de-santo, cartomantes, adivinhos, etc.
"O demônio, quando um homem colabora com ele em práticas superti
ciosas, facilmente exerce sobre esse indivíduo a mais cruel e
implacável tirania” — observa o Cardeal Lepicier. Ele chama a
atenção para as práticas espíritas: “Não pode haver dúvida de
que atuar como médium é o mesmo que expor-se aos perigos da
obsessão diabólica ... Recorrer a um médium é, pois, equivalente
a cooperar na obsessão de uma pessoa”.
(Card.
A. LEPICIER, O Mundo Invisível, pp. 222-223.)
Uma das causas muito comuns da ação extraordinária do demônio
sobre pessoas é o malefício,
a respeito do qual falaremos adiante.
O Pe. Gabriele Amorth, exorcista da Diocese de Roma, afirma que
oscasos mais difíceis de infestação e de possessão diabólica que
ele tem encontrado são os resultantes de macumbas realizadas no
Brasil e na África.
(Cf.
G. AMORTH, Un esocista racconta, pp. 116 e 157.)
Existem ainda casos de possessão voluntária, em que a pessoa que
recorreu ao diabo e fez um pacto com ele pode agir como um
instrumento do Maligno para levar avante os desígnios dele. A
figura típica do médium de Satanás, foi Hitler, segundo
julga o teólogo e demonólogo beneditino austríaco Dom Aloïs
Mager.("Não
há nenhuma outra definição mais breve, mais precisa, mais
adaptada à natureza de Hitler que esta tão absolutamente
expressiva: Medium de Satã” (D. Aloïs MAGER O.S.B.,
Satan de nos jours, p. 639).)
Poderiam ser mencionadas igualmente as figuras sinistras de
Lenin, Stalin, e tantos outros...
Freqüência da possessão
Após o estabelecimento da Igreja, o número dos demoníados
diminuiu, de muito, nas nações tomadas cristãs. E que, pelo
Batismo e demais Sacramentos, os fiéis são preservados desses
ataques sensíveis do demônio. Este perdeu seu império, mesmo
sobre aqueles que, embora batizados, vivem de maneira pouco
conforme com à Fé de seu Batismo. Membros da Igreja, embora
membros mortos, eles encontram nessa união, entretanto
imperfeita, ao Corpo Místico de Cristo, um socorro em geral
suficiente para que o demônio não possa apoderar-se deles, como
faria, se se tratasse de pagãos.
“Entretanto — observa o Pe. Ortolan — não somente nas regiões
que não receberam o Evangelho, mas também naqueles em que a
Igreja está estabelecida, encontram-se ainda demoníacos. Seu
número aumenta na proporção do grau de apostasia das nações que,
outrora católicas, abandonam pouco a pouco a Fé, e retornam ao
paganismo teórico e prático” (T. ORTOLAN, Demoniaque,
col.410.)
Para avaliarmos corretamente a presença e atuação do demônio no
mundo atual é preciso considerar que o estado de apostasia a que
se referia o Pe. Ortolan há mais de quarenta anos — chegou em
nossos dias a um grau inimaginável. E que, mais ainda do que os
casos de possessão, o número dos infestados é sem conta.
Possessão diabólica:
o diagnóstico
"Para estabelecer a realidade
de uma possessão, um único método
é válido: provar a presença dos sinais
indicados no Ritual Romano”.
(Dom Louis de Cooman,
Bispo-missionário e exorcista)
Estados patológicos e possessão diabólica
Problema complexo
Um dos problemas mais complexos colocados pela ação diabólica
extraordinária sobre o homem é o seu diagnóstico. A questão
consiste em saber quando estamos realmente em presença de uma
ação preternatural (isto é, provocada por anjos ou
demônios) ou diante meras manifestações de morbidez, ou de outro
gênero, por certo incomuns, mas que não escapam ao âmbito dos
fenômenos naturais da alçada da Medicina e outras ciências.
Nem sempre é fácil distinguir entre as infestações e possessões
demoniácas e certos fenômenos de natureza mórbida, pois é sabido
que inúmeros distúrbios patológicos, especialmente de caráter
neuro-psiquiátrico, provocam estados de extrema agitação,
decuplicam as forças físicas, provocam fobias em relação às
coisas sacras, etc. Em resumo, fazem o pobre doente parecer um
possesso.
É o que faz notar o Cardeal Alexis Henri Marie Lépicier, O.SM.:
Sabemos que em algumas pessoas a imaginação, estando fora do
normal, pode ultrapassar os seus naturais limites e ser a origem
de manifestações estranhas que, à primeira vista, apresentam uma
certa afinidade com ocorrências preternaturais [isto é,
produzidas por anjos ou demônios]. ... Todos nós sabemos quantas
perturbações pode causar uma doença nervosa em certas criaturas,
como, por exemplo, nas que sofrem de histeria. Há, de fato, nas
ações destes indivíduos muitas coisas que causam admiração. ...
Mas é principalmente nos períodos de paroxismo que a histeria
está mais apta a exibir muitos e curiosos fenômenos, o principal
dos quais é a alucinação.
“Toda gente vê, portanto, a necessidade imperiosa de estabelecer
a distinção entre estes fenômenos e os que são devidos a causas
preternaturais” (Card.
A. LEPICIER, O Mundo invisível, p. 201.)
Outras vezes, são fenômenos da natureza, insuficientemente
explicados pelos cientistas, ou simplesmente fora de alcance de
pessoas sem formação especializada: luminosidades, movimentos de
massas de ar, variações térmicas, etc., os quais podem parecer
fenômenos maravilhosos provocados por ação diabólica.
Objetividade e rigor científico
Mons. F. X. Maquart — renomado estudioso da matéria - compara o
diagnóstico do exorcista ao diagnóstico médico.
O exorcista deve proceder com a mesma objetividade, o mesmo
rigor que o exame do médico, de modo a não deixar fora do exame
nenhuma das manifestações apresentadas pelo comportamento do
paciente, evitando com isso deixar-se levar pela impressão, que
pode ser enganosa. Esse exame crítico tem por finalidade
eliminar alguma possível explicação natural observável na
presumida manifestação diabólica.
Mons. Maquart explica que um certo número de sintomas da
possessão são comuns com os de algumas doenças como a
psicastenia, a histeria, algumas formas de epilepsia, etc. Como
fazer para discernir então entre um simples doente mental e um
possesso pelo demônio? Entram em jogo os outros sinais da
possessão, que não têm explicação natural: falar línguas
estrangeiras não aprendidas, conhecer fatos à distância,
revelar ciência ou força física muito em desproporção com a
idade, etc. (
Cf. F. X. MAQUART. L´Exorciste devant les manifestations
diaboliques, pp. 338-339.)
Essa posição exige, ao mesmo tempo, muita objetividade e bom
senso, ao lado de muita fé. Pois, como é evidente, não se pode,
sob pretexto de que o extranatural é uma exceção, negar em
princípio toda a ação demoníaca, ou proceder de tal forma
como se sempre se tivesse que encontrar, a qualquer preço, uma
explicação natural.
Perigos de um diagnóstico errado
Um diagnóstico errado não é isento de perigos, tanto de ordem
moral e espiritual, como até mesmo física.
Em primeiro lugar, a prática de exorcismos em simples doentes
mentais, sem que estes, obviamente, experimentem qualquer
melhora, pode conduzir ao descrédito em relação aos mesmos
exorcismo e às coisas sagradas de modo geral. Pode ainda
oferecer argumentos aos céticos, que se aproveitarão para tachar
a prática dos exorcismos como puramente supersticiosa.
Além do mais, a prática dos exorcismos solenes representa para o
exorcista um desgaste muito grande, o qual seria sem fruto em
caso de erro de diagnóstico.
Por fim, o exorcizar doentes mentais oferece o perigo de agravar
seus males, seja pela grande tensão e esforço mental e até
físico que o exorcismo comporta, seja pelo caráter
impressionante deste.
É o que afirma Mons. Maquart, experimentado demonólogo francês:
“Não seria sem inconvenientes graves exorcizar, sob simples
aparências de possessão, doentes mentais. Em vez de os curar, o
exorcismo teria o risco de agravar seu mal”. (Mgr
F. X. MAQUART, L ‘Exorciste devam les manjfestations
diaboliques, p. 328.)
O mesmo assegura Dom Gustavo Waffelaert (Bispo de Bruges): "Há
inconveniente real em exorcizar uma pessoa não possessa. Por
ela, antes de tudo; pois o exorcismo, pela forte impressão que
produz, pode afetar desfavoravelmente um sistema nervoso já
perturbado e acabar de o arruinar; ele é também um poderoso meio
de sugestão e arrisca desenvolver, num indivíduo fraco, hábitos
mórbidos. Além do
que, não se tem o direito de empregar, sem motivo grave, as
orações sagradas do Ritual: é preciso que elas tenham um objeto.
Dessa forma, a Igreja, para pemitir o exorcismo, requer a
prudência e um julgamento moralmente certo ou ao menos provável
da possessão” . (Mgr
G. 3. WAFFELAERT, Possession Diabolique. col. 55.)
Em muitos lugares — como nas dioceses de Roma e Veneza - os
exorcistas trabalham sempre em estreita união com psiquiatras
católicos, os quais os ajudam a distinguir meros doentes de
eventuais possessos; por seu lado, esses profissionais, muitas
vezes, recorrem aos serviços dos exorcistas, quando percebem em
seus clientes sinais que ultrapassam os limites da Medicina.
Na realidade, certas manifestações, à primeira vista
patológicas, podem esconder a ação do Maligno. Por isso o médico
católico não deve excluir sem mais a possibilidade dessa ação,
conforme observa Mons. Catherinet: “O médico que quiser
manter-se um homem completo, sobretudo se ele possuir as luzes
da fé, não excluirá, a priori, a presença do demônio,
podendo, em certos casos, suspeitar, por trás da doença, a
presença e a ação de alguma força oculta (cujo estudo ele pedirá
ao filósofo ou ao teólogo, os quais se guiam segundo seus
próprios métodos). (Mgr
F. M. CATHERJNET. Les Demoniaques dons l Évangile, pp.
324-32.)
Critérios seguros
A Igreja nunca negou essa dificuldade de diagnóstico da
possessão; ao contrário, sempre foi muito cautelosa no
pronunciar-se sobre os casos concretos, recomendando que na
avaliação de cada um deles se examine com muito cuidado se o
fenômeno pode ter uma origem natural. Só depois de diligente e
acurado exame, e de descartadas todas as possibilidades de
explicação natural, é que a Igreja autoriza a proceder aos
exorcismos solenes sobre os possessos. Para garantir tal rigor
de procedimento, a Igreja estabeleceu que esses exorcismos só
podem ser praticados por sacerdotes devidamente autorizados pelo
Ordinário do lugar para cada caso concreto;
bispo não pode dar essa autorização senão a um padre de
conhecida ciência, prudência, piedade e integridade de vida. (Cf.
Código de Direita Canônico, cânon 1172 § § 1 e 2.)
Dom Louis de Cooman, antigo Vigário Apostólico no Vietnã ( ele
próprio exorcista em um caso famoso de possessão coletiva, que
será relatado adiante), dá o único critério que considera seguro
para se determinar se há ou não possessão: “Para estabelecer a
realidade de uma possessão, um único método é válido: provar a
presença dos sinais clássicos indicados pela Igreja no Ritual
Romano” (Mgr
Louis de COOMAN, Le Diable au Couvent, p. 12.)
O Ritual Romano (que data do século XVI) estabeleceu,
para orientar exorcistas, os seguintes indícios por parte do
suposto possesso:
1. Falar ou compreender línguas estrangeiras sem tê-las antes
aprendido;
2. Revelar coisas secretas ou distantes;
3. Manifestar força física acima de sua idade e condição;
4. E outras manifestações do mesmo gênero, que quanto mais
numerosas forem, mais constituem indícios. (Rituale
Romanum,
Tit. XI, Cap. 1, n. 3.)
Se certas manifestações (como, por exemplo, demonstrar uma força
extraordinária, dar uivos animalescos, gritar blasfêmias ou
palavrões) podem ser causadas por uma doença, a revelação de
pensamentos ocultos ou o conhecimento de coisas que se passam à
distância já não podem ter a mesma explicação.
Hoje em dia muitas pessoas (infelizmente até sacerdotes)
pretendem negar, senão doutrinariamente, ao menos na prática,
toda possibilidade de possessão ou infestação diabólica,
apresentando explicações pseudo-cientificas em nome da
Parapsicologia.
A esse respeito observa Mons. Louis Cristiani: querer dar uma
explicação natural às manifestações demoníacas pela
Parapsicologia é explicar o obscuro pelo mais obscuro ainda...]
IV - A LUTA CONTRA O PODER DAS TREVAS
DEPOIS DE TERMOS ESTUDADO a atividade demoníaca ordinária (a
tentação) e a atividade extraordinária (infestação pessoal e a
local, possessão), de ter visto os critérios para o diagnóstico
dessas manifestações, parece-nos indispensável dar aqui os meios
que temos para fazer face às investidas diabólicas.
O homen não está desarmado diante do poder das trevas.
Ele dispõe de armas sobrenaturais e também naturais com que
enfrentar as investidas diabólicas.
Primeiramente, cabe ver de que meios preventivos
dispomos; ou seja, como fazer para evitar, tanto quanto está em
nós, as investidas do demônio. A seguir, quais os meios
terapêuticos á nossa disposição, para nos curarmos, caso nos
ocorra sermos atingidos por tais investidas.
Esses meios podem ser chamados remédios, porque a ação
demoníaca provoca em nós distúrbios que não são menos incômodos
que as enfermidades do corpo. E assim como as doenças do corpo
podem conduzir à morte física, a atuação do demônio visa
produzir a morte da alma.
Remédios gerais, preventivos e liberativos
“E não nos deixeis cair em tentação,
mas livrai-nos do mal”.
(Mt 6, 13)
NA LUTA CONTRA a atividade demoníaca ordinária (tentações) e
extraordinária (infestação local, infestação pessoal sessão e
possessão), os autores recomendam, em primeiro lugar, os
remédios gerais oferecidos pela Igreja.
Práticas religiosas e devocionais
Oração e penitência; sacramentos e sacramentais
Antes de qualquer outro, vem o grande remédio indicado pelo
próprio Salvador, como o único capaz de vencer certa casta de
demônios — a oração e o jejum, acompanhados por
aquela fé que move as montanhas (cf. Mt 17, 14-20).
A oração por excelência é aquela que o próprio Cristo ensinou
quando seus discípulos Lhe pediram: “Senhor, ensina-nos a
rezar" — o Pai-Nosso (Lc 11, 1-4; Mt 6,9-13).
Nas duas últimas petições, rogamos ao Pai celeste que nos dê
forças para resistir aos assédios da carne, do mundo e do
demônio: “Não nos deixeis cair em tentação"; e que nos
livre do mal, do supremo mal — o pecado; e de seu
instigador — o demônio: livrai-nos do mal” ou “livrai-nos
do Maligno”.* A liturgia
em várias cerimônias recita o Pai-Nosso, todo ou, apenas
essas duas petições. É recitado por inteiro nos exorcismos
solenes sobre possessos.
* Os especialistas explicam
que, no texto grego dos Evangelhos, podemos entender essa
petição tanto no sentido de sermos livres do mal, como do autor
do mal, o Maligno, o demônio. “De fato, as duas interpretações
não se excluem — comenta o P. Jean Carmignac - uma vez que o fim
do demônio é o pecado e o pecado tem o demônio por instigador.
Contudo, segundo as diretrizes de Cristo, devemos pedir o
afastamento não somente do pecado, mas sobretudo do demônio” (Abbé
Jean CARMIGNAC, Á l´écoute du Notre Père, Éditions de Paris,
1971, p. 87; no mesmo sentido, J. de TONQUÉDEC S.J., Quelques
aspects de l´action de Satan en ce monde, p. 496, nota 5).
Depois vem a Ave-Maria — louvor da Mãe de Jesus, a qual,
por sua imaculada Conceição, esmaga para sempre a cabeça da
antiga serpente. É igualmente recitada nos exorcismos sobre
possessos.
Por fim, o Credo — Creio em Deus Pai — solene
profissão de fé católica, que infunde especial terror ao
demônio; também é recitado nos exorcismos sobre possessos.
Junto com a oração e a penitência, é indispensável a freqüência
aos sacramentos, sobretudo da Confissão e da Comunhão;
assim como o uso de sacramentais (como a água-benta e o
Agnus Dei) e de objetos bentos (velas, escapulários,
imagens, cruzes, medalhas - particularmente a Medalha
Milagrosa e a medalha-cruz exorcística de São Bento).
Devemos lembrar também o poder do Sinal da Cruz para
afugentar o demônio: o símbolo de nossa Redenção, que destruiu
seu reino, causa-lhe particular terror; o demônio foge...
como o diabo da cruz...— segundo o dito popular.
Além das quatro cruzes que se fazem no Sinal da Cruz, as
próprias palavras pronunciadas são de natureza
exorcística
deprecatória: "Pelo sinal (+) da Santa Cruz, livrai-nos Deus (+)
Nosso Senhor, dos nossos (+) inimigos. Em nome do Pai, e do
Filho, (+) e do Espírito Santo. Amém."
Por isso devemos fazer o Sinal da Cruz nas mais diversas
ocasiões: ao levantar e ao deitar, antes das refeições, ao sair
de casa, nas viagens, antes de tomar alguma resolução, etc.
A água-benta é feita expressamente para afastar dos lugares e
das sobre as quais é aspergida “todo o poder do inimigo e o
próprio inimigo com seus anjos apóstatas” conforme se lê no
Ritual Romano. (Rituale
Romanum, tit. VIII, c. 2.
). São numerosas no mesmo Ritual as bênçãos, orações
e cerimônias com o mesmo fim, aplicadas a objetos e lugares
diversos, as quais contém a mesma fórmula deprecatória contra
Satanás.
A confissão: mais forte que o exorcismo
Convém insistir na confissão freqüente — apesar das dificuldades
que hoje se apresentam para essa prática sacramental - pelo
empenho dos teólogos e dos exorcistas quanto à sua eficácia.
O exorcista da arquidiocese de Veneza, Pe. Pellegrino Emetti, da
Ordem de São Bento, enfatiza: “O sacramento da Confissão, nós o
sabemos, é a segunda tábua de salvação depois do Batismo. ... A
experiência ensina que dificilmente Satanás consegue penetrar em
uma alma que se lava freqüentemente com o Sangue preciosíssirno
de Jesus. Este sangue torna-se a verdadeira couraça contra a
qual Satanás pode forçar, porém não consegue abrir nenhuma
brecha. A freqüência assídua e constante desse sacramento é
necessária, seja para quem faz o exorcismo, seja para quem dele
tem necessidade. Estou certo, por urna longa experiência, que o
sacerdote deveria lavar a sua alma no sangue de Jesus até mesmo
diariamente, se quiser lutar juntamente com Jesus contra
Satanás, e sair vitorioso. É verdadeiramente este o
sacramento do qual Satanás tem medo ... Cristo venceu
Satanás com o próprio Sangue. E o Apocalipse explicitamente nos
diz: "Estes são aqueles que venceram Satanás com o Sangue do
Cordeiro “. (D.
P. ERNETTI O.S.B., La Catechesi di Satana, p. 251.)
É igualmente taxativo o Pe. Gabriele Amorth, exorcista da
diocese de Roma: “Muitas vezes escrevi que se causa muito mais
raiva ao demônio confessando-se, ou seja, arrancando do demônio
a alma, do que exorcizando e arrancando-lhe assim o corpo. ...
A confissão é mais forte que o exorcismo “. (G.
AMORTH, Un esorcista racconta, pp. 63 e 86.)
Desprezo soberano ao demônio
A esses meios, os santos e autores espirituais acrescentam o
desprezo soberano ao demônio.
Ouçamos Santa Teresa: “É muito freqüente que esses espíritos
malditos me atormentem; mas eles me inspiram muito pouco medo,
porque, eu o vejo bem, eles não podem sequer se mexer sem a
permissão Deus... Que se saiba bem: todas as vezes que nós
desprezamos os demônios, eles perdem sua força e a alma adquire
sobre eles mais domínio... Verem-se desprezados por seres mais
fracos, é, com efeito, uma rude humilhação para esses soberbos.
Ora, como dissemos apoiados humildemente em Deus, nós temos o
direito e o dever de os desprezar: Se Deus está conosco, quem
será contra nós? Eles podem latir, mas não podem nos morder,
senão no caso em que — seja por imprudência, seja por orgulho —
nos colocaremos em seu poder”.
(Apud
Ad. TANQUEREY - Jean GAUTIER, Abrégé de Théologie Ascétique
et Mystique, p. 112.)
É evidente que não devemos confundir esse desprezo ao demônio
com a vã pretensão de que, por nós mesmos, temos algum poder
sobre os anjos decaídos. Por natureza não temos nenhum poder
sobre eles; pelo contrário, por sua natureza superior, eles é
que podem ter domínio sobre nós. A base desse desprezo salutar
dos inimigos infernais tem de ser a mais perfeita humildade e a
confiança verdadeira e não temerária no Criador, na Santíssima
Virgem. Tomados esses cuidados, convém fazer o que a grande
Santa Teresa indica com tanta propriedade.
Sobretudo, devemos nos esforçar por ter uma vida de piedade
séria e autêntica, sem superstições nem sentimentalismos. Isto
manterá o demônio distante de nós, o quanto é possível.
Fortalecimento da inteligência e da vontade
Um grande meio preventivo na luta contra o demônio é o
fortalecimento de nossa inteligência e de nossa vontade.
Com efeito, a principal defesa de ordem natural que temos contra
as investidas dos espíritos malignos é a inviolabilidade dessas
faculdades superiores, as quais mais nos assemelham a Deus. Na
medida em que permitimos seu enfraquecimento, estamos nos
colocando á mercê de Satanás e seus seqüazes. Pois o demônio tem
lucrado tanto com o enlouquecimento geral a que estamos
assistindo em nossos dias, que é o caso de perguntar se não é
ele quem o está provocando.
Sem o consentimento da vontade humana, nenhua ação externa —
quer da parte dos anjos, quer dos demônios — pode surtir o seu
efeito: nenhum anjo pode constranger o homem a uma ação boa e
nenhum demônio o pode fazer pecar.
Deus dotou o homem de vontade livre, dom natural inapreciável,
que lhe permite decidir se acolhe ou não as boas inspirações, se
cede ou não às tentações, por mais que estas possam ser
apresentadas com grande habilidade e astúcia, comprometendo a
fantasia, ou com veemência, exacerbando as paixões e os
instintos. O homem não é mero objeto passivo de disputa entre os
anjos e os demônios, nem simples espectador inerte, mas um
sujeito eminentemente ativo e operante.
Os autores costumam ressaltar os perigos de uma pretensa
mística, que conduz ao abandono voluntário da inteligência e da
vontade.
É certo que Deus nos pode conceder a graça excecional da
contemplação passiva dos místicos; isso, porém, só acontece por
uma eleição gratuita exclusiva de Deus, sem cooperação de nossa
parte, a não ser uma humilde prontidão em fundir inteiramente a
nossa vontade com a divina, unindo-nos misticamente com Deus.
Se, entretanto, procuramos culpavelmente provocar em nós mesmos
essa passividade da vontade (por exemplo, por meio do
hipnotismo, do transe, do uso de estupefacientes e narcóticos de
vários tipos, de técnicas corporais ou espirituais), podemos nos
transferir ao mundo do pretersensível, como acontece no sono e
na contemplação mística; mas esse estado, ao invés de nos elevar
nas vias luminosas dos êxtases, pode arrastar-nos para baixo,
rumo a escuros abismos, onde não encontraremos anjos e sim
demônios, que nos tratarão como presas sem vontade, podendo
levar-nos à possessão.
De onde o perigo de certas escolas ou correntes que se
apresentam como meras técnicas de meditação, de concentração
espiritual ou coisa parecida, as quais, infelizmente, têm
encontrado aceitação até mesmo em setores e movimentos
católicos. (Escrevem
Noldin-Schmitt: “As Gnoses modernas que seguem teósofos e
antropósofos e as técnicas de meditação e concentração
hinduístas (ioga, budismo), que buscam conhec er ordens
superiores não estão isentas de influxo demoníaco, especialmente
quando diretamente buscados” (H. NOLDIN-A. SCHMITT, Summa
Theologiae Moralis, II, nn, 1 48ss, pp 138-155).)
Evitar toda superstição, refrear a vã curiosidade,
Por fim, é preciso evitar qualquer forma de superstição, de
curiosidade malsã e às vezes mórbida com relação ao mundo do
Além.
Aquilo que Deus quis que soubéssemos a esse respeito, Ele, em
sua bondade e misericórdia, revelou aos homens e colocou essa
Revelação sob a guarda e a interpretação da Santa Igreja. E aí
que devemos procurá-la, de acordo com nossas capacidades, e não
nas falácias de advinhos e de médiuns, com risco de entrar em
promiscuidade com os espíritos infernais.
Quanto ao nosso futuro imediato, terreno, também devemos
respeitar o mistério no qual Deus o mantém envolto. Podemos
rezar pedindo-Lhe que nos esclareça algo, se essa for a Sua
vontade e se isso for
útil para nossa eterna salvação. Porém, ir mais longe é correr o
risco de cair em superstição e assim ficarmos expostos ao
demônio, como também faltar com a confiança em Deus, que sabe
melhor do que nós o que nos convém conhecer. Devemos antes
agradecer-Lhe por nos poupar tantas angústias, escondendo-nos
hoje os males e preocupações de amanhã. Como disse o Salvador:"A
cada dia basta o seu cuidado” (Mt 6, 34).
Exorcismo: aspectos históricos
“Se eu, porém, lanço fora os demônios pela virtude do
Espírito de Deus, é chegado a vós o reino de Deus".
(Mt 12, 28)
OS EXORCISMOS constituem a grande arma (ou remédio específico)
da Igreja e dos fiéis contra a ação extraordinária do demônio —
isto é, a infestação e a possessão. Para melhor
compreender o que são os exorcismos convém estudar sua origem,
natureza e história.
O poder exorcístico, sinal do Reino de Deus
Jesus dá como característica do Reino de Deus por Ele fundado a
expulsão de satanás e dos seus demônios, e transmite este
carisma exorcístico aos seus Apóstolos, à sua Igreja.
Aos judeus incrédulos disse Jesus: “Se eu, porém lanço fora
os demônios pela virtude do Espírito de Deus, é chegado a vós o
reino de Deus” (Mt 12, 28). “Se eu, pelo dedo de Deus
lanço fora os demônios, certamente chegou a vós o reino de
Deus” (Lc 11, 20 ).
Após a Ressurreição, pouco antes de subir aos Céus, Nosso Senhor
enviou os Apóstolos pregar o Evangelho por todo e fez a seguinte
promessa: “E eis os milagres que acompanharão os que crerem:
expulsarão os demônios em meu nome...”(Mc 16,
17).
O Salvador destruiu as obras diabólicas, triunfou sobre Satanás
e, com a humilhação levada até a própria morte na cruz, mereceu
um nome superior a qualquer outro nome, por cuja invocação todos
os joelhos se dobram, seja dos seres celestes, terrestres ou
infernais:
" Deus o exaltou (a Jesus) e lhe deu um nome que está acima
de todo o nome; para que, ao nome de Jesus, se dobre
todo o joelho no céu, na terra e no inferno”
(Filip 2, 9-10).
"Santo e terrível é o seu nome!"
— exclamara profeticamente o Salmista (Sl 110,9).
Ao comunicar depois o poder exorcístico, Jesus recordou
expressamente que a eficácia dele provém, de um modo todo
especial, da utilização do Seu nome (cf. Mc 16, 17); de modo que
invocá-Lo sobre os endemoniados equivale a esconjurá-los e
libertar a pessoa pela mesma virtude de Cristo.
Santos Padres repetidamente exaltam a potência de um tal
remédio. São Justino, por exemplo, nos diz: “Invoquemos o
Senhor, de cujo simples nome os demônios temem a potência; e
ainda hoje esconjurados em nome de Jesus Cristo... se submetem a
nós ... Todo demônio esconjurado no nome do Filho de Deus ...
permanece vencido e atado”. (Apud
Mons. C. BALDUCCI, Gli Indemoniati, p. 86.)
O ministério exorcístico de Jesus e dos Apóstolos
A libertação dos possessos ocupa um lugar tão saliente na vida
pública do Salvador que os Evangelistas, de tempos em tempos,
resumem seu ministério por frases como as seguintes: “E
caindo a tarde, levaram a Jesus todos os doentes e os possuídos
pelo demônio... e Ele expulsava numerosos demônios... Ele
pregava nas sinagogas em toda a Galiléia, e expulsava os
demônios” (Mc 1, 32-34; 39) “Apresentavam-lhes todos os
que estavam doentes..., e os possuídos do demônio, e Ele os
curava” (Mt 4, 23-24). “Jesus curava muitas pessoas que
tinham doenças e espíritos malignos” (Lc 7, 21).
Acompanhavam o Mestre “algumas mulheres que haviam sido
curadas de espíritos malignos e de doenças, entre elas Maria,
chamada Madalena, da qual tinham saído sete demônios” (Lc 8,
2). O próprio Jesus sintetiza as várias formas de sua atividade
do modo seguinte: “Eis que eu expulso os demônios e opero
curas”
(Lc 13, 32). São Pedro repete a mesma idéia ao resumir a vida do
Mestre para o centurião Cornélio: “Ele passou fazendo o bem e
curando todos os que estavam sob o império do diabo” (At 10,
38).*
O tom imperativo, as fórmulas de um laconismo autori absoluto
que não admite réplica, com que Jesus se dirigia mônios, e a
prontidão com que estes obedeciam sem sombra sisténcia,
indicavam bem que Ele falava “como quem tinha dade” (Mc 1,22),
como Deus e Senhor.Já em sua vida terrena o Salvador, associando os Após Discípulos
ao seu ministério de evangelização, conferiu-lhes mente o poder
sobre os demônios. Em primeiro lugar, ao Apóstolos: “E,
convocados os seus doze discípulos, deu-lhe poder sobre os
espíritos imundos para os expelirem” (Mt 10, 6, 7; Lc 9, 1). E,
logo depois, aos Setenta Discípulos: “E os (discípulos) voltaram
alegres, dizendo: Senhor, até os denzôi nos submetem em virtude
de teu nome” (Lc 10, 17).
Depois da Ascensão, vemos os Apóstolos e Discípulos e rem esse
ministério exorcístico. Assim, São Paulo expulsa o nio de uma
mulher em Filipos, cidade da Macedônia, dizei espírito imundo:
“Ordeno-te, em nome de Jesus, que saias (mulher). E ele, na
mesma hora, saiu” (At 16, 18).
Era tal a força do exorcismo em nome de Jesus, que exorcistas
judeus quiseram imitar os Apóstolos e Discípulos. ocorreu com os
filhos de Ceva, príncipe dos sacerdotes, na de Efeso. Tendo
invocado sobre um possesso o nome “de .i quem Paulo prega ‘Ç o
espírito maligno os interpelou pela b possesso: “Eu conheço
Jesus, e sei quem é Paulo; mas vós, sois?” E o energúmeno,
atirando-se sobre dois deles, agarrou-os e "maltratou-os de
tal maneira que, nus e feridos, fugiram daquela casa" (At
19, 13-16).
*
Além dessas referências gerais, os Evangelhos relatam sete casos
especiais de expulsão do demônio por Jesus: 1º o endemoniado
de Cafarnaum (Mc 1,21-28; Le 4. 31-37); 2º um possesso
surdo-do-mudo, cuja libertação deu lugar à blasfêmia dos
fariseus (Mt 12, 22-23; Lc 11,14); 3° os endemononiados de
Gerasa (Mt 8, 28-34; Mc 5, 1-20; Lc 8, 26-39); 4º o
possesso mudo (Mt 9,32-34); 5º a filha da Cananéia
(Mt 15, 21-28; Mc 21-20 ); 6º o jovem lunático (Mt 17,
14-20; Mc 9,13-28; Lc 9,37-44); 7° a mulher paralítica
(Lc 13, 10-17).
O poder exorcístico dos Apóstolos se manifestava não só por sua
ação direta, mas também através de objetos neles tocados: “E
Deus fazia milagres não vulgares por mão de Paulo; de tal modo
que até sendo aplicados aos enfermos lenços e aventais que
tinham sido tocados no seu corpo, não só saíam deles as doenças,
mas também os espíritos malignos se retiravam” (At 19,
11-12).
Esse poder sobre o demônio, Jesus o comunicou a todos os seus
seguidores, de modo geral, e à sua Igreja, de modo particular.
Na Igreja primitiva
Nos primeiros séculos da Igreja, o poder exorcístico carismático
cpncedido por Jesus aos Apóstolos e aos Discípulos (Mt 10, 1 e
8; Mc 3, 14-15; Mt 6,7; 10, 17-20), e prometido mais tarde,
antes da Ascensão, a todos os cristãos (Mc 16, 17), era muito
difundido inclusive entre os simples fiéis, por um desíginio
particular da Divina Providência, que assim facilitar nos
inícios a difusão da fé cristã.
Todos os cristãos, clérigos ou simples fiéis, expulsavam os
demônios; o fato era tão generalizado, que constituía até um
argumento utilizado pelos apologistas para provar a divindade do
Cristianismo.
Os testemunhos são numerosos nos Santos Padres e escritores
eclesiásticos, tanto ocidentais como orientais.
Com o correr do tempo e estabelecida já a Igreja, esse poder
exorcístico carismático foi diminuindo, porém não desapareceu
totalmente da Igreja, como o testemunham a vida dos santos e as
crônicas missionárias. Em todas as épocas houve servos de Deus
que pela sua simples presença ou pelo contato de algum objeto
que lhes pertencia, ou ainda por intermédio de qualquer
relíquia sua, muitas vezes expulsaram os demônios, ou dos corpos
que eles molestavam, ou dos lugares por eles infestados.
A figura do exorcista
Exorcista
(do grego eksorkistés) é aquele que pratica exorcismos
sobre pessoas ou lugares que se acredita estarem submetidos a
algum influxo ou ação extraordinária do demônio; em outros
termos, é aquele que, em nome de Deus, impõe ao demônio que
cesse de exercer influxos maléficos em um lugar ou sobre
determinadas pessoas ou coisas. Em um sentido mais estrito, a
palavra exorcista, na praxe recente da Igreja latina (até
1972), indicava quem havia recebido a ordem menor do
exorcistado, que conferia o poder de expulsar os demônios,
ou seja, de realizar exorcismos.
Atualmente, chama-se Exorcista o sacerdote que recebe do
bispo a incumbência e a faculdade de fazer exorcismos sobre
possessos. Ele só pode usar dessa faculdade de acordo com as
normas estabelecidas, as quais serão vistas adiante. Muitas
dioceses têm pelo menos um exorcista permanente; em outras, o
bispo nomeia exorcistas conforme ocorram os casos em que sua
intervenção se faz necessária.
Nos primeiros séculos, sendo muito difundido na Igreja, mesmo
entre os simples fiéis, o poder carismático de expulsar os
demônios, não havia uma disciplina especial para os exorcismos
sobre os endemoniados, nem uma categoria especial de pessoas
eclesiásticas incumbidas de praticá-los
em nome da Igreja.
Desde cedo, porém, se estabeleceu um cerimonial para os
exorcismos batismais — isto é, aqueles que se procediam
sobre os catecúmenos, como preparação para o Batismo; e logo se
constituiu uma classe particular de pessoas para proceder a
eles. Era a ordem menor dos exorcistas que surgia na Igreja
latina, com a incumbência, num primeiro momento, de realizar
apenas os exorcismos batismais, e não aqueles sobre os
possessos, os quais, como ficou dito, eram feitos por qualquer
fiel, sem mandato especial.
Com o passar do tempo e com a consolidação e expansão da Igreja,
a freqüência do poder exorcístico carismático foi diminuído, se
bem que de forma desigual conforme os lugares; os fiéis se
voltaram então, nos casos de infestação ou possessão demoníaca,
para as pessoas revestidas do poder de ordem — isto é, os
diáconos, os sacerdotes e os bispos — e igualmente, como era
natural. exorcistas dos catecúmenos.
A Igreja sancionou essa prática com o seu poder ordinário,
conferindo a tais exorcistas também a faculdade e o poder de
exorcizar possessos.
Entretanto, devido à dificuldade no diagnosticar a possessão,
bem como por causa da delicadeza e importância de um tal oficio,
a Igreja foi limitando pouco a pouco o exercício desse poder a
um número restrito de pessoas. Uma carta do Papa Santo Inocêncio
I a Decêncio , bispo de Gubbio (Itália), do ano de 416, supõe já
que os exorcismos sobre possessos eram feitos em Roma unicamente
por sacerdotes ou diáconos que para isso tinham recebido
autorização episcopal.
O exorcistado passará a ser considerado desde então
somente como um dentre os vários graus através do qual o futuro
sacerdote se preparava para as ordens maiores. Embora essa ordem
menor concedesse sempre um poder efetivo sobre Satanás, o
exercício desse poder ficava ligado a outros requisitos.
Essa disciplina, estabelecida pelo menos desde o século V, foi
prevalecendo com o tempo em toda a Igreja do Ocidente, até
tornar-se norma universal, e assim chegou até os nossos dias com
o Código de Direito Canônico de 1917 (cânon 1151) e o novo
Código de 1983 (cânon 1172), os quais mantiveram a reserva dos
exorcismos sobre possessos unicamente a sacerdotes delegados
para tal respectivo Ordinário, o qual deve considerar neles
especiais dotes de virtude e ciência.
Quanto à ordem menor do exorcistado, ela confinou a
existir como preparação ao sacerdócio na Igreja latina até ser
completamente abolida por Paulo VI em 1972, juntamente com as
demais ordens menores.
Nas Igrejas orientais, o oficio de exorcista era
conhecido desde o século IV, porém não constituía uma ordem
menor e seus membros não faziam parte do clero.
Exorcismo: o que é?
“Nós te elo exorcizamos, espírito imundo...
em nome e pelo poder de Jesus (+) Cristo..."
(Exorcismo contra Satanás
e os anjos apóstatas)
OS EXORCISMOS CONSTITUEM atos insignes de fé religião e de
religião, pois supõem a crença no poder soberano de Deus sobre
os demônios, sendo mesmo uma aplicação prática dessa crença.
No presente capítulo aprofundaremos um pouco mais a noção de
exorcismo, em que consistem, qual o seu fundamento teológico e a
sua eficácia, como se dividem e sobre quem podem ser feitos.
Noção e divisão
Os exorcismos não são simples orações a Deus, á Virgem
aos anjos e santos pedindo que nos livrem dos ataques do
Maligno, ou graças para enfrentá-los. Isso é necessário, sem
dúvida, mas constitui apenas um dos recursos ordinários à
disposição de qualquer pessoa. Os exorcismos são mais do que
isso: são um ato pelo qual o exorcista, pela autoridade da
Igreja ou pela força do nome de Deus, impõe ao demônio que
obedeça e cesse a presença ou atuação nefasta que está exercendo
sobre lugares, coisas ou pessoas.
Assim, fazem-se exorcismos sobre lugares e coisas (incluindo aí
o reino vegetal e o reino animal, e também os elementos
atmosféricos), com os quais se proíbe que o demônio exerça más
influências sobre eles (infestação local); praticam-se
igualmente exorcismos sobre pessoas atormentadas ou perturbadas
pelos espíritos malignos (infestação pessoal) ou até possuídas
por eles (possessão diabólica), que têm a finalidade de libertar
essas pessoas das influências maléficas e do poder e domínio de
Satanás.
No caso das criaturas irracionais, a adjuração se dirige mais
propriamente àquele que queremos mover; isto é, ou se dirige a
Deus, a modo de súplica, para que evite que essas criaturas
sirvam de instrumento do demônio; ou se dirige ao demônio,
impondo-lhe que deixe ou cesse de se servir delas. E este é o
sentido da adjuração da Igreja nos exorcismos e também nas
bênçãos deprecatórias contra ratos, gafanhotos, vermes e outros
animais nocivos.
Os exorcismos podem ser divididos segundo vários critérios.
Assim, no que diz respeito à solenidade com que se fazem,
os exorcismos se classificam em solenes e simples.
Os exorcismos solenes, também chamados exorcismos
maiores, são àqueles feitos sobre pessoas possessas,
e visam libertá-las do domínio exercido sobre elas pelo espírito
do mal. Constituem o exorcismo-tipo, isto é, o que que
retém o sentido mais estrito da palavra e se encontram no
Ritual Romano.(Rituale
Romanum, tit. XI c. 2: Ritus exorcizandi obsessos a daemonio
— Rito para exorcizar os possessos pelo demônio.)
Os exorcismos simples são de dois gêneros:
a) aquele feito para impedir ou coarctar o influxo do demônio
sobre as pessoas, coisas e lugares (infestação pessoal ou
local), chamado Exorcismo de Leão XIII ou pequeno
exorcismo, contido igualmente no Ritual; (Rituale
Romanum, tit. XI c. 3: Exorcismus in satanam et angelos
apostaticos — Exorcismo contra Satanás e os anjos apóstatas.)
b) exorcismos vários, que se efetuam nas cerimônias do Batismo
solene, na bênção da água e do sal e na consagração dos Santos
Óleos, etc (encontram-se no Ritual Romano e livros
litúrgicos correspondentes).
O principal critério, entretanto, para a divisão dos exorcismos
é aquele referente à autoridade em nome da qual e por
cujo poder se fazem. De acordo com esse critério, os exorcismos
se dividem em pública e privados, segundo sejam
feitos em nome e pela autoridade da Igreja, no primeiro caso, ou
em nome do próprio exorcizante, no segundo. Essa distinção é
fundamental para as considerações que vêm adiante.
Origem e fundamento teológico do poder exorcístico
O homem não tem nenhum poder natural sobre os demônios uma vez
que estes, embora decaídos, não perderam sua natureza angélica.
Por isso tem que recorrer, obrigatoriamente, a uma natureza
superior à deles para livrar-se dos ataques e insídias dos
espíritos malignos.
Por natureza, os demônios dependem exclusivamente de Deus, única
natureza acima da angélica.* Só
Deus tem um poder absoluto sobre todas as criaturas; portanto,
só Ele pode dominar de modo absoluto sobre os demônios. Contudo,
Ele pode conferir a quem desejar o poder de dominar sobre os
demônios, pela virtude de Seu Nome. Por isso, a força coercitiva
dos exorcismos e a garantia de sua eficácia — assim como a sua
liceidade — estão em serem praticados em nome de Deus e por
aqueles que dEle receberam tal poder.
*Algum
anjo poderia ter uma natureza mais elevada do que a de Lúcifer;
entretanto, se gundo a crença comum, Lúcifer teria sido o anjo
mais elevado, naturalmente falando, estando assim, por natureza,
acima de todos os demais anjos. Quanto aos outros demônios,
alguns são mais elevados, outros menos, que os anjos bons,
estando pois, no que se refere á pura natureza, acima ou abaixo
deles. Pela graça, todos os anjos bons estão acima dos demônios
— inclusive de Lúcifer — ainda que inferiores em natureza.
A quem conferiu Deus tal poder sobre os demônios?
Em primeiro lugar, Cristo conferiu à Sua Igreja, por meio dos
Apóstolos, um “poder sobre os espíritos imundos para os
expelir" (Mt 10, 1; Mc 6,7; Lc 9, 1). E o que se chama
poder exorcístico ordinário da Igreja.
Além disso, alguns cristãos — sacerdotes ou mesmo simples fiéis
— recebem de Deus um carisma de expulsar os demônios. É
o que se chama poder exorcístico carismático.**
Chama-se poder carismático aquele que deriva de um
carisma. Os carismas são dons gratuitos,
extraordinários e em geral transitórios, concedidos por Deus a
algumas pessoas, não tanto para proveito próprio delas (embora
possam contribuir para sua santificação), mas sobretudo para o
bem do próximo e a edificação da Igreja. O fundamento da
doutrina sobre os carismas se encontra em São Paulo (cf. 1 Cor
12, 7; Ef. 4, 12, Rom 12 6-8). Os teólogos distinguem três
classes de carismas: dons de governo, dons de ensino
e exortação e dons de assistência corporal. Entre
estes últimos estão os dons de cura, dos quais uma
espécie é o de expulsar os demônios, o que constitui uma forma
de curaPor fim, os teólogos explicam que existe um outro poder
exorcístico, que tem sua origem e fundamento numa apropriação
do poder exorcistico por parte de qualquer fiel, “seja
motivada pela vida que Cristo Nosso Senhor obteve sobre Satanás,
seja da união com Ele pela fé ao menos atual”. (Mons.
C. BALDUCCI, Gli indemoniati, pp. 90-91; El diablo,
p. 256.)
Com efeito, todo cristão pode fazer uso do poder exorcístico que
Cristo prometeu genericamente a todos os que crerem nEle, quando
disse: “E eis os milagres que acompanharão os que crerem:
expulsarão os demônios em meu nome” (Mc 16, 17). Ou
então aplicar a si mesmo aquela outra promessa ainda mais ampla:
"Em verdade, em verdade vos digo que aquele que crê em mim
fará também as obras que eu faço, e fará outras ainda maiores”
(Jo 14, 12). Ora, entre as obras de Jesus destaca-se
a expulsão dos demônios e a vitória final sobre Satanás.
Finalmente, pode fazer valer para si aquele poder concedido por
Nosso Senhor aos Seus seguidores: “Eis que eu vos dei poder
de calcar serpentes e escorpiões e toda a força do inimigo, e
nada vos fará dano” (Lc 10, 19).
De onde poder-se indicar um tríplice título ou fundamento
teológico do poder exorcístico:
1. uma concessão ordinária feita por Cristo à sua
Igreja;
2. uma comunicação carismática extraordinária a alguns de
seus servidores, independentemente de pertencerem ou não ao
clero;
3. uma apropriação de tal poder por parte de qualquer
fiel.
Dessas três vias, a primeira constitui o fundamento dos
exorcismos públicos, enquanto as duas últimas fundamentam
os exorcismos privados.
Daí se deduz a eficácia de uns e de outros, como veremos a
seguir.
Eficácia dos exorcismos
Exorcismos públicos
Há uma diferença relevante entre os exorcismos públicos e
os privados; no primeiro caso, o exorcismo será um
sacramental,* que não
ocorre com os últimos.
*
Por sacramentais entendem-se certas coisas sensíveis
(água-benta, velas bentas, Agnus Dei, medalhas) ou certas
ações (bênçãos, exorcismos, consagrações, etc.) da quais a
Igreja se serve pata obter determinados efeitos especialmente
espirituais. A força dos sacramentais vem do poder de
intercessão da Igreja.
Enquanto sacramentais, os exorcismos públicos têm uma eficácia
toda particular, que depende não só das disposições do exorcista
e do paciente, mas também e principalmente da oração da Igreja,
a qual tem um especial valor impetratório junto a Deus.
A eficácia dos exorcismos públicos, se bem que muito grande, não
é infalível; e isto porque as orações mesmas da Igreja, segundo
a economia ordinária que Deus segue no atendê-las, não têm
efeito infalível; e também porque o poder da Igreja sobre os
demônios não é absoluto mas condicionado ao beneplácito do poder
divino, que às vezes pode ter justos motivos para retardar ou
proibir a saída deles de um lugar ou de uma pessoa. Este valor
condicionado, porém, não está minimamente em contradição com a
forma imperativa do exorcismo, pois que a condição diz respeito
à vontade divina, não à demoníaca, a qual de si, está plenamente
sujeita ao poder da Igreja.
Exorcismos privados
Os exorcismos privados não constituem um sacramental como
o público, isto é, não contam com a força intercessora
da Igreja. Assim, a sua eficácia vem ou da força do
carisma por base a fé na promessa feita pelo Salvador.
A eficácia do poder exorcístico carismático é segura, infalível,
uma vez que o próprio Deus, ao conceder o carisma, garante, por
meio de uma inspiração, que o uso desse carisma está conforme
com os Seus desígnios, e obterá, por conseguinte, o efeito qual
foi concedido.*
*Segundo
os teólogos, Deus concede o dom do carisma com muita
parcimônia; de modo que se deve proceder com muita prudência,
antes de concluir que alguém é possuidor de algum carisma; maior
prudência ainda é exigida da própria pessoa que presume ser
possuidora de algum deles. Os autores de teologia ascética e
mística, seguindo o ensinamento de São João da Cruz, aconselham
a não se desejar nem pedir graças e dons extraordinários: deve
bastar-nos a via normal; pois esses dons não são necessários
para alcançar a salvação e a perfeição cristã, e até, ao
contrário, por causa de nossas más inclinações, podem servir de
obstáculo a elas. Por outro lado, é muito freqüente o demônio
imiscuir-se nessas vias extraordinárias, de maneira que nem
sempre é fácil distinguir o que vem do Espírito de Deus e o que
vem do espírito das trevas.
No caso da apropriação do poder exorcístico por parte do
fiel, ao contrário, a eficácia resulta inferior àquela do
exorcismo público, pois falta-lhe a força impetratória da
Igreja, por não constituir ele um sacramental. Em
conseqüência, a eficácia do exorcismo privado não-carismático
depende muito da virtude — sobretudo da fé - daquele que o
pratica, condicionada sempre ao divino beneplácito.
É preciso acentuar, como acima ficou dito, que muitas vezes os
exorcismos não têm efeito, não pela falta de fé da pessoa
exorcizante, ou pelo poder dos demônios, mas pelos desígnios de
Deus, seja para castigo, seja para a purgação e santificação da
vítima, ou por outro motivo que só Ele conhece.
A quem exorcizar?
Número infinito de infelizes atormentados pelo demônio
O Ritual Romano reserva os exorcismos solenes
somente às pessoas que dêem sinais inequívocos de possessão. Mas
os exorcistas ( e não só eles, também os demais sacerdotes) se
deparam com casos muito mais freqüentes de pessoas que, sem
estarem propriamente possessas, estão sofrendo vexações do
demônio.
O Pe. Joseph de Tonquédec S.J., que por mais de vinte anos foi
exorcista da arquidiocese de Paris e grande demonólogo,
escrevia, já em 1948.
"A questão que vamos tratar não é do campo da psicologia ou da
experiência em geral; ela é propriamente teológica.
"O que nos levou a refletir sobre ela foi a insistência de um
número infinito de infelizes que, não apresentando os sinais de
possessão diabólica, não se comportando como possessos,
recorrem, entretanto, ao ministério do exorcista para serem
libertados de suas misérias: doenças rebeldes, azar,
infelicidade de toda espécie.
“Enquanto os possessos são muito raros, os pacientes dos quais
falo são legião. Não seria legítimo tratá-los como possessos,
uma vez que, em toda evidência, eles não o são. Por outro lado,
eles não são também, sempre e necessáriamente, doentes mentais
sobre os quais um tratamento psiquiátrico teria chance de dar
certo...
“Em qualquer caso, estamos simplesmente em presença de infelizes
de toda espécie, cujas queixas nos fazem compreender a gama dos
infortúnios humanos. Tomados de pena por eles, nós nos
perguntamos a que meios recorrer para os ajudar.
“Então nos vêm à lembrança certas páginas dos nossos Santos
Livros, certas orações ou práticas litúrgicas que supõem a
influência do demônio, presente muito além das regiões onde
temos o costume de o confinar”.
O autor recomenda que nesses casos se usem os sacramentais
(água-benta, sal bento), orações, bênçãos, o Exorcismo de
Leão XVIII (Exorcismo contra Satanás e os anjos apóstatas),
etc. (J.
de TONQUEDEC S.J., Quelques aspects dei l‘action de Satan eu
ce monde, p. 493.)
Por seu lado, o exorcista da diocese de Roma, Pe. Gabriele
Amorth, comenta:
“Atualmente o Ritual considera diretamente só o caso de
possessão diabólica, ou seja, o caso mais grave e mais raro. Nós
exorcistas nos ocupamos, na prática, de todos os casos nos quais
percebemos uma intervenção satânica: os casos de infestação
diabólica (que são muito mais numerosos do que os casos de
possessão) , os casos de infestação pessoal, de infestação de
casas e ainda outros casos nos quais temos visto a eficácia das
nossas orações. ... Por exemplo, não são claros os confins entre
possessos e infestados; tampouco são claros os confins entre
infestados e vítimas de outros males: males físicos que podem
ser causados pelo Maligno; males morais (estados habituais de
pecado, sobretudo nas formas mais graves), nos quais certamente
o Maligno tem sua parte. Por exemplo tenho visto às vezes
vantagem em usar o exorcismo breve na ajuda ao sacramento da
Confissão nas pessoas endurecidas em certos pecados, como os
homossexuais. Santo Afonso, o Doutor da Igreja para a Teologia
Moral, falando para os confessores, diz que antes de qualquer
coisa o sacerdote deve exorcizar privadamente quando
se encontra diante de algo que possa ser infestação demoníaca" (G.
AMORTH, Un esorcista racconta, pp. 199-200.)
Uso freqüente dos exorcismos simples e dos exorcismos
privados
Nesses casos a solução parece estar no uso mais freqüente dos
exorcismos (públicos) simples (que são
sacramentais e por isso têm a uma força própria, que é a da
Igreja), por parte dos sacerdotes — tanto exorcistas como
não-exorcistas, já que não exigem delegação especial — sobre
todas essas pessoas que, sem serem possessas, são perseguidas ou
influenciadas pelo demônio.
É o que recomendam os Moralistas; assim os jesuítas Pes. H.
Noldin e A. Schmitt:
"Deve-se persuadir muitíssimo os ministros da Igreja a que mais
freqüentemente façam uso do exorcismo simples, lembrando-se das
palavras do Senhor: Em meu nome expulsarão os demônios;
façam uso sobretudo sobre aqueles que sejam objeto de tentação
veemente sobre penitentes nos quais percebem dificuldades em
excitar a dor e os propósitos a respeito dos pecados, ou em
manifestar sinceramente os seus pecados. Podem utilizar esta
fórmula ou semelhantes: Eu te ordeno, em nome de Jesus,
espírito imundo, que te afastes desta criatura de Deus” (H.
NOLDIN S.J. - A. SCHMITT S.J. - G. HEINZEL S.J., Summa
Theologiae Moralis, p. 43.)
Nada impede — como veremos — que em tais circunstâncias também
os leigos pratiquem exorcismos privados, não só sobre si
mesmos, mas igualmente sobre terceiros importunados pelo
demônio, observadas as cautelas que adiante se dirão. Pois as
palavras de
Nosso Senhor lembradas acima — Em meu nome expulsarão os
demônios — foram ditas a todos os fiéis.
Esse é o ensinamento também de São Tomás, citando outra passagem
dos Evangelhos: “Podemos pois adjurar os demônios pelo poder do
nome de Jesus, expulsando-os de nós mesmos como a inimigos
declarados, a fim de evitar os danos espirituais e corporais que
nos possam vir deles. Poder que nos deu o próprio Cristo:
'Eis que eu vos dei poder de calcar serpentes e escorpiões e
toda a força do inimigo, e nada vos fará dano’ (Lc 10, 19)”.
(Suma
Teológica,
2-2, q. 90, a. 2.)
Exorcismo: legislação
"Sem licença peculiar e expressado Ordinário do lugar,
ninguém pode realizar legitimamente
ente
exorcismos sobre os possessos".
(Código de Direito Canônico)
DEPOIS DE VER a noção, o fundamento teológico e a eficácia dos
exorcismos, parece conveniente dar em linhas gerais a legislação
atualmente em vigor sobre a matéria.
Das origens ao Código de Direito Canônico
Direito da Igreja de restringir poderes
A Igreja, detentora do poder das chaves, tem o direito de
reservar aos sacerdotes certas práticas que, em si mesmas,
teologicamente falando, poderiam ser realizadas também por
leigos, por não exigirem o poder de ordem. Assim foi com a
distribuição da Sagrada Eucaristia, que nos primeiros tempos era
feita também por simples fiéis, sendo mais tarde reservada aos
diáconos e sacerdotes e só recentemente voltando a ser permitida
aos leigos, mediante licença do respectivo bispo.
Foi o que se deu igualmente com relação aos exorcismos sobre os
possessos: nos primórdios da Igreja, quando a abundância de
carismas era um fato, os fiéis expulsavam os demônios por força
desses carismas, sem necessidade de recorrer aos sacerdotes e ao
bispo.
Porém a partir já do século V, em vista de abusos, como também
da diminuição dos carismas, ao mesmo tempo que decrescia o
número de possessos pela expansão do Cristianismo, começou a
reserva desses exorcismos apenas aos sacerdotes, e somente
quando autorizados pelo seu bispo. Essa norma foi-se estendendo
com o tempo até que, finalmente, com o Código canônico mandado
elaborar por São Pio X e promulgado por Bento XV em 1917, se
tornou lei universal. (Cf.
Código de Direito Canônico (1917), cânon 1151 § 1.)
O novo Código de Direito Canônico (1983) conservou essa norma:
“Sem licença peculiar e expressa do Ordinário do lugar,
ninguém pode realizar legitimamente exorcismos sobre os
possessos”. (Código
de Direito Canônico,
cânon 1172 § 1.)
Prudência da Igreja
Mons. Maquart, demonólogo francês, ressalta a prudência da
Igreja ao reservar os exorcismos solenes sobre os possessos
apenas aos padres autorizados: “Diversas razões levaram a Igreja
a reservar muito estritamente a prática dos exorcismos solenes.
A luta do exorcista contra o demônio não está isenta de perigos
morais mesmos físicos, para o padre exorcista; a Igreja não quer
e não pode expor desconsideradamente seus ministros”. (Mgr
F. X. MAQUART, L’exorciste devant les manifestations
diaboliques, p. 328.)
Entre as razões dessa reserva dos exorcismos sobre os possessos
a sacerdotes que satisfaçam a certos requisitos — com a
conseqüencia proibição aos leigos — os Autores enumeram as
seguintes:
a. Perigos espirituais e mesmo físicos a que o exorcista está
exposto: tentações contra a fé, contra a pureza; agressões
psíquicas ou mesmo físicas por parte do demônio...
b. Necessidade de grande ciência, piedade e prudência para o
confronto direto com o demônio: preparo para enfrentar as
falácias, sofismas e embustes do pai da mentira; para saber como
conduzir o exorcismo; para certificar-se de que o demônio saiu
realmente do corpo do possesso ao fim dele; e também para
discernir a verdadeira possessão de outros fenômenos, até
naturais, parecidos com ela, como estados mórbidos, alucinações,
ilusões...
c. Risco de se profanar o Nome de Deus, tomando-O em vão na
falsa possessão, sendo o exorcismo a adjuração do demônio
em
nome de Deus
a que abandone a criatura que possui ou infesta (a
obrigatoriedade de recorrer ao bispo de cada vez conduz a
que os casos estudados com maior cuidado, os indícios examinados
[com maior prudência).
d. Possibilidade de abusos, como exorcizar doentes mentais, com
perigo de agravar seus males (pela grande tensão e esforço
mental até físico que o exorcismo comporta, e pelo caráter
impressionante deste); ganância (pedidos de remuneração,
aceitação de presentes...); solicitações pecaminosas...
Se esses riscos existem para membros do clero (a tal ponto que a
lei canônica estabelece que não sejam facultados para fazer
exorcismos senão sacerdotes que tenham ciência, prudência e
santidade de vida), que têm formação teológica, graça de estado,
experiência pastoral, muito maiores serão para os leigos que,
normalmente, não tem estudos especializados ou qualquer outro
preparo.
A legislação em vigor
Exorcismos solenes sobre possessos
Embora qualquer sacerdote (e mesmo, como veremos, qualquer fiel)
seja teologicamente capaz de fazer exorcismos, mesmo sobre
possessos, entretanto, desde há muitos séculos, a Igreja dá a
faculdade de exorcizar solenemente (isto é, de
fazer exorcismos sobre possessos) só a sacerdotes distintos pela
piedade e prudência, mediante uma expressa licença do
Ordinário e com a obrigação de observar fielmente o disposto
no Código de Direito Canônico e no
Ritual Romano.
Os exorcismos sobre possessos (exorcismos solenes;),
só podem ser feitos legitimamente:
a. mediante licença peculiar (para cada caso concreto) e
expressa (não pode ser presumida) do Ordinário do lugar.
(CIC-83
cânon 1172 § 1; CIC- 17 cânon 1151, § 1.)
b. essa licença não deve ser concedida senão a sacerdotes
(não
pode ser dada a leigos ou religiosos não-sacerdotes) de
reconhecida piedade, prudência, ciência e integridade de vida. (CIC-83
cânon 1172 § 2; CIC-17 cânon 1151 §2.)
c. estes sacerdotes não procederão senão depois de constatar,
mediante diligente e prudente investigação, que se trata
realmente de um caso de possessão diabólica.(C1C-
17 cânon 1151 § 2; Ritual Romano, titulo XI, c. 1.)
d. os exorcistas observarão cuidadosamente os ritos e as
formulas aprovados pela Igreja. (C1C-
83 cânon 1167 § 2; cf. CIC-17 cânon 1148 § 1; Ritual Romano,
título XI, c.2.)
Os exorcismos são feitos normalmente na igreja ou em algum outro
lugar pio ou religioso, salvo os casos de enfermos ou a presença
de motivos graves em contrário; não, porém, diante de
um público numeroso. Sempre que os exorcismos devam fazer-se
sobre uma mulher é necessário que assistam a ele parentes
próximos ou mulheres de honestidade exemplar; e que a vítima
esteja vestida decorosamente.
No exorcizar, o ministro deve ater-se ordinariamente às
fórmulas do Ritual Romano, evitando em cada caso o uso de
remédios ou de práticas supersticiosas. Deve evitar
absolutamente fazer perguntas não oportunas ou não adaptadas ao
escopo, ou não necessárias, ou de mera curiosidade, bem como
aquelas que visem a descobrir acontecimentos futuros. Por outro
lado, o exorcista deve perguntar ao demônio se ele está só ou
com outros espíritos malignos, qual o nome deles, o tempo do
início da possessão e a causa dela.
Os exorcismos podem ser realizados não apenas sobre possessos
católicos, praticantes ou não, e até excomungados, mas também
sobre pessoas de outras religiões ou de todo pagãs, desde que em
cada caso se tenha uma certeza moral de que se trata de
verdadeiros endemoniados. (Código
de Direito Canônico
(1917), cânon 1152.)
Exorcismos em casos de infestação local e pessoal
No caso de infestações locais e pessoais, o Ritual Romano
reserva a recitação do Exorcismo contra Satanás
e os anjos apóstatas, publicado por ordem de Leão XIII, aos
bispos e padres autorizados pelo bispo diocesano.(Rituale
Romanum, tit. XII, c.3.
) (Como simples oração, pode ser recitado por qualquer pessoa,
sacerdote ou leigo, sem necessidade de nenhuma autorização
especial.).
Além disso, um documento recente da Santa Sé transforma em norma
disciplinar essa rubrica do Ritual, reiterando assim a
proibição de os sacerdotes não autorizados pelos respectivos
bispos - como também os leigos — utilizarem a referida fórmula (CONGREGAÇÃO
PARA A DOUTRINA DA FÉ, Carta aos Ordinários de lugar.
relebrando as normas vigentes sobre os exorcismos, 29 de
setembro de 1985, in Acta Apocalipse Sedis, An. et vol. LXXVII,
2 Decembris 1985, N. 12, pp 1169-1170.)
O mesmo documento proíbe, ainda, ao sacerdote não autorizado
pelo Ordinário, a presidência de “reuniões de libertação do
demônio", nas quais se dêem ordens diretamente ao demônio,
ainda que não se trate propriamente de exorcismos sobre
possessos, desde que pareça haver algum influxo diabólico. (Carta
cit. § 3.
)
Outros exorcismos
Os exorcismos que se efetuam nas cerimônias do batismo solene,
na benção da água e do sal e na consagração dos Santos Óleos,
apresentados no Ritual Romano e demais livros litúrgicos,
podem ser feitos legitimamente proceder às cerimônias em que
eles ocorrem (por exemplo, os catequistas e outros ministros
extraordinários do Batismo, mesmo que sejam leigos e até
mulheres).
“Somos todos exorcistas"
"Em meu nome expulsarão os demônios."
(Mc 16,17)
DO ATÉ AQUI EXPOSTO ficou claro que também os leigos podem
proceder a exorcismos, pelo menos em certas circunstâncias e sob
certas condições. O presente capítulo procura esclarecer qual a
origem e o fundamento teológico do poder exorcístico específico
dos leigos, bem como as condições em que legitima e eficazmente
podem fazer uso dele.
Podem os leigos exorcizar?
Possibilidade teológica
A rigor, do ponto de vista teológico, nada impede que um
leigo possa proceder eficazmente a exorcismos, mesmo sobre
possessos. A explicação teológica já ficou insinuada acima,
porém de modo fragmentário, pelo que parece oportuno
aprofundá-la aqui.
Já vimos como, nos primeiros tempos, fiéis que não tinham
recebido o caráter sacerdotal, nem tampouco carismas especiais,
procediam aos exorcismos batismais. Esses fiéis foram
incorporados ao clero, vindo a constituir a ordem menor dos
exorcistas, e passando a exorcizar também possessos; com o
tempo, por uma série de razões históricas e disciplinares, suas
funções acabaram por ser absorvidas pelos sacerdotes, e o
exorcistado, embora continuando conferir um poder efetivo
sobre o demônio, ficou reduzido simples degrau para a recepção
do sacerdócio, até ser abolido em 1972, junto com as demais
ordens menores. Com a reforma litúrgica de Paulo VI esse
ministério, relativamente aos exorcismos batismais, passou a ser
novamente confiado a leigos: os atuais catequistas e outros
ministros extraordinários do Batismo.
Num e noutro caso - isto é, no dos primitivos exorcistas e no
dos novos ministros extraordinários do Batismo — trata-se de
fiéis que, como ficou dito, não receberam a ordenação sacerdotal
(no segundo, esse ministério é confiado inclusive a mulheres), o
que indica que tal ordenação não é teologicamente necessária
para que alguém possa proceder eficazmente a exorcismos, mesmo
em caráter oficial, isto é, em nome da Igreja.
Porém, não é a estes casos de pessoas delegadas pela
Igreja que queremos nos referir, pois se poderia pensar que
sempre é necessária alguma espécie de investidura eclesiástica
para adquirir a capacidade teológica para exorcizar o
demônio. O que investigamos aqui é se o simples fiel, sem
nenhuma investidura oficial, tem poderes
— teologicamente falando — para proceder eficazmente aos
exorcismos.
Poder dado pelo Batismo, pela Confirmação e pela Eucaristia
O
homem não tem nenhum poder natural sobre Satanás e os espíritos
infernais: se não fosse socorrido por Deus, ficaria inteiramente
à mercê do Maligno. E, de fato, pelo pecado original, todos nos
tínhamos tornado escravos dele. Nosso Senhor, na sua
misericórdia, resgatou-nos da tirania do demônio por sua morte
de Cruz. E Ele que participemos de sua luta, assim como nos
associa ao seu triunfo. Isto se dá pelo Batismo, que nos
incorpora a Cristo e nos faz partícipes de sua luta e de sua
vitória. Pois o corpo participa de toda a vida da Cabeça. Eis aí
o título fundamental que nos faz exorcistas a todos os
batizados.
É por isso que Dom Pellegrino Ernetti 0.S.B. — exorcista da
arquidiocese patriarcal de Veneza dá ao capítulo final de seu
livro o seguinte título: “Somos todos exorcistas “.
Escreve Dom Pellegrino: “As orações e o exorcismo preventivo são
inerentes ao próprio estado de ser cristão, enquanto batizado,
crismado e que vive a vida da Eucaristia. Do caráter batismal
lhe provém já o título de verdadeiro lutador contra
Satanás. E a própria oração do Pai-Nosso lhe confere o
título válido para lutar em forma
preventiva. O cristão não somente tem o estrito dever de soldado
e seguidor de Cristo, o qual veio á terra para expulsar e
destruir a obra do demônio, mas tem inclusive o
direito de participar nesta luta, direito sempre
proveniente, seja do caráter batismal, seja crismal, e, nutrido
de Jesus na mesa eucarística, se torna sempre mais forte para
obter a vitória, juntamente com seu Rei e Vencedor, Cristo.
“Portanto: todos somos exorcistas, lutadores e
vencedores de Satanás! Como exorcista, o fiel no faz outra
coisa senão exercitar o seu jus nativum, consubstanciado
no sacerdócio comum dos fiéis”. (D.
Pellegrino ERNETTI O.S.B., La Catechesi di Satana, pp.
245-246)
Teológicamente falando — e abstraindo igualmente de carismas
extraordinários —, todos os fiéis somos, pois, exorcistas,
sem que seja necessária nenhuma espécie de investidura
eclesiástica para adquirir a capacidade para exorcizar o
demônio. Essa capacidade está in radice no Batismo, que
nos faz filhos de Deus, membros do Corpo Místico de que Cristo é
a Cabeça; e é reafirmada pela Confirmação, que nos faz soldados
de Cristo e nos dá, junto com o dever de lutar por Ele, a
capacidade para tal combate; e é alimentada pela Eucaristia.
Porém, esse poder exorcístico, por sábias razões de prudência,
está limitado pela leis da Igreja, como se verá a seguir.
Limitações canônicas
Se não existem empecilhos de natureza teológica para que um
leigo possa praticar exorcismos, ocorrem entretanto impedimentos
de natureza canônica, isto é, de lei positiva da Igreja.
O primeiro deles é a proibição de praticar exorcismos sobre
possessos, os quais, como ficou exposto anteriormente, são
reservados aos sacerdotes devidamente autorizados pelo
respectivo bispo.
Outra restrição diz respeito ao emprego da fórmula do chamado
Exorcismo de Leão XIII, reservada para os bispos e
sacerdotes autorizados.
Os simples fiéis também não devem realizar sessões de exorcismos
nas quais se interpele diretamente o demônio, ainda que não se
trate de casos de possessão propriamente dita, desde que se
suspeite de presença demoníaca? (CONGREGAÇÃO
PARA A DOUTRINA DA FÉ, Carta aos Ordinários de lugar,
relembrando as normas vigentes sobre as exorcismos, 29 de
setembro de 1985.)
Quando e como os leigos podem exorcizar
Nas infestações locais ou pessoais
Então os leigos ficam à mercê dos ataques do demônio, já que não
podem exorcizar os possessos?
De
nenhum modo. Convém lembrar que a principal defesa contra o
demônio é a graça de Deus, que se recebe no Batismo e se
recupera na Confissão, sendo alimentada pelos sacramentos,
sacramentais, boas obras e vida de piedade. Portanto, mesmo que
um leigo possa fazer exorcismos sobre possessos, ele não está
indefeso diante do demônio.
É preciso recordar ainda que a possessão, de si, não é um
obstáculo à salvação nem à santificação das pessoas, podendo
mesmo ser uma provação útil para a vida espiritual da vítima, ou
de seus familiares e amigos e mesmo do próprio exorcista.
Cabe considerar, ainda, que a possessão não é a ofensiva
extraordinária, mais freqüente do demônio. Excetuando a tentação
(que é uma ofensiva ordinária), os Autores dizem que a ofensiva
extraordinária mais corrente é a infestação tanto
local como pessoal. Eles dizem que é grande o número
de pessoas que procuram os exorcistas por estarem atormentadas
pelo demônio, sem que, entretanto, se trate de casos de
possessão. E que se sentem aliviadas com exorcismos simples ou
apenas com bênçãos e outros remédios espirituais.
Ora, com relação à infestação local e mesmo pessoal, não existe
na legislação canônica nenhuma proibição: os leigos podem fazer
exorcismos privados, desde que não empreguem a fórmula do
Exorcismo contra Satanás e os anjos apóstatas (o
chamado Exorcismo de Leão XIII), nem “se interpele
diretamente o demônio, e se procure conhecer sua identidade".
E o que adverte a Congregação para a Doutrina da Fé, no
documento acima citado. (CONGREGAÇÃO
PARA A DOUTRINA DA FÉ, Doc, cit.)
Portanto, nos casos menos raros de ação demoníaca
extraordinária, isto é, nas infestações locais e nas
pessoais, os fiéis não estão indefesos, em decorrência da
regulamentação dos exorcismos estabelecida pelo Código de
Direito Canônico e por documentos da Congregação para a Doutrina
da Fé. Além dos remédios gerais, ordinários, podem eles, com as
cautelas adiante indicadas, fazer uso do remédio extraordinário
do exorcismo privado.
Para repelir as tentações e perturbações do demônio
Não é apenas em casos ou situações de certo modo extremas, que
os leigos são livres para proceder a exorcismos privados. Eles
os podem praticar preventivamente sempre que se sentirem
tentados ou perturbados pelo demônio.
É o que ensinam os moralistas e canonistas. Por exemplo escreve
o Pe. Felix M. CAPPELLO S.J.: “O exorcismo privado pode ser
realizado por todos os fiéis. Porque qualquer um pode,
para repelir as tentações ou perturbações do demônio,
ordenar a ele, por Deus ou Jesus Cristo, que não prejudique a si
ou a outros. O efeito desse exorcismo não deriva da autoridade e
preces da Igreja, uma vez que não se faz em seu nome, mas
somente pela virtude do nome de Deus e Jesus Cristo”. (Felix
M. CAPPELLO S.J.. Tractatus Canonico-Moralis DE SACRAMENTIS.
p.84). No mesmo sentido escreve o Pe. Marcelino ZALBA S.J.:
“Exorcismos: ... privados imperativamente (pode ser feito) por
qualquer um, somente para coarctar a influência dos demônios...”(Marcelino
ZALBA S.J., Theologiae Moralis Compendium, p. 661).)
É igualmente o que diz o exorcista de Veneza, D. Pellegrino
Ernetti: “Para todas as outras atividades demoníacas acima
elencadas [tentações, infestações locais e pessoais], todos os
batizados e crismados, indistintamente, têm o munus e o
dever de lutar juntamente com Jesus para debelar o
inimigo infernal”. (D.
Pellegrino ERNETTI O.S,B., La Catechesi di Satana, pp. 247-249.)
Em resumo: os simples fiéis podem, e até devem, realizar
exorcismos privados nas tentações ou infestações
demoníacas; não, porém, nos casos de possessão, pois os
exorcismos sobre possessos são reservados, como ficou afirmado,
aos sacerdotes autorizados.
Evitar uso de fórmulas solenes e aparência de carisma
Quanto ao modo de fazer os exorcismos, os leigos devem evitar o
uso das fórmulas do Ritual Romano, reservadas apenas aos
sacerdotes que receberam a devida licença do bispo, pois tal uso
podia fazer crer que se tenciona fazer os exorcismos em nome
da Igreja, ou seja, que se está investido de um mandato
eclesiástico.
É recomendada uma prudência particular para evitar toda
solenidade e formalidade, inclusive a forma imperativa, sempre
que isso possa fazer pensar que se trata de um carisma
extraordinário, pois isso poderia causar estranheza a
muitos, dada a raridade dos carismas hoje.
É preciso precaver-se ainda contra o perigo do escândalo,
sobretudo nas possessões. Por isso, se se tratar de possessão
diabólica do corpo, relativamente à qual tal perigo de escândalo
e abuso pode ser maior, os fiéis devem abster-se de praticar os
exorcismos (aliás, encontram-se proibidos de o fazer pela lei da
Igreja), devendo dirigir-se a um sacerdote; podem, entretanto,
fazer uma oração, pedindo a Deus - por intercessão de
Nossa Senhora, de São Miguel, dos anjos e dos santos — que
libertem aquela pessoa do domínio de Satanás e impeçam que o
espírito maligno faça mal a outras pessoas. Também nos casos de
infestação local ou pessoal grave, em que a atuação do
demônio seja certa ou ao menos muito provável, ou haja
manifestações extraordinárias, será mais prudente abster-se da
fórmula imperativa, ao fazer exorcismos privados. O mais
recomendável seria chamar igualmente um sacerdote, sempre que
possível.
Do mesmo modo, deve-se evitar qualquer procedimento que possa
dar a impressão de vã presunção nos próprios méritos. O Pe.
Guillerme Arendt (jesuíta belga, cuja orientação estamos
seguindo neste item) observa que uma ordem dada ao demônio por
um simples fiel, em nome de Deus, com presunção de êxito sem ter
em conta a vontade divina, pode constituir uma tentação a
Deus, uma vez que é quase obrigá-Lo a interferir por
respeito ao próprio Nome.
Mas quando não há essa presunção e se espera únicamente em Deus
e no poder do nome e da cruz de Cristo, então não há esse
perigo. Nesse caso, o que se está fazendo é apenas uma oração a
Deus, que Ele atenderá segundo seus augustos desígnios.
Trata-se também de um ato de fé e de esperança na promessa do
Redentor de que aqueles que cressem teriam o poder de expulsar
os demônios.
Quando se tratar somente de repelir a tentação do diabo pecar
para pecar, é conveniente desprezar e calcar aos pés, pela
virtude de Cristo, a soberba diabólica, com exprobação
imperativa, de modo que o inimigo confundido seja posto em fuga
em virtude de sua própria impotência. (Cf.
6. ARENDT, De Sacramentalibus, n. 311 apud Mons. c. BALDUCCI,
Gli Indemoniati, pp. 99-100.)
“Orações de libertação”
Cabe aqui uma palavra sobre as chamadas orações de
libertação.
“Orações de libertação — define Mons. Corrado Balducci - são
aquelas com as quais pedimos a Deus, à Virgem, a São Miguel,
aos Anjos e aos Santos sermos libertos das influências maléficas
de Satanás. São muito distintas dos exorcismos, nos quais nos
dirigimos ao diabo, ainda que em nome de Deus, da Virgem, etc.;
distintas seja pelo destinatário direto, seja obviamente pela
modalidade, pelo tom: deprecativo e suplicante no primeiro caso,
imperativo e ameaçador no segundo”. (Mons.
C. BALDUCCI, El diablo, p. 261.)
Nessas orações, em vez de se impor ao demônio, em nome de
Jesus Cristo, que deixe aquela pessoa, aquele lugar, ou que
cesse aquela situação, implora-se a Deus que — pelos
méritos de Nosso Senhor, pela intercessão de Nossa Senhora, dos
Anjos, dos Santos, de pessoas virtuosas — nos proteja e liberte
do jugo do Maligno ( sem interpelar diretamente o demônio nem
procurar conhecer sua identidade).
Devemos fazer essa súplica com humildade e confiança, pois Deus
não o despreza um coração contrito e humilhado (SI 50, 19). Deus
não deixará certamente de nos atender, sobretudo se tivermos em
vista antes de tudo a sua glória.
"Orar para sermos libertados do diabo, de suas tentações, de
suas maquinações, enganos e influências — escreve Mons. Balducci
- é louvável e não só recomendável, e sempre se fez assim, em
privado e em público; esta petição, Jesus a incluiu na única
oração que nos ensinou, o Pai-Nosso; e se fazia assim,
como ficou dito, no final de cada Missa com a oração a São
Miguel Arcanjo”.
Porém, continua o Prelado, ultimamente, em algumas reuniões de
grupos de oração e outras iniciativas privadas, nas quais se
faziam orações de libertação, ás vezes se saía dos âmbito da
simples oração e se chegava ao uso de verdadeiras fórmulas
exorcísticas, com a interpelação direta do demônio. Tais
práticas determinaram a intervenção da Congregação para a
Doutrina da Fé, com a Carta de 29 de setembro de 1985, várias
vezes referida aqui.
V - SATANISMO — MAGIA — FEITIÇARIA
ATÉ AQUI VIMOS a interferência espontânea do demônio na vida dos
homens, seja pela sua ação ordinária — a tentação, seja pela
ação extraordinária — infestação local e pessoal e possessão.
Cabe agora estudar a sua intervenção a convite do próprio homem:
a magia ou feitiçaria, os pactos satânicos, as práticas
supersticiosas em geral.
É certo que o homem, por sua natureza, não tem nenhum poder
sobre o demônio, não podendo, portanto, obrigá-lo a atender às
suas solicitações, nem a cumprir o que foi pactuado com ele.
Porém, não é menos certo que o demônio — sempre à espreita de
uma ocasião para fazer mal aos homens e perdê-los - não deixaria
escapar a oportunidade única de atuar quando convidado por eles
próprios. Assim, se Deus o permitir, ele pode atender aos
pedidos que lhe são feitos e obter, para os homens que a ele
recorrem,
riquezas, poder político, satisfação de paixões e ambições, e
mesmo prejudicar outras pessoas.
Em outros termos, o homem não pode ser a causa da
interferência do demônio, mas pode muito bem ser a ocasião
dessa interferência.
De modo que a magia, se entendida no sentido de arte pela qual o
homem adquire um poder sobre o demônio, não existe e é
impossível; se entendida, no entanto, como a arte de operar
prodígios por obra do demônio, a magia não só é possível
teoricamente, mas existe e é largamente praticada, desde as mais
remotas eras até o dia de hoje.
É fora de dúvida que o malefício é teoricamente possível. Ele
não comporta o menor absurdo em si, nem da parte do homem, nem
da parte do demônio, nem da parte de Deus. Com efeito, o homem
animado de um ódio satânico e abusando da sua liberdade, pode
praticar as ações mais perversas, sem excetuar a de invocar e
adjurar os espíritos infernais, para que eles apliquem seus
poderes maléficos sobre uma pessoa determinada, O demônio, por
sua vez, pode atormentar os homens das maneiras mais estranhas e
mais inexplicáveis, e ele encontrará aí sua própria satisfação;
e nada impede que ele faça depender sua intervenção do emprego
de um ritualismo simbólico, que seria uma manifestação concreta
de culto ao demônio, da parte do homem, coisa muito agradável a
Satanás, sempre desejoso de macaquear a Deus. E Deus pode
permitir o malefício, nos seus desígnios de justiça, assim como
permite os casos de possessão.
O feiticeiro não desenvolve, no malefício, as suas forças. A
intervenção de Satanás é aí evidente e Deus a permite, como
permite a tentação, as infestações e mesmo as possessões. As
provas dessa intervenção demoníaca são tão abundantes nas
Sagradas Escrituras e na História religiosa, que a ninguém é
legítimo duvidar dela.
Quando se crê no demônio, no que os Livros Sagrados e a História
dizem dele, rejeitar essa possibilidade é irracional.
Na verdade, diante de testemunhos tão irrefutáveis, não se pode
não crer na existência de feiticeiros e na eficácia de seus
feitiços, por obra do demônio, sempre que Deus o permitir.
Da superstição à adoração do demônio
“Os que se apegam às superstições
enganosas abandonam a graça
que lhes era destinada".
(Jon 2, 9)
A superstição
A superstição é um arremedo indigno do verdadeiro culto a Deus,
por depositar a confiança em fórmulas e ritos empregados para
forçar Deus a atender o que Lhe é pedido, e para desvendar o
futuro. Chama-se também superstição a veneração de caráter
religiosos tributada a “forças” reais ou imaginárias, em
lugar de Deus.
A superstição procura aprisionar o sobrenatural mediante
fórmulas ou ritos para pô-lo ao seu serviço. O supersticioso
quer servir-se da religião para proveito próprio e não para
cultuar desinteressadamente a Deus. Por isso Deus, através do
Profeta Jonas, adverte: "Os que se apegam às superstições
enganosas abandonam a graça que lhes era destinada” (Jon 2,
9).
O supersticioso põe uma confiança indevida em práticas às quais
nem Deus, nem a Igreja (por concessão divina), nem a natureza
conferiram o poder de obter certos efeitos.
Sempre que se procuram determinados efeitos por meios
desproporcionados, os quais de nenhum modo podem conduzir ao
resultado desejado, se confia na atuação de forças
misteriosas, ao menos implicitamente, para obter esse
resultado. Como essas forças vêm de Deus nem de seus anjos, só
podem provir do espírito das trevas.
E assim, a partir da superstição, se chega, facilmente, ainda
que de forma não inteiramente consciente, ao recurso implícito
ao demônio. Daí, para a invocação explícita, não há senão um
passo.
Em suma, o desejo de subjugar as forças superiores e de
as instrumentalizar para proveito próprio, e dessa maneira
chegar a "ser como deuses” (cf. Gen 3, 5), é o fundamento
de toda a supertição, de toda a magia.
Pacto com o demônio
Possibilidade de pacto com o demônio
Sabemos pela Revelação que os homens podem entrar em comunicação
voluntária com os demônios e pedir que eles façam ou concedam
coisas que superam as forças humanas.
Está fora de dúvida que o demônio intervém espontaneamente, de
um modo sensível, na vida dos homens; porque não haveria ele de
intervir diante da solicitação de uma vontade humana? Não há
nisto nada que seja contrário á ordem das coisas, nem da parte
de Deus, nem do demônio. Da parte de Deus, Ele pode permitir à
ação do demônio como castigo para o homem por causa de suas
faltas,*
ou como provação para a vítima, ou para algum outro
efeito que Ele conhece, nos Seus desígnios de sabedoria e
justiça. Do lado do demônio, está bem de acordo com a sua
psicologia atender a uma solicitação que tanto lisonjeia seu
orgulho, gratifica seu ódio a Deus e do homem, e satisfaz seu
desejo de fazer o mal.
*É
o que pensava santo Agostinho, o qual afirma que os homens que
se dedicam à su perstição " são entregues, como suas vontades
más merecem, aos anjos prevaricadores, para Lerem escarnecidos e
enganados".
O homem pode entrar em relação com os anjos e com os demônios,
uma vez que uns e outros são seres inteligentes e livres. Nessa
condição, tanto o homem quanto os anjos e os demônios podem
fazer uso de sua liberdade e unir-se para a obtenção de um fim
comum. Mas, para isso, é preciso haver um ponto de contacto
entre uns e outros; quer dizer, é preciso que uns e outros
tenham disposições análogas. Quando as relações são
estabelecidas entre seres de natureza diversa, é evidente que o
ser de natureza superior impõe as suas disposições ao inferior:
é a lei do mais forte. Se o ser mais elevado é um espírito
bom (isto é, um anjo) o acordo se faz para o bem; se,
ao contrário, o ser mais elevado é um espírito maligno,
o acordo não pode fazer-se senão para o mal. Pois o
demônio, espírito pervertido, não visa senão o mal.
Como todo contrato, cada parte procura atender aos seus
interesses. Se, de um lado, o espírito maligno aceita o acordo
unicamente para o mal, a outra parte, o homem, poderá exigir que
esse mal lhe traga alguma vantagem, ao menos subjetiva:
dinheiro, honras, vingança, prazer; do contrário, não haverá
razão para haver acordo.
Por sua inteligência e seu poder, os demônios são superiores aos
homens. Eles conhecem os segredos da natureza e os agentes
físicos bem melhor que os sábios jamais chegarão a conhecer.
Eles são capazes de produzir resultados surpreendentes e mesmo,
quando isso serve a seus pérfidos desígnios, obter vantagens
materiais que recorrem a eles.
Como é evidente, o homem não tem poder sobre os demônios e estes
não são obrigados a atender aos desejos do homem, não o faz
porque esteja a isso obrigado; seja forçado a isso pelo homem,
mas sim porque satisfaz à
sua soberba ver-se solicitado pelo homem, e até venerado por
ele, em lugar de Deus; de outro lado, atendendo a esses pedidos,
ele pratica o mal, quer em relação a terceiros, como se dá com
freqüência, quer em relação ao próprio solicitante, cuja alma
conduz à perdição, que é o que ele tem em vista ao aceitar o
pacto.
Espécies de pacto: explícito e implícito
É certo que pode haver, que houve e ainda há pactos com o
demônio.
1º Pacto explícito
O pacto com o demônio consiste num acordo entre uma pessoa e o
demônio, pelo qual essa pessoa se obriga a algo em relação ao
demônio, em troca da ajuda deste para conseguir aquela vantagem
que deseja.
Muitas vezes o pacto é feito por escrito, e o demônio exige que
o homem o assine com o próprio sangue. Para estabelecer o pacto
não é necessário que as duas partes estejam presentes
pessoalmente: elas podem atuar por meio de procuradores.
O demônio quase sempre é representado pelo feiticeiro,
pai-de-santo, médium etc. E isto já nos encaminha
para o estudo da feitiçaria, da magia, da macumba, que
será feito a seguir.
Outras vezes o pacto se faz por meio de sociedades secretas
iniciáticas e com certas formalidades ou ritos estabelecidos.
Por fim, há ocasiões em que o pacto se faz com a aparição real
do demônio. Há casos de feiticeiros que têm um comércio habitual
com o Espírito das trevas, o qual vêem sob as mais
variadas formas: humana, animal, fantástica.
2º Pacto implícito
Mas, ao lado do pacto explícito, há o pacto implícito
cor demônio.
É fácil, sobretudo para os cristãos, compreender que um pacto
formal, um recurso explícito ao demônio é contrário à lei de
Deus. Mas o recurso implícito, mediante práticas supersticiosas
nem sempre aparece claramente como um recurso ao Maligno e choca
menos o senso moral.
Para que se possa dizer que há pacto implícito com o demônio é
preciso, bem entendido, que se tenha uma esperança mais ou menos
firme de que o efeito pretendido realmente será obtido; também é
preciso que se trate de práticas feitas com seriedade e não por
mera brincadeira (embora seja muito perigoso brincar nessa
matéria, pois o demônio pode tomar a coisa a sério). Como
esse efeito não pode ser esperado dos meios empregados (que
evidentemente não são aptos para conduzir a esse resultado), ao
menos implicitamente, se crê na presença de certas forças
misteriosas, extra-naturais, para obter aquele
resultado. Que forças são essas? Se não vêm de Deus (seja
diretamente ou indiretamente, através dos seus anjos ou da
Igreja), de onde procederão?
A resposta não pode ser outra: vêm do Maligno.
Em muitos casos o homem se dá conta disso; porém, cego por suas
paixões desregradas, já não cogita de averiguar a origem do
resultado obtido: o que lhe interessa é alcançá-lo. Assim,
vai-se acostumando aos poucos a ver o demônio não como o
espírito do mal, que ele é, mas apenas corno urna ser
poderoso, que ele pode utilizar em seu proveito; como uma
espécie de divindade conivente com suas paixões, a quem
convém cultuar.
A superstição, em qualquer de suas formas, por conter sempre um
recurso claro ou velado, explícito ou implícito ao demônio,
constitui um pecado gravíssimo, contra a virtude da religião,
que nos prescreve prestar culto somente a Deus, e só a Ele
recorrer e nunca ao poder das trevas — "Adorarás ao
Senhor teu Deus, e só a êle servirás" (Lc 4,8).
Adoração do demônio: sacrifícios humanos
Culto idolátrico do espírito das trevas
A credulidade indisciplinada, soltando o freio da fantasia no
campo duplamente misterioso das forças sobre-humanas e do mal,
adultera o conceito de Satanás — inimigo de Deus e dos justos,
porém mera criatura limitada — para fazer dele uma espécie de
divindade malfazeja, a que se deve servir e agradar no
interesse pessoal.
De onde, alguns ritos, como na macumba, umbanda e candomblé, se
fazerem ofertas de alimentos e sacrifícios de animais para
aplacar o diabo e tomá-lo propício a quem recorre a ele.
Essa postura pode levar, e muitas vezes leva, o supersticioso a
fazer uma autêntica substituição de Deus pelo demônio e a
realizar paródias blasfemas do culto divino como nas Missas
negras. Chega-se então ao satanismo pleno, que se
caracteriza pela vontade de praticar o mal, pelo ódio ativo, em
nome da liberdade absoluta, que investe contra toda lei
religiosa e moral. Esse ódio não é explicável pela psicologia
humana, participando do mistério do mal, do “mistério da
iniquidade", de que fala São Paulo (cf. 2 Tes 2, 7).
E assim se passa do pacto implícito ao pacto explícito com o
demônio, e se chega ao culto idolátrico do espírito das
trevas, invocado às vezes sob nomes bárbaros corno
orixás, xangôs, exús e outros, sobretudo nos ritos da
macumba, da umbanda, do candomblé, e nas práticas de magia
em geral.
O sacrifício: ato de culto de adoração
De acordo com a doutrina católica, só se pode oferecer
sacrifícios a Deus, por se tratar de ato essencial do culto
de adoração, pelo qual reconhecemos o poder absoluto que o
Criador tem sobre nós. Todo sacrifício oferecido a outrem que
não a Deus reveste-se de um caráter idolátrico, pecado
gravíssimo de lesa-majestade divina.
O sacrifício consiste no oferecimento e na imolação de uma
vítima (sacrifício propriamente dito) ou no oferecimento
e entrega de um bem em honra da divindade (sacrifício
impropriamente dito), com a finalidade de proclamar que Deus
é o Senhor de todas as coisas e que nós não ternos nada de
próprio, mas tudo pertence a Ele.
Por causa do pecado, nós mesmos é que deveríamos ser imolados a
Deus; mas o Criador não permite a imolação cruenta do próprio
homem, corno faziam as religiões pagãs (cf. Lev 18, 21; 20, 1-5;
Deut 12, 31; 18, 9ss).* Assim,
não pode haver um sacrifício de imolação cruenta de seres
humanos. Não podendo fazer a imolação de nossa vida a Deus,
imolamos nossa vontade, que é no que consiste o sacrifício
interno. O sacrafício externo consiste no ato de
oferecimento de uma vítima ou de uma coisa a Deus, e deve ser
apenas um sinal do sacrifício interno, do
oferecimento de nós mesmos.
*Quando
alguns judeus, no Antigo Testamento, por imitação dos povos
pagãos vizinhos imolaram vítimas humanas (cf. 1 Reis 16,34),
Deus, por meio dos Profetas proferiu severas condenações a esses
atos (cf. Jos 6, 26; SI 105, 37ss; Miq 6, 7; Jer 7, 31; 19,5;
32, 35; Ez 16, 2Oss; 20, 26).
Sacrifícios humanos
O demônio, em sua soberba demencial, quer se pôr no lugar de
Deus e ser adorado: “Tudo isto eu te darei se, prostrado, me
adorares" (Jo 6, 9), ousou ele dizer ao próprio Salvador,
oferecendo-lhe os reinos deste mundo E este é o convite que ele
faz aos homens,
sobretudo aos que o procuram: “Adorem-me que eu lhes
darei tudo!"
"Homicida desde o princípio" como o caracterizou Nosso
Senhor (Jo 8, 44), o demônio não se satisfaz apenas com as
oferendas de animais, alimentos, velas, cachaça, etc., segundo
se pratica correntemente nos cultos de macumba. Sempre que pode,
ele exige sacrifícios humanos. Isto não é algo que se tenha dado
apenas na Antiguidade, ou entre os povos bárbaros, mas ocorre
ainda em nossos
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PARTE 2
Anjos e Demônios - A Luta Contra o Poder das Trevas
A queda dos anjos maus
"Tu, desde o principio,
quebraste o meu
jugo, rompeste os meus
laços e
disseste: — Não
servirei!”
(Jor
2,20)
EU5 CRIOU OS ANJOS num alto estado de perfeição natural
e além disso os elevou à ordem sobrenatural. É de fé que
todos os espíritos angélicos foram criados bons.*
*Essa é uma conseqüência
obrigatória da verdade de fé, de que todos os
espíritos angélicos foram criados por Deus, atestada
pelo símbolo niceno-constantinopolitano ( o Credo
da Missa), o qual proclama: “Creio em Deus Pai
Todo-poderoso, criador ... das coisas visíveis e
invisíveis”; essa verdade foi ainda definida nos
Concílios IV de Latrão e I Vaticano.
A Sagrada Escritura, com efeito, chama-os “filhos de
Deus" (Jó 38, 7), “santos” (Dan 8, 13),
“anjos de luz” (2 Cor 11, 14). Entretanto, os próprios
Livros Sagrados se referem a “espírito imundos” (Lc
8, 29); “espíritos malignos” (Ef 6, 12);
“espíritos piores" (Lc 11, 26); e outras expressões
análogas.
Isto indica que certos anjos tornaram-se maus,
tiveram sua vontade pervertida. Em suma: pecaram.
A batalha no Céu
“Tu, desde o princípio, quebraste o meu jugo,
rompeste os meus laços e disseste: — Não servirei!”
(Jer 2, 20).
Este versículo do Profeta Jeremias sobre a revolta do
povo eleito contra Deus tem sido aplicado à revolta de
Lúcifer. M de rebelião de Lúcifer “Não servirei!”
— respondeu São Miguel com o brado de fidelidade:
“Quem é como Deus!” (significado do nome Miguel
em hebraico).
No apocalipse, São João descreve essa misteriosa batalha
que então se travou no céu:
"E houve no céu uma grande batalha: Miguel e os seus
anjos pelejavam contra o dragão, e o dragão com os seus
anjos pelejavam contra ele; porém estes não prevaleceram
e o seu lugar não se achou no céu. E foi precipitado
aquele grande dragão, aquela antiga serpente, que se
chama o Demônio e Satanás, que seduz todo o mundo; e foi
precipitado na terra e foram precipitados com ele os
seus anjos” (Apoc 12,7-9).
O próprio Jesus dá testemunho dessa queda: “Eu via
Satanás cair do céu como um relâmpago” (Lc 10, 18).
“(O Demônio) foi homicida desde o principio, e não
permaneceu na verdade" (Jo 8,44).
Os anjos podiam pecar
Como poderia o anjo ter pecado, uma vez que ele não está
sujeito às paixões ou ao erro no entendimento, como nós
homens?
"Como compreender semelhante opção e rebelião a Deus em
seres de tão viva inteligência?” — pergunta João Paulo
II. O Pontífice responde: “Os Padres da Igreja e os
teólogos não hesitam em falar de cegueira,
produzida pela supervalorização da perfeição do próprio
ser, levada até o ponto de ocultar a supremacia de Deus,
a qual exigia, ao contrário, um ato de dócil e obediente
submissão. Tudo isto parece expresso de maneira concisa
nas palavras: "Não servirei" (Jer 2, 20), que
manifestam a radical e irreversível rejeição de tomar
parte na edificação do reino de Deus no mundo criado.
Satanás, o espírito rebelde, quer seu próprio reino, não
o de Deus, e se levanta como o primeiro adversário
do Criador, como opositor da Providência, antagonista da
sabedoria amorosa de Deus” (Apud Mons.C. BALDUCCI,
El díablo, p. 20.)
E o Papa explica que os anjos, por serem criaturas
racionais, são livrs, isto é, têm a capacidade de
escolher a favor ou contra aquilo que conhecem ser o
bem: “Também para os anjos a liberdade significa
possibilidade de escolha a favor ou contra o bem que
eles conhecem, quer dizer, o próprio Deus”. (João Paulo
II, Mcm, ibidem.)
Criando os anjos racionais e livres, quis Deus que eles
- com o auxílio da graça — fossem os agentes de sua
própria felicidade ou de sua perda, caso cooperassem ou
resistissem à graça. Para que merecessem a felicidade
eterna, submeteu-os a uma prova.
É de fé que todos os espíritos angélicos foram
submetidos a uma prova. Entretanto, não sabemos qual
teria sido essa prova. Os teólogos procuram excogitar
qual teria sido.
O pecado dos anjos maus
Qual teria sido a prova a que foram submetidos os anjos?
E qual teria sido o pecado dos que sucumbiram à prova?
Um pecado de soberba
Acredita-se comumente que tenha sido um pecado de
orgulho, de soberba, pois a Escritura diz que “foi
na soberba que teve início toda a perdição” (Tob 4,
14).
Santo Atanásio (séc. IV) o afirma explicitamente: "O
grande remédio para a salvação da alma é a humildade.
Com efeito, Satanás não caiu por fornicação, adultério
ou roubo, mas foi o seu orgulho que o precipitou ao
fundo do inferno. Porque ele falou assim: "Eu
subirei e colocarei meu trono diante de Deus e serei
semelhante ao Altíssimo" (Is 14, 14). E é por essas
palavras que ele caiu e que o fogo eterno se tornou sua
sorte e sua herança”.(Apud
Card. P. GASPARRI, Catechisme Catholique pour Adultes.
p. 345.)
Em que teria consistido essa soberba?
Segundo São Tomás de Aquino, essa soberba consistiu em
que os anjos maus desejaram diretamente a
bem-aventurança final, não por uma concessão de Deus,
por obra da graça, e sim por sua virtude própria, como
mera decorrência de sua natureza. Desse modo, quiseram
manifestar sua independência em relação a Deus; eles
recusaram assim a homenagem que deviam a Deus como seu
criador e desejaram substituir-se a Ele e ter o domínio
sobre todas as coisas: ser como deuses (cf.Gen
3,5).
São Tomás faz igualmente referência à seguinte passagem
de Isaías — referente ao rei de Babilônia, mas
geralmente aplicada a Satanás — para ilustrar o pecado
dele e dos anjos maus que o acompanharam na revolta:
“Como caíste do céu, ó astro brilhante [em latim:
“Lúcifer”J, que, ao nascer do dia brilhavas?
... Que dizias no teu coração: ... serei semelhante ao
Altíssimo” (Is 14, 13-14).
O pecado de Lúcifer e dos anjos que se revoltaram com
ele teria sido, pois, um pecado de soberba, ou seja de
complacência na própria excelência, com menoscabo da
honra e respeito devidos a Deus.
Estes elementos se encontram em todo pecado — explica o
Pe. Bujanda — pois quem ofende a Deus prefere a própria
vontade, em vez da vontade divina, e nela se compraz.
Revelação da Encarnação
Não está formalmente revelado no que consistiu
exatamente a prova dos anjos; os teólogos fazem
hipóteses teológicas, como a de São Tomás, exposta
acima.
Francisco Suárez, teólogo jesuíta do século XVII,
levanta outra hipótese: a prova dos anjos teria
consistido na revelação antecipada por Deus, da
Encarnação do Verbo. Os anjos maus se teriam revoltado
contra a submissão em que ficariam em relação à natureza
humana do Verbo Encarnado, a qual, enquanto natureza,
seria à natureza angélica.
Uma variante dessa hipótese é a que afirma que Lúcifer e
os anjos revoltados não quiseram submeter-se à Mãe do
Verbo Encarnado, pela sua dignidade ficaria colocada
acima dos próprios anjos, embora inferior a eles por
natureza.
Essa hipótese, entretanto, está ligada a uma outra
questão: se o Verbo se teria encarnado mesmo sem o
pecado de Adão. Suárez,
com algumas adaptações, segue a opinião
de Duns Escoto e de Santo Alberto Magno, a qual sustenta
que sim; São Francisco de Sales também participa dessa
opinião.
São Tomás, porém, é de outro parecer. Argumenta ele:
"Seguindo a Sagrada Escritura, que por toda a parte
apresenta como razão da Encarnação o pecado do primeiro
homem, é conveniente dizer-se que a obra da Encarnação
está ordenada por Deus como remédio contra o pecado. De
tal modo que, se não existisse o pecado não teria havido
a Encarnação, embora a potência divina não esteja
limitada pelo pecado, podendo, pois, Deus encarnar-se,
mesmo que não houvesse o pecado” (Suma
Teológica,
3, q. 1, a. 3.)
São Boaventura reconhece que a opinião tomista é mais
consoante com a Fé, enquanto a outra favorece mais a
razão. (In
III Sent.,Dist.I,a.2,q.2.)
Embora ambas as opiniões sejam sustentáveis, o comum dos
Doutores acha que a hipótese tomista é mais provável,
sendo predominante entre os Santos Padres.
Santo Agostinho afirma: “Se o homem não tivesse caído
não se teria feito carne” (Serm.
174,2.)
Em favor dela fala igualmente o Símbolo dos
Apóstolos, isto é, o Credo, quando
proclama: “O Qual [o Verbo], por nós homens, e
por nossa salvação, desceu dos céus “. Também
a liturgia pascal, que canta:
“Ó culpa feliz, que nos mereceu um tal Redentor!"
O Pe. Christiano Pesch S.J. diz que a posição tomista de
tal modo se tornou comum, que hoje há poucos defensores
da esposada por Suárez, quanto à Encarnação do Verbo.
Daí decorreria que a hipótese de Suárez com relação ao
pecado dos anjos ficaria também prejudicada. (C. PESCH
53, De Angelis, III, p. 71; cf. também Mons. P.
PARENTE. Incarnazioni, col 1.751; I. SOLANO, De Verbo
incarnato, pp. 15-24).)
A obstinação dos demônios
Nós homens temos certa dificuldade psicológica em
compreender que os demônios, por um só pecado, tenham
sido condenados eternamente, enquanto Adão e Eva puderam
ser perdoados. Por isso, desde os primeiros tempos do
Cristianismo, não faltaram autores que sustentaram a
possibilidade de reconciliação dos anjos decaídos com
Deus.
Essa doutrina foi condenada pela Igreja e São Tomás
explica a razão pela qual isso não é possível: em
primeiro lugar porque a prova a que os anjos foram
submetidos, a fim de merecerem a bem-aventurança
eterna, teve para eles o mesmo efeito que tem
para nós homens a morte; ou seja, encerra o período em
que podemos adquirir méritos, e nos introduz na vida
eterna, imutável por natureza. Os anjos bons, tendo
sido fiéis, passaram a gozar da bem-aventurança eterna;
os anjos maus ou demônios foram precipitados no inferno
por toda a eternidade.
Em segundo lugar, por causa da natureza angélica: os
anjos, uma vez feita uma escolha, não podem voltar
atrás, seja para o bem, seja para o mal. Porque eles não
estão sujeitos à mobilidade das paixões humanas, sua
inteligência é perfeita, de modo que eles não podem
fazer escolhas provisórias, como o homem. Antes de fazer
uma escolha, o anjo é perfeitamente livre; feita esta,
sua vontade adere a ela para sempre, pois todas as
razões que o levaram a fazer essa escolha já estavam
perfeitamente claras para ele antes que a fizesse.
O lugar de condenação dos
demônios
O Inferno
A tremenda realidade do inferno, como lugar criado para
os e os demônios e os precitos, é atestada pelo Divino
Salvador ao falar do Juízo Final: “Apartai-vos de
mim, malditos, para o fogo eterno, que foi preparado
para o Demônio e para os seus anjos” (Mt 25,41).
São Pedro ensina que Deus não perdoou aos anjos que
pecaram prepitou-os no tártaro, para serem atormentados
(2 Ped 2, 4).
E São Judas escreve que Deus “prendeu em cadeias
eternas, no seio das trevas “, os anjos
prevaricadores (Jud v. 6).
Assim como o lugar para
os anjos bons é o Céu, para os demônios é o inferno. Mas
os demônios têm dois lugares de tormento: um em razão de
sua culpa, que é o inferno; outro, em função das
tentações a que submetem os homens: a atmosfera
tenebrosa, pelo menos até terminar o
mundo.
Os demônios dos ares
A doutrina de que os demônios vagueiam pelos ares para
tentar os homens é claramente afirmada por São Paulo na
Epístola aos Efésios: “O príncipe que exerce o poder
sobre este ar ... os dominadores deste mundo tenebroso,
os espíritos malignos espalhados pelos ares” (Ef
2,2; 6, 12).
E é confirmada pela Igreja, por exemplo, na oração a São
Miguel Arcanjo, que o Papa Leão XIII compôs e mandou
recitar ao fim da Missa, na qual invoca o Príncipe da
milícia celeste, para que — pelo divino poder —
precipite no inferno " a Satanás e aos outros espíritos
malignos que andam pelo mundo para perder as almas”.
A “hierarquia” entre os
demônios
Entre os demônios existe urna “hierarquia”, que decorre
do fato de, sendo anjos, uns terem a natureza mais
perfeita do que outros. Por isso se diz que Satanás é o
príncipe, o chefe dos demônios.
Não que exista entre eles uma submissão por amor ou
respeito, como na verdadeira hierarquia; os demônios se
odeiam muituamente e só se unem circunstancialmente para
atormentar os homens. É o mesmo que — explica São Tomás
— se dá entre os homens maus: eles formam quadrilhas e
se submetem a um chefe, apenas como meio de melhor
cometerem seus roubos ou homicídios contra os homens
honestos ( Suma Teológica, 1,Q. 109, A.1-2. )
Os nomes dos demônios
Os judeus não tinham uma palavra específica para indicar
os espíritos
malignos; a designação geral de
demônio para os anjos decaídos vem da versão grega
do Antigo Testamento. A palavra daimon, entre
os gregos, designava os seres com forças
sobre-humanas, especialmente os maléficos. A palavra
hebráica sâtân significa
adversário, acusador; Satanás, o chefe dos
demônios, é também conhecido nas Escrituras como
Diabo (do grego diábolos, que quer dizer
caluniador).
Nas Sagradas Escrituras aparecem os nomes de vários
demônios: Azazel, demônio que habita o deserto
(Lev 16, 8-10, 26); Asmodeu, que matou os sete
maridos de Sara (Tob 3, 8); o nome Belzebu ( ou
Beelzebul, cuja significação parece ser “deus
do esterco”, nome com que os rabinos indicariam os
sacrifícios oferecidos aos ídolos ) é apresentado como
sinônimo para Satanás ou príncipe dos
demônios (Mt 12, 14; Mc 3, 22-26); Lúcifer
foi palavra escolhida na
Vulgata*
para traduzir para o latim a
expressão “astro brilhante" ou “estrela
brilhante”, da profecia de Isaías (Is 14, 12), que
costuma ser interpretada como uma referência à queda do
Demônio; em geral esse apelativo é utilizado igualmente
como sinônimo de
Satanás.
*
Chama-se
Vulgata a tradução latina da Bíblia feita em
grande parte por são Jerônimo, que iniciou seu trabalho
por volta do ano 384. Essa tradução latina foi
aperfeiçoada por iniciatiiva da santa Sé, dando origem a
chamada Vulgata Sixto-Clementina publicada em
1592 pelo Papa Clemento VIII, em uso ainda hoje.
Psicologia do demônio
"Ele foi homicida desde o
princípio e não permaneceu
na verdade é mentiroso e
pai da mentira".
(Jo 8,44)
Com base nas Sagradas Escrituras e em outras fontes,
poderíamos ressaltar alguns aspectos da psicologia de
Satanás e seus anjos malignos.
Embora os demônios sejam diferentes entre si,
assemelham-se em seu desejo de fazer o mal e em sua
natureza decaída; por isso o que é dito a respeito de
Satanás, seu chefe, pode-se dizer dos outros demônios.
Uma vontade pervertida
Os demônios, puros espíritos, como anjos que são, não
têm as fraquezas e as debilidades dos homens; de onde,
sua revolta contra Deus ser permanente, imutável,
eterna. Sua vontade, deixando de ter como objeto o Sumo
Bem, tornou-se uma vontade pervertida fixada no
mal. Dessa forma, os demônios não desejam senão o mal em
todos os seus atos voluntários, e mesmo quando fazem
algum bem (como, por exemplo, restituir a saúde a
alguém, obter-lhe riquezas ou ensinar-lhe algo),
fazem-no apenas para dai tirar o mal, conduzir a pessoa
à perdição eterna, que é a única coisa que almejam para
os homens.
Tendo sido criados bons por Deus, sua natureza ainda
continua boa em si mesma; porém, eles se tornaram seres
pervertidos em sua vontade, buscando não mais seu fim
último, que é o serviço e a glória de Deus, mas
justamente o contrário, isto é, tudo fazer para impedir
que Deus seja glorificado. Não podendo atingi-Lo
diretamente, eles procuram agir sobre as criaturas de
Deus, na medida em que Ele o permite.
Homicida e mentiroso— Astuto,
falso, enganador
O divino Redentor resumiu em poucas palavras essa
psicologia diabólica: “Ele foi homicida desde o
princípio, e não permaneceu na verdade; porque a verdade
não está nele; quando ele diz a mentira,fala do que lhe
é próprio, porque é mentiroso e pai da mentira" (Jo
8, 44).
O demônio é homicida e o pai da mentira, o mentiroso por
excelência que odeia a verdade, porque a verdade nos
conduz a Deus:
"Eu sou o caminho, a verdade, a vida” (Jo
14, 5); ele odeia o Criador e, tendo-se separado de
Deus, separou-se para sempre da verdade e da vida. E
através da mentira que ele dá a morte, a morte
espiritual.
Santo Agostinho, a respeito da afirmação de Jesus de que
o demônio é homicida e mentiroso, comenta: “Perguntamos
de onde veio ao diabo o ser homicida desde o princípio,
e respondemos que matou o primeiro homem, não
enterrando-lhe o punhal ou infligindo-lhe qualquer outro
dano no corpo, senão persuadindo-o a que pecasse
precipitando-o da felicidade do paraíso”. (Apud J.
MALDONADO S.J., Comentarios a los Cuatro Evangelios, p.
563)
Pe. João Maldonado, erudito exegeta jesuíta do século
XVI, observa sobre essa mesma frase - “Porque é
mentiroso e pai da mentira” (Jo 8, 44): “A maior
parte dos autores entendem isto daquelas palavras que o
diabo disse a Eva: ‘Sereis como deuses, conhecendo o
bem e o mal.’ (Gen 3, 5); palavras em que
evidentemente mentiu; quer dizer, uniu a mentira com o
homicídio (espiritual), perpetrando os dois crimes ao
mesmo tempo. ... Chama-se ao diabo pai da mentira porque
é ele o autor e inventor da mesma, de tal modo que pode
dizer-se que deu à luz a ela” (J. MALDONADO S.J., op.
cit., pp. 564-566)
Quando tenta o homem,
procurando afastá-lo de Deus, ele mente apresentando uma
falsa imagem da realidade, escondendo seus verdadeiros
fins e enredando sua vítima no engano, no sofisma e na
falsidade.
Ele é astuto, falso, enganador.
“Satanás se distingue por sua astúcia — escreve
Mons. Cristiani. O que quer dizer esta palavra? A
astúcia é um artifício enganador. O ser que age
por astúcia tem más intenções. Se ele fala, não é para
dizer a verdade, mas para enganar, para conduzir ao
erro, à inverdade. Satanás é falso. Não se pode confiar
nele. O que falta antes de tudo nele é a eqüidade, a
lealdade, a franqueza. Ele é equivoco, voluntariamente
obscuro e dissimulado” (Mgr L. CRI5TIANI, Présence de
satan dons le monde moderne, p. 306.)
Soberba demencial, inveja
mortal
Por detrás dessa dissimulação se esconde o seu desejo
oculto, assim expresso por Mons. Cristiani: “Ser como
Deus! Este ato de orgulho é o fundo mesmo da psicologia
de Satanás! ... ‘Vós sereis como deuses!’ Ele próprio,
na sua queda, se considera como um deus. Seu orgulho não
está morto. O orgulho levado até à adoração de si mesmo
é o que faz o demônio voltar-se contra o Criador. É o
orgulho que, tendo-o afastado de Deus, fez dele o
Adversário. No livro do Eclesiástico esta
conseqüência do orgulho é posta em evidência: ‘O
princípio do orgulho é abandonar o Senhor e ter seu
coração afastado do Criador, porque o princípio do
orgulho é o pecado, aquele que se entrega a ele espalha
a abominação.‘ (Ecli 10, 12-13). ... Compreendemos,
então, porque Jesus Cristo, que é a Via, a Verdade, a
Vida, tenha definido Satanás como o Pai da
mentira, o homicida desde o começo. E, para
nós, este termo de homicida longe de ser excessivo, não
diz senão um aspecto da verdade total: Satanás é, com
efeito, acima de tudo, o DEICIDA!” (Mgr L.
CRISTIANI, op. cit., p. 308.)
O orgulho de Satanás e seus anjos malignos não conhece
limites: "Que orgulho demencial — comenta ainda Mons.
Cristiani — nessa palavra de Satanás a Cristo,
mostrando-lhe em espírito todos os reinos da terra:
‘Tudo isto eu te darei se prostrado por terra me
adorares!´O fundo último da ambição satânica é este:
Tirar de Deus seus adoradores, fazer convergir as
adorações dos homens para ele próprio!
"Resuimàmo-nos: o orgulho, a vontade de se fazer deus, a
astúcia, a inveja e o ódio do homem, tudo isto
desembocando na mentira, no homicídio, no deicídio: eis
Satanás!”. (Mgr L.CRISTIANI, op. cit., p. 308.)
Não lhe importam as derrotas que sofre continuamente,
nem mesmo a final e definitiva a que está condenado; sua
soberba se satisfaz com os pequenos triunfos que obtém,
no esforço de levar as almas à eterna perdição.
Comenta o Cardeal Lepicier: “Escudado na satisfação de
certas vitórias parciais e na esperança de grandes
triunfos e, ao mesmo tempo, não se preocupando com as
vergonhosas derrotas sofridas, Satanás prossegue
loucamente na sua faina de tentar arrastar as almas para
a eterna perdição. O seu pendão está sempre erguido e o
seu grito insensato de desafio e revolta ouve-se por
toda parte: ‘Eu não quero servir! ‘ (Jer 2, 20)”.
(Card. A.LEPICIER. O Mundo invisível p. 240.)
O pai da vulgaridade
Outro aspecto da psicologia maldita do demônio é a
vulgaridade. Odiando a Deus, ele odeia tudo aquilo que é
verdadeiro, belo, bom. Ele odeia a compostura, a
dignidade, a seriedade, a serenidade.
O abade João Cassiano já observava no século V: “É fora
de dúvida que existe entre os espíritos impuros o que o
vulgo chama espíritos vagabundos, que são antes
de tudo sedutores e bufões. Eles se postam
constantemente em certos lugares e se divertem em
enganar, muito mais do que em atormentar, aqueles que
eles encontram. Eles se contentam em fatigá-los por
seus escárnios e suas ilusões..." (Apud Mgr L.
CRISTIANI, op. cit., p. 311.)
São os famosos
demônios bufões, que fazem talhar a manteiga, secam
o leite das vacas, desencadeiam enxames de vespas ou de
abelhas, etc., tudo para fazre os homens perderem a
paciência, praguejarem , blasfemarem.
Mons. F. M. Catherinet, demonólogo
francês, analisando a ação dos demônios segundo as
narrações evangélicas, traça deles o seguinte perfil:
"Medrosos, obsequiosos, poderosos, malfazejos, versáteis
e mesmo grotescos...
( Mgr F. M. CATHERINET, Les
Démoniaques dans l´Évangile, P.319. )
Em carta a Mons.
Cristiani, o Pe. Berger-Bergès, famoso exorcista,
escreve: "Vós me perguntais ... qual é a psicologia de
Satanás, quando ele está submetido à ação dos
exorcismos... É preciso definir e resumir a
psicologia de Satanás por estas palavras: ORGULHO,
DESPREZO DE SUA VÍTIMA, TENACIDADE!" |(Mgr L. CRISTIANI,
op. cit., p. 312.)
O poder dos demônios
"O próprio Satanás se disfarça
em
anjo de luz”.
(2 Cor 11, 14)
TUDO QUANTO DISSEMOS a respeito do poder e do modo de
agir dos anjos sobre a matéria aplica-se igualmente aos
demônios, que são anjos decaídos, mas que conservaram a
natureza angélica e os poderes a ela inerentes.
Poder dos demônios sobre a
matéria
Já vimos anteriormente como a presença dos anjos em um
lugar não se dá fisicamente (contato físico),
pois são seres incorpóreos, e sim por meio de sua
atuação (contato operativo): os anjos estão
onde atuam.
Em virtude de sua natureza espiritual, eles podem
exercer sua atividade e tanto de fora dos corpos, como
no interior deles, conforme observa São Boaventura: “Os
demônios, em razão de sua sutileza e espiritualidade,
podem penetrar em qualquer corpo e aí permanecer sem o
menor obstáculo e impedimento”.
(In II Sent., Dist. 8, p. 2, a.
um., q. 1, apud Mons. C. BALDUCCI, Gli Indemoniati,
p.12.)
De um modo direto e imediato os demônios podem produzir
na matéria apenas movimentos locais, ou extrínsecos,
transferindo uma coisa de um lugar para outro, sem
entretanto alterar a natureza ou substância dessa coisa;
de modo indireto, através desses movimentos locais, eles
podem agir sobre a própria substância da matéria, ao
modificar a posição ou a quantidade dos elementos
constitutivos da mesma.
Caso Deus o permitisse,
os demônios, por sua natureza angélica, poderiam causar
toda espécie de transtornos físicos. O Cardeal Lepicier
afirma que se pode dizer que praticamente não há
fenômeno no mundo que não possa ser realizado, de um
modo ou outro, pelos anjos; logo, também pelos
demônios.(Cardeal A. LEPICIER, O Mundo invisível,
pp. 74.75.) E não raro o fazem, provocando tempestades,
cataclismos, incêndios e outros desastres como também
aparições fantasmagóricas, ruídos infernais e
perturbações de toda ordem.
Poder dos demônios sobre o homem
Em relação ao homem, os demônios só podem operar de modo
direto e imediato sobre aquilo que nele é
matéria, ou está e necessária dependência dela;
podem agir nas funções da vida vegetativa,
enquanto ligadas à matéria, e sobre a vida sensitiva,
porque esta depende de órgãos corporais. No que se
refere às funções próprias da vida intelectiva,
os demônios só podem chegar a elas indireta e
mediatamente, quer dizer, atuando sobre a parte
corpórea e sobre a vida sensitiva, das quais a alma deve
servir-se para desenvolver suas atividades espirituais.
Em outros termos, os demônios podem agir diretamente
sobre a parte corpórea do homem, mas apenas
indiretamente sobre sua inteligência e sua vontade.
Conforme ensina São Tomás,(Suma
Teológico.
1-2, q. 80, a. 1-3.) o entendimento, por inclinação
própria só se move quando algo o ilumina em ordem ao
conhecimento da verdade. Ora, os demônios não querem
conduzir o entendimento à verdade, mas, pelo contrário,
entenebrecê-lo como meio de levar o homem ao pecado. Por
isso, eles não conseguem mover diretamente a
inteligência do homem, e procuram então influir sobre
ela indiretamente, através de sua ação sobre a
imaginação e a sensibilidade.
Os demônios não podem tampouco mover diretamente a
vontade humana, pois isto só o próprio homem ou Deus
podem fazer; mesmo que o Maligno, por permissão divina,
se assenhoreie do corpo do homem e entenebreça sua mente
— como se dá na possessão — , ele não pode obrigá-lo a
pecar, pois a vontade não participaria dos atos maus
assim realizados, os quais seriam em conseqüência
pecados apenas materiais.
Para mover a vontade do homem, os demônios precisam, de
algum modo, convencê-lo, persuadi-lo a praticar uma ação
má, ainda que sob a aparência de um bem.
A ação persuasiva do demônio
"O demônio não força; ele
propõe, sugere, persuade, alicia”
O demônio não tem o poder de obrigar os homens a fazer
ou deixarem de fazer algo; por isso procura persuadi-los
para que se deixem conduzir pelo seu mal.
"Ele não os força: ele propõe, sugere, persuade, alicia”
escreve o Pe. J. de Tonquédec S.J., exorcista e
demonólogo francês. E acrescenta: “No Éden, ele deu a
Eva razões para ela transgredir a ordem divina (Gen 3,
4-5, 13); no deserto, solicitou Nosso Senhor pela
atração de uma dominação universal (Mt 4, 26-27)”. (J.
de TONQUÉDEC S.J., Quelques aspects de l´ation de
Satan en ce monde, p. 495.)
São Tomás também se refere a essa obra de persuasão do
demônio, explicando que a vontade humana só se move
internamente por ação do próprio homem ou de Deus;
externamente ela pode ser solicitada pelo objeto que,
entretanto, não força o homem a escolher o que não quer.
(Suma
Teológico,
1-2, q. 80, a. 1.)
O Pe. Cândido Lumbreras O.P., assim comenta essa
passagem do Doutor Angélico: “Que influência pode
exercer o demônio nos pecados dos homens? ... O demônio
pode oferecer aos sentidos seu objeto, falar à razão,
seja interiormente, seja exteriormente; alterar os
humores e produzir imagens perigosas, excitar enfim as
paixões que podem mover a vontade e assenhorear-se do
entendimento” .(C. LUMBRERAS O.P., Tratado de los
vicios y los pecados — Introducción. p. 766.)
Em comentário a outra
passagem de São Tomás, explica Pe. Jesus Valbuena O.P.:
“Que os anjos possam iluminar e de fato iluminem o
entendimento humano, é uma verdade que se atesta por uma
multidão lugares nas Sagradas Escrituras ... Também os
anjos maus são capazes de produzir, com sua virtude
natural, falsas iluminações no entendimento dos homens,
conforme nos admoesta São Paulo para que estejamos
alerta ´pois o próprio Satanás se disfarça em luz’
(2 Cor 11, 14).
“Afirma São Tomás que nos sentidos do homem, sejam
internos, sejam externos, os anjos podem influir e agir
a partir de fora e a partir de dentro dos mesmos, quer
dizer, extrínseca e intrisecamente; mas, em relação ao
entendimento e à vontade humanas, só os podem mover e
influir indireta e exteriormente, quer dizer propondo a
estas potências espirituais de uma maneira acomodada a
elas seus objetos, que são a verdade e o bem e influindo
nelas indiretamente mediante os sentidos, as paixões, as
alterações corporais sensíveis, etc., embora não possam
nunca chegar a dobrar ou completamente a vontade do
homem, se este se acha em estado normal” (J. VALBUENA
O.P., Tratado del Gobierno del Mundo— Introduccion,
p. 898.)
Nos casos de Eva e de Nosso Senhor, o demônio
“apresentou suas razões” tomando uma forma corpórea,
produzindo sons e articulando as palavras oralmente; no
geral dos casos, entretanto, o demônio, para persuadir o
homem a pecar, conjuga sua ação sensibilidade, a memória
e a imaginação.
As doutrinas perversas do
demônio
O demônio tem uma doutrina mentirosa, que opõe à
doutrina de Cristo.
Em sua introdução ao Tratado sobre os anjos, de
São de Aquino, comenta o Pe. Aureliano Martínez O.P.: “O
demônio tem suas doutrinas perversas, às quais o
Apóstolo chama espírito do erro e ensinamentos
do demônio (1 Tim 4, 1), com as quais como deus
deste mundo, cega a inteligência dos homens para
que não brilhe nelas a luz do Evangelho (2 Cor 4,
4); doutrinas que propala mediante falsos apóstolos
e operários enganadores que se disfarçam em apóstolos
de Cristo; e não é de espantar, pois o próprio
Satanás se disfarça em anjo de luz (2 Cor 11, 13-14),
tentando os fiéis de incontinência (1 Cor 7, 5) e de ira
(Ef 4, 27)”. (A MARTÍNEZ O.P., Tratado de Los Angeles
— Introducción, p. 511.)
Foi por essa razão que o Divino Salvador definiu o
demônio como aquele "que não permaneceu na verdade;
porque a verdade não está nele; quando ele diz a
mentira, fala do que lhe é próprio, porque é mentiroso e
pai da mentira” (Jo 8, 44).
Por meio dessa ação de persuasão o demônio
procura na tentação, não apenas induzir-nos a cometer
este ou aquele pecado, mas afastar-nos completamente de
Deus.
Limites à ação do demônio
Por mais poderoso que seja, com uma capacidade de ação
superior à de qualquer outro ser criado, o demônio,
entretanto, não é onipotente. Sendo mera criatura, ele
tem suas limitações, decorrentes de três fatores: sua
própria natureza, a condição particular de cada demônio
e a vontade permissiva de Deus.
Limites impostos por sua
própria natureza
Com toda criatura, o demônio está limitado em sua
atuação pela sua própria natureza: por mais elevado que
seja seu poder, este não pode ultrapassar os limites de
sua natureza criada.
Ele é um ser finito, contingente. Não se deve pois de
forma alguma julgar que ele é capaz de saber tudo
(oniciência), de poder tudo (onipotência) e estar em
todo lugar (onipresença): esses atributos são exclusivos
de Deus.
Sua inteligência, embora se tenha mantido intacta, está
privada de todo auxílio sobrenatural. Os demônios
perderam, com o pecado, toda forma de conhecimento
sobrenatural; enquanto os anjos
bons vêem em Deus o estado de uma alma
(se ela está na graça divina ou em pecado), os demônios
só podem fazer conjetura a respeito, O mesmo se deve
dizer quanto a certos acontecimentos futuros que Deus
revela aos anjos.
Por sua natureza, nem os anjos bons nem os demônios
podem conhecer o futuro livre ou futuro
contingente isto é, aquele que depende da vontade
divina e do livre arbítrio humano mas apenas
Deus, que o pode revelar aos seus anjos.
Outro limite natural à ação do demônio é, como vimos,
sua impossibilidade de agir diretamente sobre a
inteligência e a vontade humanas; ele tem de usar meios
indiretos: a sensibilidade, a imaginação, as paixões, e
sobretudo a persuasão.
Limites devidos à condição
particular de cada demônio
Outro limite à atuação demoníaca vem da diversa condição
de cada demônio. Assim como existem desigualdades entre
o homens, também entre os anjos e os demônios não há
dois iguais. Por isso, nem todos os demônios têm o
mesmo poder.
Outro fator de limitação é a posição relativa de cada
demônio na escala dos anjos decaídos, e as eventuais
ordens e proibições que existam entre eles.
Limites impostos por Deus
O demônio só pode agir em detrimento do homem com a
permissão de Deus.
Ensina o Cardeal Lepicier: “É preciso que nos lembremos
sempre de que, por muito grande que seja o poder do
demônio, tem limites que lhe foram sabiamente
determinados pelo Todo-Poderoso. Ele pode, sem dúvida,
fazer-nos mal, mas não além daquilo que lhe é permitido,
e bem conhece que o seu poder não pode durar muito. Pode
ser que o conhecimento da curta duração do seu reino
contribua para que redobre a sua atividade nos tempos
que vão correndo; mas todos os seus esforços obedecem
aos impenetráveis desígnios da Providência que só
permite que a sua influência seja exercida até certo
grau, de forma que nos possamos colocar debaixo da
proteção de Deus e ganhar, pelos nossos méritos, a
vitória final e a coroa da imortal glória que nos espera
no Céu" ( Cardeal A. LÉPICIER, O.S.M., O Mundo
invisível, p.242.)
No livro de Jó, no qual é
nomeado pela primeira vez nas Escrituras, Satanás
aparece como agente do mal, porém absolutamente
subordinado a Deus.
Embora tenha inveja do
justo Jó e queira pôr sua virtude à prova, por meio da
infelicidade, Satanás não pode agir senão com a
autorização divina. Ele tem necessidade de uma
permissão, ou até mesmo de uma delegação do Senhor. Sua
ação é estritamente limitada à vontade de Deus, que
permite, primeiro atacar seu servidor exclusivamente em
seus bens e não em sua pessoa; depois em sua pessoa,
mantendo entretanto sua vida (Jó 1, 6-12; 2, 1-7).
São Paulo nos
tranqüiliza: "Deus é fiel, o qual não permitirá que
sejais tentados além do que podem as vossas forças;
antes, com a tentação, vos dará as forças necessárias
para sair dela e para suportá-la" (1 Cor 10,13).
Por que Deus permite que
o demônio tente o homem, como também o prejudique,
muitas vezes, de tantos modos? Como fica patente em
tantas passagens da Escritura e ensinamentos do
Magistério eclesiástico, essa permissão divina tem como
escopo santificar o homem por meio de provações, puní-lo
por alguma falta grave, servir de ocasião para que se
manifeste o poder divino de um modo visível, como no
caso dos exorcismos de possessos.
Poder dos anjos bons
sobre os demônios
Ensina São Tomás que os
anjos bons, mesmo que por natureza pertençam a uma
hierarquia inferior à de algum demônio ( por exemplo em
ralação a Satanás), sempre têm um domínio sobre os anjos
decaídos. Pois os anjos gozam de perfeição da amizade
de Deus, da qual estão privados os demônio; e esta
perfeição é superior à mera excelência natural, a única
que permanecesse nos demônios ( Suma Teológica, 1,q.
109,a.4. )
Por isso observa o
Cardeal Lepicier: " A sabedoria de Deus torna-se ainda
mais manifesta , quando consideramos que ele colocou os
espíritos malignos debaixo do domínio dos anjos bons e
deu a cada homem, neste mundo, um anjo bom que o
ilumina, guia os seus passos e o defende contra os seus
inimigos. Por isso, os assaltos do inimigo das almas
são aniquilados pela intervenção daqueles espíritos que
se conservam fiéis a Deus, e o demônio acaba por
contribuir para a maior glória do Criador". (Cardeal A.
LÉPICIER, op. cit., p. 241. )
III - AÇÃO ORDINÁRIA E EXTRAORDINÁRIA DO
DEMÔNIO
DEUS GOVERNA O MUNDO, respeitando sua ordem e suas leis;
isto é, a normalidade, a simplicidade, o usual das
coisas; tudo aquilo que sai desta linha e que parece
maravilhoso, prodigioso, milagroso é excepcional, muito
raro. Deus nos criou livres e espera de nós um livre
consentimento à fé, sem que nisto sejamos influenciados
por uma manifestação habitual do preternatural e do
sobrenatural.
Entretanto, para
provar-nos, para que mereçamos a bem-aventurança eterna,
como também, muitas vezes, para castigo nosso, permite
Deus que o demônio nos atormente.
A inclinação para o mal nos provém de três causas: de
nossa natureza, ferida pelo pecado original; do mundo e
do demônio. Entretanto Satanás desperta em nós,
continuamente, a tríplice concupiscência com insistentes
tentações de soberba e orgulho, de luxúria, de avidez em
todos os níveis.
Essa é a ação ordinária, comum, corrente do
demônio — ou seja, a tentação. Além dela, pode o Maligno
exercer uma ação
extraordinária.
A ação ou atividade demoníaca extraordinária pode
ser assim qualificada por duas razões: em primeiro
lugar, pelo seu caráter surpreendente, sensacional,
espetacular; em segundo, pela sua relativa raridade (se
comparada com a ação ordinária). Estamos nos referindo à
infestação e à possessão
diabólica.
Trataremos em primeiro lugar da tentação; a seguir, das
duas formas de infestação - a local e a pessoal; no
capítulo seguinte, da possessão.
A tentação
“Bem-aventurado o homem que
sofre (com paciência) a tentação.
porque depois que tiver
sido provado, receberá a coroa da
vida, que Deus promete aos que o amam".
(Tiag 1,12)
A AÇÃO MAIS COMUM e constante do demônio, em relação ao
homem, é a tentação. Por esse seu aspecto comum e
também por ser a mais freqüente, pode-se chamá-la de
ação ordinária do demônio.
Natureza da tentação
Em seu sentido etimológico, tentar alguém
significa pô-lo à prova para que se conheçam suas
disposições ou qualidades.
Tentação probatória e tentação
enganadora ou sedutora
Santo Agostinho estabeleceu uma distinção, que se tomou
clássica, entre a tentação probatória (tentatio
probationis) e a tentação enganadora ou
sedutora (tentatio decepcionis vel seducionis).
A tentação probatória não visa levar ao pecado, e
sim tornar patente a virtude de alguém ou fortalecê-la
por meio da provação. Nesse sentido é que se pode falar
de tentação de Deus, como, por exemplo, as
provações que o Criador, servindo-se do demônio, enviou
a Jó para provar sua fidelidade (cf. Jó 14, 1 ss).
Pode-se falar também de tentar a Deus
quando se pretende pôr Deus à prova, exigindo dele um
milagre ou uma ação extraordinária, com o fim de
satisfazer nossa curiosidade, nossos caprichos, ou
livrar-nos das conseqüências de nossas irreflexões ou
imprudências. “Tentar a Deus — escreve D. Duarte
Leopoldo e Silva - é expor-se ao perigo, a grandes
tentações, sem necessidade, e depois pedir um milagre
para não sucumbir. Deus protege no perigo, mas nem por
isso devemos expor-nos temerariamente, porque, diz o
Espírito Santo, quem ama o perigo nele perecerá” . (Con.
Duarte LEOPOLDO E SILVA, Concordancia dos Sanctos
Evangelhos, Escola Typographica Salesiana, São Paulo, I
edição, 1903.)
A tentação enganadora ou sedutora visa
levar o homem à ruína espiritual; ela propõe-lhe um mal
sob a aparência de um bem, procurando arrastá-lo ao
desejo desse mal, isto é, ao pecado. Pode, então, ser
definida como uma incitação ao pecado. Consiste
em um estímulo, uma solicitação da vontade para o mal.
Quando procede de nós mesmos (tentação interna), pode
ser indicada mais bem como inclinação,
arrebatamento, estímulo; se provém de outros
inclusive do demônio podemos referir-nos a ela como
convite, solicitação,
incitação.
Causas naturais da tentação: o
mundo e a carne
Nem todas as tentações que o homem padece provém do
demônio; também o mundo e a carne têm
nelas uma grande parte: "Nem todos os pecados são
cometidos por instigação do demônio, mas alguns são
cometidos pela livre vontade e corrupção da carne” -
ensina São Tomás. ( Suma Teológica, 1,q.114,a.3.)
A raiz mesma da tentação está na própria natureza
humana, livre porém demasiado frágil, sobretudo depois
que decaiu de sua integridade, em conseqüência do pecado
original. “Cada um é tentado pela sua própria
concupiscência, que o atrai e o alicia” - escreve o
Apóstolo São Tiago (Tiag 1, 14), que repete a mesma
idéia pouco à frente: “De onde vêm as guerras e as
contendas entre vós? Não vêm elas das vossas
concupiscências que combatem em vossos membros?”
(Tiag 4, 1).
São Paulo descreve em termos dramáticos essa terrível
realidade: "Sinto imperar em mim unia lei: querendo
fazer o bem, eis que o mal se apresenta a mim. Segundo o
homem interior, acho satisfação na lei de Deus; mas em
meus membros experimento outra lei que se opõe à
lei do meu espírito e me encadeia à lei do pecado que
reina em meus membros” (Rom 7, 21-24)*
*“São
Paulo descreve a luta que se trava no interior do homem
entre a carne e o e espírito. O homem reconhece a
justiça e a bondade da lei, mas a concupiscência
excita-o fortemente a desobedecer-lhe” (Pe. MATOS
SOARES). A carne, aqui, significa a natureza humana
decaída em conseqüência do pecado original, que a tornou
desregrada. De si, a carne ou seja, a natureza humana é
boa, pois criada por Deus.
Essa a lei da carne
Também o mundo procura arrastar-nos ao pecado,
pois "está sob o jugo do maligno” (1 Jo 5, 19),
e “a amizade deste mundo é inimiga de Deus” (Tiag
4, 4). Se rompermos com o mundo ele nos perseguirá,
adverte o Salvador, pois não somos do mundo ( Jo 15,
19). Por isso, Jesus disse expressamente que não rezava
pelo mundo (Jo 17, 9).
Um homem pode ser tentador de outro homem, segundo o
espírito do mundo. Foi o que fez São Pedro, procurando
desviar o Senhor do caminho da Cruz: “A partir
daquele momento, começou Jesus a revelar a seus
discípulos que era necessário que fosse a Jerusalém,
padecesse muito da parte dos anciãos, dos sumos
sacerdotes e dos escribas, e fosse condenado à morte, e
ao terceiro dia ressuscitasse. Pedro, tomando-o à parte,
começou a admoestá-lo, dizendo: ´Deus te livre, Senhor!
Isto não te pode acontecer!´Ele, porém, voltando-se,
disse a Pedro: 'Retira-te de mim, Satanás! Pois és para
mim obstáculo (isto é, tentação); os teus pensamentos
não são de Deus, mas dos homens!' “ (Mt 16, 21-23).
Somos, pois, tentados pela nossa própria fragilidade,
pelo nosso temperamento, nossa índole, formação,
ambiente, familiares, amigos, situações e ocasiões; em
uma palavra: pela carne e pelo mundo.
A tentação demoníaca
Porém, conforme ensina o Apóstolo, “não temos que
lutar somente contra a carne e o sangue, mas sim contra
os principados e as potestades, contra os dominadores
deste mundo de trevas, contra os espiritos malignos
espalhados pelos ares.. “(Ef 6, 10-11).
É fora de dúvida que muitíssimas tentações são obra
direta do demônio, cujo oficio próprio — diz São Tomás —
é tentar. (
Suma Teológica,
1,q. 114,a .2. )
A maior parte da atividade demoníaca se concretiza na
tentação. Por isso o demônio, no Evangelho, é chamado
tentador (cf. Mt 4, 3).
As demais causas da tentação — o mundo e a carne — podem
atuar dependentemente umas das outras; entretanto, é
comum que, nas tentações, a atração do mundo se una à
revolta da sensualidade, e a ambas se some a ação
aliciante do demônio.
De tal modo que, embora os teólogos aceitem no plano
teórico a possilidade de a tentação poder ter uma causa
apenas natural o mundo ou a carne sem entrar
necessariamente a ação do demônio, no plano prático, em
geral, admitem que o Maligno, sempre à espreita, se
aproveita de todas as circunstâncias para cavalgar a
tentação e aumentar a sua intensidade ou malícia.
De onde a advertência de São Paulo: “Se sentirdes
raiva, seja sem pecar: não se ponha o sol sobre vossa
ira, para não dardes oportunidade ao demônio” (Ef 4,
26-27).
O homem diante da tentação
A tentação não é pecado
A tentação, de si mesma, obviamente não é pecado. Pois o
próprio salvador permitiu ser tentado pelo demônio (Mt
4, 1-11; Mc 1, 12-13; Lc 4, 1-13).
Como dissemos, o demônio não pode agir diretamente sobre
a inteligência ou a vontade humanas e por isso procura
influenciá-las por meios indiretos, em seu escopo de
fazer-nos pecar. Mesmo podendo resistir ao tentador, o
homem freqüentemente se deixa seduzir.
Para nos tentar, o demônio pode excitar a imaginação de
modo a formar nela imagens e representações lúbricas ou
perturbadoras; interferir em movimentos corporais que
favoreçam os maus atos ou
maus pensamentos, intensificar as
paixões, procurar enredar-nos em sofismas, em erros,
etc.
Entretanto, o homem não é culpado das tentações que
sofre, a não ser quando elas são conseqüência de
imprudências, permitidas ou procuradas voluntariamente,
por exemplo, com olhares indevidos, freqüência a lugares
perigosos, más companhias, etc. Do contrário, ele só
será culpado nos casos em que der um consentimento pleno
e deliberado ás solicitações das tentações.*
*“Três coisas devemos
distinguir na tentação: a sugestão, a deleitação e o
consentimento. A sugestão não é um pecado, porque
não depende da nossa vontade, A simples deleitação,
quando involuntária, também não é pecado. Só o
consentimento é sempre criminoso, porque depende
exclusivamente de nós o aceitar ou não a sugestão do
pecado" (Con. Duarte LEOPOLDO E SILVA, op. cit., p. 34,
n. 5).
Por mais intensa que seja uma tentação, se o homem lutou
contra ela o tempo todo, não cometeu a menor falta; pelo
contrário adquiriu méritos para sua santificação,
segundo escreve São Tiago Apóstolo: “Bem-aventurado o
homem que sofre (com paciência) a tentação, porque,
depois que tiver sido provado, receberá a coroa da vida,
que Deus prometeu aos que o amam” (Tiag 1, 12).
Necessidade da vigilância e da
oração
Devemos estar sempre alertas para enfrentar as
provocações, como nos recomendou Nosso Senhor na hora de
sua Paixão: "Vigiai e orai, para que não entreis em
tentação; o espírito na verdade está pronto, mas a carne
é fraca” (Mt 26, 41). O mesmo aconselha São Pedro: “Séde
sóbrios e vigiai, porque o demônio, vosso adversário,
anda ao redor como um leão que ruge, buscando a quem
devorar” (1 Ped 5,8).
Vigiar, porém, não basta. É preciso resistir ao demônio:
"Resisti ao demônio, e ele fugirá de vós” (Tiag
4, 7) — nos assegura São Tiago. “Resisti-lhe [ao
demônio] fortes na fé” — manda São Pedro (1 Ped
5,9).
E São Paulo exorta: “Revesti-vos da armadura de Deus
para que possais resistir às ciladas do demônio. ...
tomai a armadura de Deus, para que possais resistir no
dia mau, e ficar de pé depois de ter vencido tudo.
Estai, pois, firmes tendo cingido os vossos rins com a
verdade, e vestindo a couraça da justiça ... tomai o
escudo da fé com que possais apagar todos os dardos
inflamados do maligno, tomai também o elmo da salvação e
a espada do espírito ( que é a palavra de Deus)” (Ef
6, 11-17).
Deus não permite que sejamos
tentados além de nossas forças
Devemos, entretanto, ter sempre presente esta
consoladora verdade: é certo que Deus não permite
sejamos tentados além de nossas forças. Este é o
ensinamento de São Paulo: “Nenhuma tentação vos
sobreveio que superasse as forças humanas. Deus é fiel:
não permitirá que sejais tentados acima das vossas
forças: mas, com a tentação, vos dará também o meio de
sair dela e a força para que suportá-la” (1 Cor
10,13).
A infestação
"Não temos que lutar somente
contra a carne e o
sangue, mas sim
contra os principados e
as potestades,
contra os dominadores
deste mundo de
trevas, contra os
espíritos malignos
espalhados pelos ares.. "
(Ef 6, 10-11)
A TERMINOLOGIA a respeito da ação extraordinária do
demônio sobre os homens, as coisas e os locais, não é
uniforme: alguns autores falam em obsessão, para
designar essa atuação demônio, quer se trate de sua
simples presença local, quer de atuação sobre o homem,
mas sem possuí-lo, quer da possessão. Outros criam
termos especiais como circumissessão, para
designar a ação demoníaca externa ao homem.
Adotamos aqui a terminologia utilizada por Mons. Corrado
Balducci, por parecer-nos mais simples e direta:
infestação local, infestação pessoal e possessão
diabólica. (Cf Mons. C. BALDIJCcI, Gli indemoniati,
p. 3; El diablo, pp. 156-158.)
Trataremos em primeiro lugar das duas formas de
infestação — a local e a pessoal; no capítulo seguinte,
da possessão.
Infestação local
A infestação local consiste em uma atividade
perturbara que o demônio exerce diretamente sobre a
natureza inanimada (reino mineral, elementos
atmosféricos, etc.) e animada inferior (reino vegetal e
reino animal), e também sobre lugares, procurando desse
modo atingir indiretamente o homem, sempre em modo
maléfico.
Com efeito, todas as
criaturas, mesmo as irracionais, por maldição do pecado,
ficaram sob o poder do demônio (cf. Rom 8, 21ss). Assim,
os lugares e as coisas, do mesmo modo que as pessoas,
estão sujeitas à infestação demoníaca. E preciso não
esquecer a atuação dos demônios dos ares, a
respeito das quais nos adverte o Apóstolo: “Não temos
que lutar somente contra a carne e o sangue, mas sim
contra os principados e as potestades, contra os
dominadores deste mundo de trevas, contra os espíritos
malignos espalhados pelos ares...” (Ef 6, 10-11).
Entram nessa categoria as casas e lugares infestados:
objetos que voam ou se deslocam de lugar, sons estranhos
ou perturbadores (passos, pedradas nas vidraças ou no
telhado, uivos, gritos, gargalhadas); impressão de
presenças invisíveis, sensação de perigos inexistentes,
etc.; distúrbios visíveis, estranhos e repentinos que se
verificam no mundo vegetal e no mundo animal (árvores ou
plantações que secam repentinamente, doenças
desconhecidas nos animais, pragas, etc.).
Certos fenômenos ou calamidades de aparência e
estruturas naturais (tempestades, terremotos e outros
cataclismos, incêndios, desastres, etc.) podem ter
igualmente o demônio como autor, senão único direto
(como na possessão), ao menos parcial e dirigente. Por
exemplo, o raio que caiu do céu e consumiu os pastores e
as
ovelhas de Jó, do mesmo modo que o vento do deserto que
fez cair a casa dos filhos do Patriarca, esmagando-os
sob as ruínas, foram suscitados por Satanás (Jó 2,
16-19). Nesse caso, podem ser incluídos essas
manifestações demoníacas extraordinárias.
Muitas vezes, tais manifestações ocorrem em
concomitância com casos de infestação pessoal ou de
possessão diabólica.
Infestação pessoal
A infestação pessoal é uma perturbação que o
demônio exerce, já não mais sobre o mundo material e as
criaturas irracionais, mas sobre uma pessoa,
diretamente, sem contudo impedir-lhe o uso da
inteligência e da livre vontade. Apesar de ser
excepcional, é talvez o mais freqüente dos três tipos de
atividade maléfica extraordinária - isto é, infestação
local, infestação pessoal, possessão.
Como a infestação local,
a pessoal também comporta graus de intensidade, e
diversa modalidade.
A infestação pessoal pode ser externa ou física e
interna ou psicológica, conforme se exerça sobre os
sentidos externos ou internos e sobre as paixões do
homem. Com freqüência, a infestação é simultaneamente
externa e interna.
Na infestação externa ou física, demônio age sobre
nossos sentidos externos: a vista, provocando
aparições sedutoras ou, contrário, apavorantes; a
audição, fazendo ouvir rumores, palavras ou canções
obscenas, blasfêmias, convites, agrados ou ameaças; o
tacto, com sensações provocantes, abraços,
movimentos carnais; então dores, doenças, etc.
Mas o demônio pode atuar também sobre os sentidos
internos (fantasia e memória) e sobre as paixões.
A infestação interna ou psicológica
consiste em sugestões violentas e tenazes: idéias fixas,
imagens expressivas e absorventes, movimentos profundos
de emotividade e de paixão - por exemplo, desgostos,
amargura, ressentimentos, ódio, angústias, desespero;
ou, ao contrário, inclinação para algum objeto ilícito,
ou inclinação, de si lícita, mas desregrada quanto ao
modo e à intensidade.
Comenta o Pe. Tanquerey: “A pessoa se sente, embora com
desgosto, invadida por fantasias importunas, tediosas,
que persistem não obstante os esforços vigorosos para
afastá-las; ou então por frêmitos de ira, angústia,
desespero, ímpetos instintivos de antipatia; ou pelo
contrário, por perigosas ternuras sem razão alguma que
as justifiquem” . (Adolphe TANQUEREY, Precis de
Théotogie Ascétique ei Mystique. p. 958.)
Os acessos de melancolia e os transportes de furor que
afligiam Saúl, por obra de um demônio e por permissão
divina ( cf. 1 Reis 16, 14-23), são característicos da
infestação pessoal interna,
infestação psicológica.
Diferentemente do possesso, o infestado guarda a
disposição de seus atos exteriores, embora em muitos
casos tenha sua liberdade diminuída. Ele conserva o
poder de reagir contra as sugestões do interior ( por
exemplo, sugestões de blasfêmias), de julgar sobre o
valor moral destas sugestões, achando-as abomináveis.
Uma das modalidades de infestação pessoal, talvez das
mais freqüentes são as doenças, muitas vezes
desconhecidas e incuráveis, que chegam a levar à morte,
se Deus o permitir. É o que, aliás, lemos no livro de
Já: “Disse, pois, o Senhor a Satanás: Eis que ele
(Jó) está na tua mão; conserva, porém, a sua vida”
(Jó 2, 6).
As escrituras apresentam vários casos de tais
enfemidades de origem de diabólica. Exemplo clássico, é
a lepra que cobre de chagas o justo Jó, da planta dos
pés até o alto da cabeça (Já 2, 7-8).
Seriam igualmente vítimas de infestação diabólica a
mulher encurvada, atormentada pelo demônio havia dezoito
anos, de tal sorte que não se podia endireitar, e que
foi curada por Nosso Senhor (Luc 13, 11); o menino
epilético (Mt 17, 14; Mc 9, 17; Luc 9, 38); o mudo (Mt
9,32); e o cego mudo (Mt 12, 22).
Mons. Balduecci se refere a doenças de origem demoníaca,
por efeito de maleficios, observando que nestes
casos os distúrbios são com freqüência de ordem física,
sendo dificilmente diagnosticados pelos médicos; outras
vezes se trata de inconvenientes que atacam a vida
psíquica, a própria personalidade do indivíduo,
tomando-o difícil, raivoso e até incapaz de atuar no
âmbito de sua vida familiar e social.(Cf. Mons.
C.BALDUCCI, El diablo, p. 184.)
Convém precisar que muitas das manifestações acima
descritas, embora próprias às infestações locais ou
pessoais, não são exclusivas delas e nem sempre são de
origem demôniaca; várias anomalias de ordem psíquica (ilusões,
alucinações, delírios) podem se externar pelos
mesmos fenômenos; um cuidadoso exame do indivíduo e das
circunstâncias que acompanham os fatos poderá revelar a
origem natural patológica ou demoníaca dos distúrbios.
Vítimas prediletas da
infestação
Se bem que qualquer pessoa possa ser vítima desse tipo
de tormento diabólico, Mons. Balducci indica três
categorias de pessoas que estariam mais sujeitas a ele:
os santos, os exorcistas e demonólogos,
e os maleficiados (vítimas de malefício).
Os santos, por causa do ódio que o demônio tem
daqueles que de modo especial amam a Deus e procuram a
perfeição; isto, do lado da intenção do demônio; do lado
da permissão divina, esta é dada como provação especial
a almas muito eleitas. Vários santos a experimentaram.
Entre os antigos, basta lembrar Santo Antão; do mesmo
modo Santa Catarina de Siena (1347-1380); São Francisco
Xavier (1506-1552); Santa Teresa de Jesus (1515-1582);
Santa Maria Madalena de Pazzi (1566-1607); São João
Batista Vianney, o Cura d’Ars (1786-1859) São João Bosco
(1815-1888); Santa Gemma Galgani (1878-1903).*
*
Os exorcistas e demonólogos: a razão é tão
óbvia que quase não é preciso dá-la; os primeiros, com
seu ministério, fazem diminuir a presença do demônio no
mundo e libertam suas vítimas; os segundos, com seus
estudos, esclarecem os fiéis com relação à existência e
atividade demoníacas.
Os maleficiados (vítimas de malefício),
por permissão de Deus, para seu castigo, ou provação, ou
para manifestar o poder divino. ( Cf. Mons. C. BALDUCCI,
El diablo, p. 179.)
4 Esta Santa leiga, grande mística, recebeu os estigmas
da Paixão, tinha freqüentes visões de Nosso Senhor e de
Nossa Senhora, e um comércio quase contínuo com seu Anjo
da Guarda. Foi muito atormentada pelo demônio que a
espancava com uma vara durante horas e horas, às vezes a
noite inteira, causando-lhe profundas esquimoses no
corpo, que duravam vários dias, até que Nosso Senhor as
curasse. Perseguia-a por toda a parte, em casa, na rua,
na igreja, com aparições, assumindo o aspecto de um
cachorro, de um gato, de um macaco, de pessoas
conhecidas, ou de homens ferozes e espantosos. Várias
vezes um desses homens horríveis a jogou na lama quando
saia de casa para ir comungar. O demônio lhe aparecia
também sob a figura de seu confessor, Mons. Volpi e
outras debaixo da aparência do Anjo da Guarda, chegando
a confundi-la; de certa feita o Maligno assumiu a figura
de Jesus flagelado, com o coração aberto e todo
ensangüentado, para pedir-lhe maiores penitências, com a
dupla finalidade de fazer deteriorar sua já delicada
saúde e incitá-la a desobedecer o confessor que as havia
proibido ( Mons. C. BALDUCCI,
El diablo PP. 179-181).
A possessão
“E pela tarde apresentaram-Lhe
muitos possessos do demônio".
(Mt 8, 16)
A POSSESSÃO é a
mais espetacular das manifestações diabólicas e a que
mais impressiona as imaginações; a tal ponto, que deixa
na penumbra o trabalho constante do demônio que, por
meio da tentação, procura seduzir os homens ao pecado.
Realidade da possessão
diabólica
No que se refere à possessão diabólica, há duas posições
erradas que é preciso evitar: a primeira, consiste em
acreditar com facilidade que uma pessoa está possessa,
sem maior exame, pela impressão causada por sintomas que
podem bem corresponder a outros estados, não sendo de si
suficientes para caracterizar a possessão; a segunda
posição está em negar que hoje ocorram casos de
possessão; chega mesmo a negar que alguma vez se tenham
dado. Esta posição extremada se choca com uma verdade
claramente ensinada pela Sagrada Escritura, pela
Tradição e pela prática da Igreja.
Os racionalistas pretendem que os casos de possessão
diabólica relatados na Escritura não passam de casos
patológicos — mania, loucura, histeria e epilepsia.
Dizem que Jesus não pretendia que esses infelizes
enfermos, chamados endemoniados, estivessem
realmente possessos, mas tratava-os de acordo com as
convicções dos seus contemporâneos, os quais acreditavam
na ação demoníaca.
Nada mais falso, e os
Evangelistas distinguem bem entre a doença e a
possessão.
Assim, São Marcos escreve: “E de tarde, sendo já
posto o sol, traziam-lhe (a Jesus) todos os que estavam
doentes e os possessos do demônio E curou muitos que se
achavam oprimidos com varias doenças. e expeliu muitos
demonios” (Mc 1, 32-34).
E em São Mateus está escrito: “E pela tarde
apresentaram-lhe muitos possessos do demônio, e ele com
a (sua) palavra expelia os espíritos maus, e curou todos
os enfermos” (Mt 8, 16).
Do mesmo modo São Lucas: “E quando foi sol posto,
todos os que tinham enfermos de diversas moléstias,
traziam-lhos. E ele impondo as mãos sobre cada um,
sarava-os. E de muitos saíam demônios gritando”
(Lc 4,40-41).
É evidente nestas passagens que os Evangelistas se
referem à cura de doentes e à expulsão de demônios como
dois casos diferentes.
De resto, o próprio Salvador afirma que expulsava os
demônios dos possessos. Por exemplo, aos judeus
incrédulos disse Jesus: “Se eu, porém lanço fora os
demônios pela virtude do Espírito de Deus, é chegado a
vós o reino de Deus” (Mt 12, 28). “Se eu, pelo
dedo de Deus lanço fora os demônios, certamente chegou a
vós reino de Deus”(Lc 11,20).
E Ele mesmo distingue bem os casos de doença dos de
possessão, ao dizer: “Eis que eu expulso os demônios
e opero curas” (Lc 13, 32).
A Liturgia e a prática da Igreja, com a instituição dos
exorcismos, bem como o ensinamento dos teólogos, indicam
que Ela crê na possessão diabólica. Ao mesmo tempo,
estabelecendo que os exorcismos sobre possessos não
sejam feitos senão depois de maduro exame e mediante
especial autorização, a Igreja indica que não se deve
crer levianamente nos casos de possessão.
Em resumo, que se tenham dado alguns casos, pelo menos
de verdadeira possessão diabólica, como os relatados nos
Evangelhos, é verdade de fé; que depois se tenham
dado outros, é doutrina comum dos teólogos, que não pode
ser negada sem temeridade.
Natureza da possessão
A possessão consiste em um domínio que o demônio exerce
diretamente sobre o corpo e indiretamente sobre a alma
de uma pessoa. Esta
se converte em um instrumento cego,
dócil, fatalmente obediente ao poder perverso e
despótico do demônio.
O indivíduo em tal estado é chamado justamente
possesso, endemoniado, enquanto instrumento,
vitima do poder demoníaco, ou energúmeno, porque
mostra uma agitação insólita.
Características
A possessão se caracteriza por dois elementos: a)
presença do demônio no corpo do homem; b) exercício de
um poder por parte demônio sobre o mesmo.
Quanto â presença demoníaca, ela não significa uma
presença física, como anjo (decaído), o demônio é
puro espírito; sua presença se dá pelo contacto
operativo, isto é, o demônio está onde atua desse
modo, o demônio pode desenvolver sua atividade por toda
a parte, tanto fora como dentro dos corpos humanos.
Sendo assim, um indivíduo pode estar possuído por
vários demônios (os quais operam simultaneamente sobre
ele, embora sob aspectos diversos), como um só demônio
pode possuir várias pessoas (atuando sucessivamente
sobre cada uma delas).
O modo como se opera a possessão é explicado por São
Tomás de Aquino:
"Os anjos bons e os maus têm o poder, em virtude de sua
natureza, de modificar nossos corpos, como qualquer
outro objeto material. E como eles estão presentes num
lugar na medida em que operam nele, assim eles penetram
em nossos corpos. Do mesmo modo, ainda, eles
impressionam as faculdades ligadas a nossos órgãos: às
modificações dos órgãos respondem as modificações das
faculdades. Mas a impressão não chega até à vontade,
porque a vontade, nem seu exercício, nem em seu objeto,
depende de um órgão corporal; ela recebe seu objeto da
inteligência, na medida em que esta desentranha, do que
ela percebe, a noção de bondade do ser”.
(In 2dum Sent., Dist. VIII, q. un. a. 5,
sol. apud L. ROURE, Possession Diabolique, col.)
Em outro lugar o Santo Doutor explica que o diabo não
pode
penetrar diretamente na alma do homem,
pois isto somente a Santíssima Trindade pode fazer. (Suma
Teológica,
3,q. 8,a.8)
Isto quer dizer que, na possessão, embora o demônio
domine o corpo, sobretudo o sistema nervoso, e possa
impedir o uso das potências da alma, ele não pode
penetrar nela e obrigar sua vítima a cometer um pecado,
ou aceitar as doutrinas diabólicas.
O possesso não é moralmente responsável por seus atos,
por piores que sejam, uma vez que não tem plena
consciência deles, nem existe colaboração da vontade.
Efeitos da ação do demônio
sobre o possesso
A presença operante do demônio no endemoniado não
é contínua, mas se manifesta por períodos de crise. Não
falta ao demônio poder nem vontade de atormentar
ininterruptamente sua vítima, tal o ódio ao homem; Deus
é que não o permite, pois a pessoa não resistiria.
A influência do demônio sobre os possessos não é
simplesmente indireta ou moral, como, por exemplo, nas
tentações, mesmo as mais fortes; ela é uma ação direta e
física, exercida pelos espírito das trevas sobre os
órgãos corporais do infeliz submetido ao seu império. De
onde resulta para este último um estado doentio,
estranho, que sai das leis ordinárias das afecções
mórbidas, embora freqüentemente acompanhado de fenômenos
de ordem puramente natural, que o demônio determina
nele, simultaneamente com aqueles que ultrapassam a
esfera própria aos agentes físicos. Esses fenômenos são
habitualmente uma superexcitação geral e profunda de
todo o sistema nervoso.
Outras vezes, ao contrário, o demônio comunica à sua
vítima um crescimento extraordinário da força muscular.
O infeliz entra em fúria a ponto de espumar de raiva,
ranger os dentes, soltar gritos espantosos,
precipitar-se na água ou no fogo. Ele se torna então
perigoso para aqueles que se aproximam dele; destrói,
como simples pedaço de palha, as cadeias de feno com as
quais o querem prender; e, se ele não puder atingir os
outros, volta conta si mesmo o seu furor, arranhando-se
com as unhas, machucando-se com as pedras do caminho.
Essa ação perturbadora e nociva do demônio sobre os
órgãos corporais expande-se sobre as faculdades mistas,
como a imaginação, a memória, a sensibilidade.
Estende-se mesmo mais longe e mais alto no ser humano,
porque ela tem sua repercussão até na inteligência. As
operações intelectuais apresentam, às vezes, um tal
caráter de incoerência, que os demoníacos parecem
atingidos de alienação mental. Não é raro também ver-se
produzir, no domínio do espírito, um fenômeno análogo
àquele que se passa no seus órgãos. Assim como o
demônio, em lugar de paralisar as energias corporais do
demoníaco, aumenta seu poder, do mesmo modo, em vez de
diminuir suas luzes naturais, ele comunica à sua
inteligência conhecimentos que ultrapassam de muito seu
poder.
Possessão e infestação:
fenômenos da mesma espécie
A infestação pessoal (ou obsessão) e a
possessão constituem fenômenos da mesma espécie,
variando apenas em grau, e são classificadas pelos
teólogos como ações extraordinárias e diretas
do demônio, enquanto a tentação é indicada como
ordinária e indireta.
Observa o Cardeal Lepicier que a diferença entre a
infestação pessoal e a possessão não é um diferença de
espécie, mas somente de grau, visto que estas formas
diferem mais ou menos, conforme for maior ou menor o
grau do poder exercido pelo demônio sobre o corpo do
indivíduo a quem ele resolveu atormentar. Os fenômenos
de infestação pessoal não são, por vezes, menos graves
do que os de possessão. De fato, o Ritual Romano não
estabelece diferença alguma entre eles, e as línguas
latina e italiana têm apenas uma palavra clássica para
designar ambas as formas, isto é, obsessão diabólica.(Cf.
Card. A. LEPICIER, O Mundo Invisível, p. 277.)
É verdade — explica o Pe. Roure — que a possessão não
penetra até o íntimo da alma; conseqüentemente ela não
pode ditar, impor ao possesso um ato pessoal de
inteligência ou de vontade; mas a ação diabólica chega a
neutralizar, a impedir o exercício da inteligência e da
vontade, de modo que o possesso torna-se incapaz de
conhecer, de julgar e de querer tudo o que se passa e se
agita nele. Na infestação tal não se dá; a vítima
conserva o domínio de suas faculdades superiores (a
inteligência e a vontade), e pode mesmo servir-se delas
para enfrentar os assaltos do Maligno. Dessa forma
acontece que a efervescência diabólica pode deixar o
fundo da alma em paz. (Cf. L. ROURE, Possession
Diabolique, cols. 2645-2646.)
Causas da possessão
Punição, provação...
A permissão dada por Deus ao demônio de, na possessão
apoderar-se assim dos órgãos corporais e das faculdades
espirituais de uma criatura humana, é, às vezes, punição
de certos pecados graves cometidos pelos possessos, em
particular os pecados da carne. Entretanto não é sempre
assim. Um endemoniado não é necessariamente culpado.
Algumas vezes, Deus permite esse estado para ressaltar
sua glória pela intervenção ostensiva de seu poder
absoluto (cf. Jo 9, 1-8), ou para provar os possessos.
São Boaventura explica que Deus permite a possessão
“seja em vista de manifestar sua glória, obrigando o
demônio pela boca possesso a confessar, por exemplo, a
divindade de Cristo, seja para punição do pecado, seja
para nossa instrução. Mas, por qual dessas causas
precisamente ele deixa o demônio possuir um homem, é o
que escapa à sagacidade humana: os julgamentos de Deus
são escodidos aos homens. O que é certo, é que eles são
sempre justos” (In 2dum Sent. dist. VIII. part II. q. 1
art único apud L. ROURE, Possession Diabolique., col.
2644.)
O caráter espetacular da possessão acaba por apresentar
um efeito apologético e ascético benéfico, pois torna
patente e quase visível a existência do Espírito das
trevas.
Esta é uma das razões
pelas quais Deus permite a possessão diabólica, pois
obriga o Maligno a agir como que a descoberto,
dando mostras públicas da sua maldade, do seu ódio
contra o homem e a criação.
Práticas supersticiosas, espiritismo, macumba
Não devemos esquecer, entre as causas das infestações e
da possessão, as práticas supersticiosas, o recurso a
magos, pais-de-santo, cartomantes, adivinhos,
etc.
"O demônio, quando um homem colabora com ele em práticas
superti ciosas, facilmente exerce sobre esse indivíduo a
mais cruel e implacável tirania” — observa o Cardeal
Lepicier. Ele chama a atenção para as práticas
espíritas: “Não pode haver dúvida de que atuar como
médium é o mesmo que expor-se aos perigos da obsessão
diabólica ... Recorrer a um médium é, pois, equivalente
a cooperar na obsessão de uma pessoa”.
(Card.
A. LEPICIER, O Mundo Invisível, pp. 222-223.)
Uma das causas muito comuns da ação extraordinária do
demônio sobre pessoas é o malefício,
a respeito do qual falaremos adiante.
O Pe. Gabriele Amorth, exorcista da Diocese de Roma,
afirma que oscasos mais difíceis de infestação e de
possessão diabólica que ele tem encontrado são os
resultantes de macumbas realizadas no Brasil e na
África.
(Cf. G.
AMORTH, Un esocista racconta, pp. 116 e 157.)
Existem ainda casos de possessão voluntária, em que a
pessoa que recorreu ao diabo e fez um pacto com ele pode
agir como um instrumento do Maligno para levar avante os
desígnios dele. A figura típica do médium de
Satanás, foi Hitler, segundo julga o teólogo e
demonólogo beneditino austríaco Dom Aloïs Mager.("Não há
nenhuma outra definição mais breve, mais precisa, mais
adaptada à natureza de Hitler que esta tão absolutamente
expressiva: Medium de Satã” (D. Aloïs MAGER
O.S.B., Satan de nos jours, p. 639).) Poderiam
ser mencionadas igualmente as figuras sinistras de
Lenin, Stalin, e tantos outros...
Freqüência da possessão
Após o estabelecimento da Igreja, o número dos
demoníados diminuiu, de muito, nas nações tomadas
cristãs. E que, pelo Batismo e demais Sacramentos, os
fiéis são preservados desses ataques sensíveis do
demônio. Este perdeu seu império, mesmo sobre aqueles
que, embora batizados, vivem de maneira pouco conforme
com à Fé de seu Batismo. Membros da Igreja, embora
membros mortos, eles encontram nessa união, entretanto
imperfeita, ao Corpo Místico de Cristo, um socorro em
geral suficiente para que o demônio não possa
apoderar-se deles, como faria, se se tratasse de pagãos.
“Entretanto — observa o Pe. Ortolan — não somente nas
regiões que não receberam o Evangelho, mas também
naqueles em que a Igreja está estabelecida, encontram-se
ainda demoníacos. Seu número aumenta na proporção do
grau de apostasia das nações que, outrora católicas,
abandonam pouco a pouco a Fé, e retornam ao paganismo
teórico e prático” (T. ORTOLAN, Demoniaque,
col.410.)
Para avaliarmos corretamente a presença e atuação do
demônio no mundo atual é preciso considerar que o estado
de apostasia a que se referia o Pe. Ortolan há mais de
quarenta anos — chegou em nossos dias a um grau
inimaginável. E que, mais ainda do que os casos de
possessão, o número dos infestados é sem conta.
Possessão diabólica:
o diagnóstico
"Para estabelecer a realidade
de uma possessão, um único método
é válido: provar a presença dos sinais
indicados no Ritual Romano”.
(Dom Louis de Cooman,
Bispo-missionário e exorcista)
Estados patológicos e possessão diabólica
Problema complexo
Um dos problemas mais complexos colocados pela ação
diabólica extraordinária sobre o homem é o seu
diagnóstico. A questão consiste em saber quando estamos
realmente em presença de uma ação preternatural
(isto é, provocada por anjos ou demônios) ou diante
meras manifestações de morbidez, ou de outro gênero, por
certo incomuns, mas que não escapam ao âmbito dos
fenômenos naturais da alçada da Medicina e outras
ciências.
Nem sempre é fácil distinguir entre as infestações e
possessões demoniácas e certos fenômenos de natureza
mórbida, pois é sabido que inúmeros distúrbios
patológicos, especialmente de caráter
neuro-psiquiátrico, provocam estados de extrema
agitação, decuplicam as forças físicas, provocam fobias
em relação às coisas sacras, etc. Em resumo, fazem o
pobre doente parecer um possesso.
É o que faz notar o Cardeal Alexis Henri Marie Lépicier,
O.SM.:
Sabemos que em algumas pessoas a imaginação, estando
fora do normal, pode ultrapassar os seus naturais
limites e ser a origem de manifestações estranhas que, à
primeira vista, apresentam uma certa afinidade com
ocorrências preternaturais [isto é, produzidas por anjos
ou demônios]. ... Todos nós sabemos quantas perturbações
pode causar uma doença nervosa em certas criaturas,
como, por exemplo, nas que sofrem de histeria. Há, de
fato, nas ações destes indivíduos muitas coisas que
causam admiração. ... Mas é principalmente nos períodos
de paroxismo que a histeria está mais apta a exibir
muitos e curiosos fenômenos, o principal dos quais é a
alucinação.
“Toda gente vê, portanto, a necessidade imperiosa de
estabelecer a distinção entre estes fenômenos e os que
são devidos a causas preternaturais” (Card. A. LEPICIER,
O Mundo invisível, p. 201.)
Outras vezes, são fenômenos da natureza,
insuficientemente explicados pelos cientistas, ou
simplesmente fora de alcance de pessoas sem formação
especializada: luminosidades, movimentos de massas de
ar, variações térmicas, etc., os quais podem parecer
fenômenos maravilhosos provocados por ação diabólica.
Objetividade e rigor científico
Mons. F. X. Maquart — renomado estudioso da matéria -
compara o diagnóstico do exorcista ao diagnóstico
médico.
O exorcista deve proceder com a mesma objetividade, o
mesmo rigor que o exame do médico, de modo a não deixar
fora do exame nenhuma das manifestações apresentadas
pelo comportamento do paciente, evitando com isso
deixar-se levar pela impressão, que pode ser enganosa.
Esse exame crítico tem por finalidade eliminar alguma
possível explicação natural observável na presumida
manifestação diabólica.
Mons. Maquart explica que um certo número de sintomas da
possessão são comuns com os de algumas doenças como a
psicastenia, a histeria, algumas formas de epilepsia,
etc. Como fazer para discernir então entre um simples
doente mental e um possesso pelo demônio? Entram em jogo
os outros sinais da possessão, que não têm explicação
natural: falar línguas estrangeiras não aprendidas,
conhecer fatos à distância, revelar ciência ou força
física muito em desproporção com a idade, etc. ( Cf. F.
X. MAQUART. L´Exorciste devant les manifestations
diaboliques, pp. 338-339.)
Essa posição exige, ao
mesmo tempo, muita objetividade e bom senso, ao lado de
muita fé. Pois, como é evidente, não se pode, sob
pretexto de que o extranatural é uma exceção, negar
em princípio toda a ação demoníaca, ou proceder de
tal forma como se sempre se tivesse que encontrar, a
qualquer preço, uma explicação natural.
Perigos de um diagnóstico
errado
Um diagnóstico errado não é isento de perigos, tanto de
ordem moral e espiritual, como até mesmo física.
Em primeiro lugar, a prática de exorcismos em simples
doentes mentais, sem que estes, obviamente, experimentem
qualquer melhora, pode conduzir ao descrédito em relação
aos mesmos exorcismo e às coisas sagradas de modo geral.
Pode ainda oferecer argumentos aos céticos, que se
aproveitarão para tachar a prática dos exorcismos como
puramente supersticiosa.
Além do mais, a prática dos exorcismos solenes
representa para o exorcista um desgaste muito grande, o
qual seria sem fruto em caso de erro de diagnóstico.
Por fim, o exorcizar doentes mentais oferece o perigo de
agravar seus males, seja pela grande tensão e esforço
mental e até físico que o exorcismo comporta, seja pelo
caráter impressionante deste.
É o que afirma Mons. Maquart, experimentado demonólogo
francês: “Não seria sem inconvenientes graves
exorcizar, sob simples aparências de possessão, doentes
mentais. Em vez de os curar, o exorcismo teria o risco
de agravar seu mal”. (Mgr F. X. MAQUART, L ‘Exorciste
devam les manjfestations diaboliques, p. 328.)
O mesmo assegura Dom Gustavo Waffelaert (Bispo de
Bruges): "Há inconveniente real em exorcizar uma pessoa
não possessa. Por ela, antes de tudo; pois o exorcismo,
pela forte impressão que produz, pode afetar
desfavoravelmente um sistema nervoso já perturbado e
acabar de o arruinar; ele é também um poderoso meio de
sugestão e arrisca desenvolver, num indivíduo fraco,
hábitos mórbidos. Além do
que, não se tem o direito de empregar,
sem motivo grave, as orações sagradas do Ritual: é
preciso que elas tenham um objeto. Dessa forma, a
Igreja, para pemitir o exorcismo, requer a prudência e
um julgamento moralmente certo ou ao menos provável da
possessão” . (Mgr G. 3. WAFFELAERT, Possession
Diabolique. col. 55.)
Em muitos lugares — como nas dioceses de Roma e Veneza -
os exorcistas trabalham sempre em estreita união com
psiquiatras católicos, os quais os ajudam a distinguir
meros doentes de eventuais possessos; por seu lado,
esses profissionais, muitas vezes, recorrem aos serviços
dos exorcistas, quando percebem em seus clientes sinais
que ultrapassam os limites da Medicina.
Na realidade, certas manifestações, à primeira vista
patológicas, podem esconder a ação do Maligno. Por isso
o médico católico não deve excluir sem mais a
possibilidade dessa ação, conforme observa Mons.
Catherinet: “O médico que quiser manter-se um homem
completo, sobretudo se ele possuir as luzes da fé, não
excluirá, a priori, a presença do demônio,
podendo, em certos casos, suspeitar, por trás da doença,
a presença e a ação de alguma força oculta (cujo estudo
ele pedirá ao filósofo ou ao teólogo, os quais se guiam
segundo seus próprios métodos). (Mgr F. M. CATHERJNET.
Les Demoniaques dons l Évangile, pp. 324-32.)
Critérios seguros
A Igreja nunca negou essa dificuldade de diagnóstico da
possessão; ao contrário, sempre foi muito cautelosa no
pronunciar-se sobre os casos concretos, recomendando que
na avaliação de cada um deles se examine com muito
cuidado se o fenômeno pode ter uma origem natural. Só
depois de diligente e acurado exame, e de descartadas
todas as possibilidades de explicação natural, é que a
Igreja autoriza a proceder aos exorcismos solenes sobre
os possessos. Para garantir tal rigor de procedimento, a
Igreja estabeleceu que esses exorcismos só podem ser
praticados por sacerdotes devidamente autorizados pelo
Ordinário do lugar para cada caso concreto;
bispo não pode dar essa autorização senão
a um padre de conhecida ciência, prudência, piedade e
integridade de vida. (Cf. Código de Direita Canônico,
cânon 1172 § § 1 e 2.)
Dom Louis de Cooman, antigo Vigário Apostólico no Vietnã
( ele próprio exorcista em um caso famoso de possessão
coletiva, que será relatado adiante), dá o único
critério que considera seguro para se determinar se há
ou não possessão: “Para estabelecer a realidade de uma
possessão, um único método é válido: provar a presença
dos sinais clássicos indicados pela Igreja no Ritual
Romano” (Mgr Louis de COOMAN, Le Diable au
Couvent, p. 12.)
O Ritual Romano (que data do século XVI)
estabeleceu, para orientar exorcistas, os seguintes
indícios por parte do suposto possesso:
1. Falar ou compreender línguas
estrangeiras sem tê-las antes aprendido;
2. Revelar coisas secretas ou distantes;
3. Manifestar força física acima de sua idade e
condição;
4. E outras manifestações do mesmo gênero, que quanto
mais numerosas forem, mais constituem indícios. (Rituale
Romanum,
Tit. XI, Cap. 1, n. 3.)
Se certas manifestações (como, por exemplo, demonstrar
uma força extraordinária, dar uivos animalescos, gritar
blasfêmias ou palavrões) podem ser causadas por uma
doença, a revelação de pensamentos ocultos ou o
conhecimento de coisas que se passam à distância já não
podem ter a mesma explicação.
Hoje em dia muitas pessoas (infelizmente até sacerdotes)
pretendem negar, senão doutrinariamente, ao menos na
prática, toda possibilidade de possessão ou infestação
diabólica, apresentando explicações pseudo-cientificas
em nome da Parapsicologia.
A esse respeito observa Mons. Louis Cristiani: querer
dar uma explicação natural às manifestações demoníacas
pela Parapsicologia é explicar o obscuro pelo mais
obscuro ainda...
IV - A LUTA CONTRA O
PODER DAS TREVAS
DEPOIS DE TERMOS ESTUDADO a atividade demoníaca
ordinária (a tentação) e a atividade extraordinária
(infestação pessoal e a local, possessão), de ter visto
os critérios para o diagnóstico dessas manifestações,
parece-nos indispensável dar aqui os meios que temos
para fazer face às investidas diabólicas.
O homen não está desarmado diante do poder das trevas.
Ele dispõe de armas sobrenaturais e também naturais com
que enfrentar as investidas diabólicas.
Primeiramente, cabe ver de que meios preventivos
dispomos; ou seja, como fazer para evitar, tanto quanto
está em nós, as investidas do demônio. A seguir, quais
os meios terapêuticos á nossa disposição, para
nos curarmos, caso nos ocorra sermos atingidos por tais
investidas.
Esses meios podem ser chamados remédios, porque a
ação demoníaca provoca em nós distúrbios que não são
menos incômodos que as enfermidades do corpo. E assim
como as doenças do corpo podem conduzir à morte física,
a atuação do demônio visa produzir a morte da alma.
Remédios gerais, preventivos e liberativos
“E não nos deixeis cair em
tentação,
mas livrai-nos do mal”.
(Mt 6, 13)
NA LUTA CONTRA a atividade demoníaca ordinária
(tentações) e extraordinária (infestação local,
infestação pessoal sessão e possessão), os autores
recomendam, em primeiro lugar, os remédios gerais
oferecidos pela Igreja.
Práticas religiosas e
devocionais
Oração e penitência; sacramentos e sacramentais
Antes de qualquer outro, vem o grande remédio indicado
pelo próprio Salvador, como o único capaz de vencer
certa casta de demônios — a oração e o jejum,
acompanhados por aquela fé que move as montanhas (cf. Mt
17, 14-20).
A oração por excelência é aquela que o próprio Cristo
ensinou quando seus discípulos Lhe pediram: “Senhor,
ensina-nos a rezar" — o Pai-Nosso (Lc 11, 1-4; Mt
6,9-13).
Nas duas últimas petições, rogamos ao Pai celeste que
nos dê forças para resistir aos assédios da carne, do
mundo e do demônio: “Não nos deixeis cair em
tentação"; e que nos livre do mal, do supremo mal —
o pecado; e de seu instigador — o demônio:
livrai-nos do mal” ou “livrai-nos do Maligno”.*
A liturgia em várias cerimônias recita o Pai-Nosso,
todo ou, apenas essas duas petições. É recitado por
inteiro nos exorcismos solenes sobre possessos.
* Os especialistas explicam que, no texto grego dos
Evangelhos, podemos entender essa petição tanto no
sentido de sermos livres do mal, como do autor do mal, o
Maligno, o demônio. “De fato, as duas interpretações não
se excluem — comenta o P. Jean Carmignac - uma vez que o
fim do demônio é o pecado e o pecado tem o demônio por
instigador. Contudo, segundo as diretrizes de Cristo,
devemos pedir o afastamento não somente do pecado, mas
sobretudo do demônio” (Abbé Jean CARMIGNAC, Á l´écoute
du Notre Père, Éditions de Paris, 1971, p. 87; no mesmo
sentido, J. de TONQUÉDEC S.J., Quelques aspects de
l´action de Satan en ce monde, p. 496, nota 5).
Depois vem a Ave-Maria — louvor da Mãe de Jesus,
a qual, por sua imaculada Conceição, esmaga para sempre
a cabeça da antiga serpente. É igualmente recitada nos
exorcismos sobre possessos.
Por fim, o Credo — Creio em Deus Pai —
solene profissão de fé católica, que infunde especial
terror ao demônio; também é recitado nos exorcismos
sobre possessos.
Junto com a oração e a penitência, é indispensável a
freqüência aos sacramentos, sobretudo da
Confissão e da Comunhão; assim como o uso de
sacramentais (como a água-benta e o Agnus Dei) e de
objetos bentos (velas, escapulários, imagens,
cruzes, medalhas - particularmente a Medalha
Milagrosa e a medalha-cruz exorcística de São
Bento).
Devemos lembrar também o poder do Sinal da Cruz
para afugentar o demônio: o símbolo de nossa Redenção,
que destruiu seu reino, causa-lhe particular terror; o
demônio foge... como o diabo da cruz...— segundo
o dito popular.
Além das quatro cruzes que se fazem no Sinal da Cruz, as
próprias palavras pronunciadas são de natureza
exorcística deprecatória: "Pelo sinal
(+) da Santa Cruz, livrai-nos Deus (+) Nosso Senhor, dos
nossos (+) inimigos. Em nome do Pai, e do Filho, (+) e
do Espírito Santo. Amém."
Por isso devemos fazer o Sinal da Cruz nas mais
diversas ocasiões: ao levantar e ao deitar, antes das
refeições, ao sair de casa, nas viagens, antes de tomar
alguma resolução, etc.
A água-benta é feita expressamente para afastar dos
lugares e das sobre as quais é aspergida “todo o poder
do inimigo e o próprio inimigo com seus anjos apóstatas”
conforme se lê no Ritual Romano. (Rituale Romanum, tit.
VIII, c. 2. ). São numerosas no mesmo Ritual as
bênçãos, orações
e cerimônias com o mesmo fim, aplicadas a
objetos e lugares diversos, as quais contém a mesma
fórmula deprecatória contra Satanás.
A confissão: mais forte que o exorcismo
Convém insistir na confissão freqüente — apesar das
dificuldades que hoje se apresentam para essa prática
sacramental - pelo empenho dos teólogos e dos exorcistas
quanto à sua eficácia.
O exorcista da arquidiocese de Veneza, Pe. Pellegrino
Emetti, da Ordem de São Bento, enfatiza: “O sacramento
da Confissão, nós o sabemos, é a segunda tábua de
salvação depois do Batismo. ... A experiência ensina que
dificilmente Satanás consegue penetrar em uma alma que
se lava freqüentemente com o Sangue preciosíssirno de
Jesus. Este sangue torna-se a verdadeira couraça contra
a qual Satanás pode forçar, porém não consegue abrir
nenhuma brecha. A freqüência assídua e constante desse
sacramento é necessária, seja para quem faz o exorcismo,
seja para quem dele tem necessidade. Estou certo, por
urna longa experiência, que o sacerdote deveria lavar a
sua alma no sangue de Jesus até mesmo diariamente, se
quiser lutar juntamente com Jesus contra Satanás, e sair
vitorioso. É verdadeiramente este o sacramento do
qual Satanás tem medo ... Cristo venceu Satanás com
o próprio Sangue. E o Apocalipse explicitamente nos diz:
"Estes são aqueles que venceram Satanás com o Sangue
do Cordeiro “. (D. P. ERNETTI O.S.B., La
Catechesi di Satana, p. 251.)
É igualmente taxativo o Pe. Gabriele Amorth, exorcista
da diocese de Roma: “Muitas vezes escrevi que se causa
muito mais raiva ao demônio confessando-se, ou seja,
arrancando do demônio a alma, do que exorcizando e
arrancando-lhe assim o corpo. ... A confissão
é mais forte que o exorcismo “. (G. AMORTH, Un
esorcista racconta, pp. 63 e 86.)
Desprezo soberano ao demônio
A esses meios, os santos e autores espirituais
acrescentam o desprezo soberano ao demônio.
Ouçamos Santa Teresa: “É muito freqüente que esses
espíritos malditos me atormentem; mas eles me inspiram
muito pouco medo, porque, eu o vejo bem, eles não podem
sequer se mexer sem a permissão Deus... Que se saiba
bem: todas as vezes que nós desprezamos os demônios,
eles perdem sua força e a alma adquire sobre eles mais
domínio... Verem-se desprezados por seres mais fracos,
é, com efeito, uma rude humilhação para esses soberbos.
Ora, como dissemos apoiados humildemente em Deus, nós
temos o direito e o dever de os desprezar: Se Deus
está conosco, quem será contra nós? Eles podem
latir, mas não podem nos morder, senão no caso em que —
seja por imprudência, seja por orgulho — nos colocaremos
em seu poder”.
(Apud Ad. TANQUEREY - Jean GAUTIER,
Abrégé de Théologie Ascétique et Mystique, p. 112.)
É evidente que não devemos confundir esse desprezo ao
demônio com a vã pretensão de que, por nós mesmos, temos
algum poder sobre os anjos decaídos. Por natureza não
temos nenhum poder sobre eles; pelo contrário, por sua
natureza superior, eles é que podem ter domínio sobre
nós. A base desse desprezo salutar dos inimigos
infernais tem de ser a mais perfeita humildade e a
confiança verdadeira e não temerária no Criador, na
Santíssima Virgem. Tomados esses cuidados, convém fazer
o que a grande Santa Teresa indica com tanta
propriedade.
Sobretudo, devemos nos esforçar por ter uma vida de
piedade séria e autêntica, sem superstições nem
sentimentalismos. Isto manterá o demônio distante de
nós, o quanto é possível.
Fortalecimento da inteligência e da vontade
Um grande meio preventivo na luta contra o demônio é o
fortalecimento de nossa inteligência e de nossa vontade.
Com efeito, a principal defesa de ordem natural que
temos contra as investidas dos espíritos malignos é a
inviolabilidade dessas faculdades superiores, as quais
mais nos assemelham a Deus. Na medida em que permitimos
seu enfraquecimento, estamos nos colocando á mercê de
Satanás e seus seqüazes. Pois o demônio tem lucrado
tanto com o enlouquecimento geral a que estamos
assistindo em nossos dias, que é o caso de perguntar se
não é ele quem o está provocando.
Sem o consentimento da vontade humana, nenhua ação
externa — quer da parte dos anjos, quer dos demônios —
pode surtir o seu efeito: nenhum anjo pode constranger o
homem a uma ação boa e nenhum demônio o pode fazer
pecar.
Deus dotou o homem de vontade livre, dom natural
inapreciável, que lhe permite decidir se acolhe ou não
as boas inspirações, se cede ou não às tentações, por
mais que estas possam ser apresentadas com grande
habilidade e astúcia, comprometendo a fantasia, ou com
veemência, exacerbando as paixões e os instintos. O
homem não é mero objeto passivo de disputa entre os
anjos e os demônios, nem simples espectador inerte, mas
um sujeito eminentemente ativo e operante.
Os autores costumam ressaltar os perigos de uma pretensa
mística, que conduz ao abandono voluntário da
inteligência e da vontade.
É certo que Deus nos pode conceder a graça excecional da
contemplação passiva dos místicos; isso, porém, só
acontece por uma eleição gratuita exclusiva de Deus, sem
cooperação de nossa parte, a não ser uma humilde
prontidão em fundir inteiramente a nossa vontade com a
divina, unindo-nos misticamente com Deus.
Se, entretanto, procuramos culpavelmente provocar em nós
mesmos essa passividade da vontade (por exemplo, por
meio do hipnotismo, do transe, do uso de estupefacientes
e narcóticos de vários tipos, de técnicas corporais ou
espirituais), podemos nos transferir ao mundo do
pretersensível, como acontece no sono e na contemplação
mística; mas esse estado, ao invés de nos elevar nas
vias luminosas dos êxtases, pode arrastar-nos para
baixo, rumo a escuros abismos, onde não encontraremos
anjos e sim demônios, que nos tratarão como presas sem
vontade, podendo levar-nos à possessão.
De onde o perigo de certas escolas ou correntes que se
apresentam como meras técnicas de meditação, de
concentração espiritual ou coisa parecida, as quais,
infelizmente, têm encontrado aceitação até mesmo em
setores e movimentos católicos. (Escrevem
Noldin-Schmitt: “As Gnoses modernas que seguem
teósofos e antropósofos e as técnicas de meditação e
concentração hinduístas (ioga, budismo), que buscam
conhec er ordens superiores não estão isentas de influxo
demoníaco, especialmente quando diretamente buscados”
(H. NOLDIN-A. SCHMITT, Summa Theologiae Moralis, II, nn,
1 48ss, pp 138-155).)
Evitar toda superstição, refrear a vã curiosidade,
Por fim, é preciso evitar qualquer forma de superstição,
de curiosidade malsã e às vezes mórbida com relação ao
mundo do Além.
Aquilo que Deus quis que soubéssemos a esse respeito,
Ele, em sua bondade e misericórdia, revelou aos homens e
colocou essa Revelação sob a guarda e a interpretação da
Santa Igreja. E aí que devemos procurá-la, de acordo com
nossas capacidades, e não nas falácias de advinhos e de
médiuns, com risco de entrar em promiscuidade com os
espíritos infernais.
Quanto ao nosso futuro imediato, terreno, também devemos
respeitar o mistério no qual Deus o mantém envolto.
Podemos rezar pedindo-Lhe que nos esclareça algo, se
essa for a Sua vontade e se isso for
útil para nossa eterna salvação. Porém, ir mais longe é
correr o risco de cair em superstição e assim ficarmos
expostos ao demônio, como também faltar com a confiança
em Deus, que sabe melhor do que nós o que nos convém
conhecer. Devemos antes agradecer-Lhe por nos poupar
tantas angústias, escondendo-nos hoje os males e
preocupações de amanhã. Como disse o Salvador:"A cada
dia basta o seu cuidado” (Mt 6, 34).
Exorcismo: aspectos históricos
“Se eu, porém, lanço fora os
demônios pela virtude do
Espírito de Deus, é
chegado a vós o reino de Deus".
(Mt 12, 28)
OS EXORCISMOS constituem
a grande arma (ou remédio específico) da Igreja e dos
fiéis contra a ação extraordinária do demônio — isto é,
a infestação e a possessão. Para melhor
compreender o que são os exorcismos convém estudar sua
origem, natureza e história.
O poder exorcístico, sinal do
Reino de Deus
Jesus dá como característica do Reino de Deus por Ele
fundado a expulsão de satanás e dos seus demônios, e
transmite este carisma exorcístico aos seus
Apóstolos, à sua Igreja.
Aos judeus incrédulos disse Jesus: “Se eu, porém
lanço fora os demônios pela virtude do Espírito de Deus,
é chegado a vós o reino de Deus” (Mt 12, 28). “Se
eu, pelo dedo de Deus lanço fora os demônios,
certamente chegou a vós o reino de Deus” (Lc 11, 20
).
Após a Ressurreição, pouco antes de subir aos Céus,
Nosso Senhor enviou os Apóstolos pregar o Evangelho por
todo e fez a seguinte promessa: “E eis os milagres
que acompanharão os que crerem: expulsarão os demônios
em meu nome...”(Mc 16, 17).
O Salvador destruiu as obras diabólicas, triunfou sobre
Satanás e, com a humilhação levada até a própria morte
na cruz, mereceu um nome superior a qualquer outro nome,
por cuja invocação todos os joelhos se dobram, seja dos
seres celestes, terrestres ou infernais:
" Deus o exaltou (a Jesus) e lhe deu
um nome que está acima de todo o nome; para que,
ao nome de Jesus, se dobre todo o joelho no céu, na
terra e no inferno”
(Filip 2, 9-10).
"Santo e terrível é o seu nome!"
— exclamara profeticamente o Salmista (Sl
110,9).
Ao comunicar depois o poder exorcístico, Jesus recordou
expressamente que a eficácia dele provém, de um modo
todo especial, da utilização do Seu nome (cf. Mc 16,
17); de modo que invocá-Lo sobre os endemoniados
equivale a esconjurá-los e libertar a pessoa pela mesma
virtude de Cristo.
Santos Padres repetidamente exaltam a potência de um tal
remédio. São Justino, por exemplo, nos diz: “Invoquemos
o Senhor, de cujo simples nome os demônios temem a
potência; e ainda hoje esconjurados em nome de Jesus
Cristo... se submetem a nós ... Todo demônio esconjurado
no nome do Filho de Deus ... permanece vencido e atado”.
(Apud Mons. C. BALDUCCI, Gli Indemoniati, p. 86.)
O ministério exorcístico de
Jesus e dos Apóstolos
A libertação dos possessos ocupa um lugar tão saliente
na vida pública do Salvador que os Evangelistas, de
tempos em tempos, resumem seu ministério por frases como
as seguintes: “E caindo a tarde, levaram a Jesus
todos os doentes e os possuídos pelo demônio... e Ele
expulsava numerosos demônios... Ele pregava nas
sinagogas em toda a Galiléia, e expulsava os demônios”
(Mc 1, 32-34; 39) “Apresentavam-lhes todos os que
estavam doentes..., e os possuídos do demônio, e Ele os
curava” (Mt 4, 23-24). “Jesus curava muitas
pessoas que tinham doenças e espíritos malignos” (Lc
7, 21). Acompanhavam o Mestre “algumas mulheres que
haviam sido curadas de espíritos malignos e de doenças,
entre elas Maria, chamada Madalena, da qual tinham saído
sete demônios” (Lc 8, 2). O próprio Jesus sintetiza
as várias formas de sua atividade do modo seguinte:
“Eis que eu expulso os demônios
e opero curas”
(Lc 13, 32). São Pedro
repete a mesma idéia ao resumir a vida do Mestre para o
centurião Cornélio: “Ele passou fazendo o bem e
curando todos os que estavam sob o império do diabo”
(At 10, 38).*
O tom imperativo, as fórmulas de um laconismo autori
absoluto que não admite réplica, com que Jesus se
dirigia mônios, e a prontidão com que estes obedeciam
sem sombra sisténcia, indicavam bem que Ele falava “como
quem tinha dade” (Mc 1,22), como Deus e Senhor.
Já em sua vida terrena o Salvador, associando os Após
Discípulos ao seu ministério de evangelização,
conferiu-lhes mente o poder sobre os demônios. Em
primeiro lugar, ao Apóstolos: “E, convocados os seus
doze discípulos, deu-lhe poder sobre os espíritos
imundos para os expelirem” (Mt 10, 6, 7; Lc 9, 1). E,
logo depois, aos Setenta Discípulos: “E os (discípulos)
voltaram alegres, dizendo: Senhor, até os denzôi nos
submetem em virtude de teu nome” (Lc 10, 17).
Depois da Ascensão, vemos os Apóstolos e Discípulos e
rem esse ministério exorcístico. Assim, São Paulo
expulsa o nio de uma mulher em Filipos, cidade da
Macedônia, dizei espírito imundo: “Ordeno-te, em nome de
Jesus, que saias (mulher). E ele, na mesma hora, saiu” (At
16, 18).
Era tal a força do exorcismo em nome de Jesus, que
exorcistas judeus quiseram imitar os Apóstolos e
Discípulos. ocorreu com os filhos de Ceva, príncipe dos
sacerdotes, na de Efeso. Tendo invocado sobre um
possesso o nome “de .i quem Paulo prega ‘Ç o espírito
maligno os interpelou pela b possesso: “Eu conheço
Jesus, e sei quem é Paulo; mas vós, sois?” E o
energúmeno, atirando-se sobre dois deles, agarrou-os e
"maltratou-os de tal maneira que, nus e feridos,
fugiram daquela casa" (At 19, 13-16).
* Além dessas referências gerais, os Evangelhos relatam
sete casos especiais de expulsão do demônio por Jesus:
1º o endemoniado de Cafarnaum (Mc 1,21-28; Le 4.
31-37); 2º um possesso surdo-do-mudo, cuja
libertação deu lugar à blasfêmia dos fariseus (Mt 12,
22-23; Lc 11,14); 3° os endemononiados de Gerasa
(Mt 8, 28-34; Mc 5, 1-20; Lc 8, 26-39); 4º o possesso
mudo (Mt 9,32-34); 5º a filha da Cananéia (Mt
15, 21-28; Mc 21-20 ); 6º o jovem lunático (Mt
17, 14-20; Mc 9,13-28; Lc 9,37-44); 7° a mulher
paralítica (Lc 13, 10-17).
O poder exorcístico dos Apóstolos se manifestava não só
por sua ação direta, mas também através de objetos neles
tocados: “E Deus fazia milagres não vulgares por mão
de Paulo; de tal modo que até sendo aplicados aos
enfermos lenços e aventais que tinham sido tocados no
seu corpo, não só saíam deles as doenças, mas também os
espíritos malignos se retiravam” (At 19, 11-12).
Esse poder sobre o demônio, Jesus o comunicou a todos os
seus seguidores, de modo geral, e à sua Igreja, de modo
particular.
Na Igreja primitiva
Nos primeiros séculos da Igreja, o poder exorcístico
carismático cpncedido por Jesus aos Apóstolos e aos
Discípulos (Mt 10, 1 e 8; Mc 3, 14-15; Mt 6,7; 10,
17-20), e prometido mais tarde, antes da Ascensão, a
todos os cristãos (Mc 16, 17), era muito difundido
inclusive entre os simples fiéis, por um desíginio
particular da Divina Providência, que assim facilitar
nos inícios a difusão da fé cristã.
Todos os cristãos, clérigos ou simples fiéis, expulsavam
os demônios; o fato era tão generalizado, que constituía
até um argumento utilizado pelos apologistas para provar
a divindade do Cristianismo.
Os testemunhos são numerosos nos Santos Padres e
escritores eclesiásticos, tanto ocidentais como
orientais.
Com o correr do tempo e estabelecida já a Igreja, esse
poder exorcístico carismático foi diminuindo, porém não
desapareceu totalmente da Igreja, como o testemunham a
vida dos santos e as crônicas missionárias. Em todas as
épocas houve servos de Deus que pela sua simples
presença ou pelo contato de algum objeto que lhes
pertencia, ou ainda por intermédio de qualquer relíquia
sua, muitas vezes expulsaram os demônios, ou dos corpos
que eles molestavam, ou dos lugares por eles infestados.
A figura do exorcista
Exorcista
(do grego eksorkistés) é aquele que pratica
exorcismos sobre pessoas ou lugares que se acredita
estarem submetidos a algum influxo ou ação
extraordinária do demônio; em outros termos, é aquele
que, em nome de Deus, impõe ao demônio que cesse de
exercer influxos maléficos em um lugar ou sobre
determinadas pessoas ou coisas. Em um sentido mais
estrito, a palavra exorcista, na praxe recente da
Igreja latina (até 1972), indicava quem havia recebido a
ordem menor do exorcistado, que conferia o poder
de expulsar os demônios, ou seja, de realizar
exorcismos.
Atualmente, chama-se
Exorcista o sacerdote que recebe do bispo a
incumbência e a faculdade de fazer exorcismos sobre
possessos. Ele só pode usar dessa faculdade de acordo
com as normas estabelecidas, as quais serão vistas
adiante. Muitas dioceses têm pelo menos um exorcista
permanente; em outras, o bispo nomeia exorcistas
conforme ocorram os casos em que sua intervenção se faz
necessária.
Nos primeiros séculos, sendo muito
difundido na Igreja, mesmo entre os simples fiéis, o
poder carismático de expulsar os demônios, não havia uma
disciplina especial para os exorcismos sobre os
endemoniados, nem uma categoria especial de pessoas
eclesiásticas incumbidas de praticá-los
em nome da Igreja.
Desde cedo, porém, se
estabeleceu um cerimonial para os exorcismos
batismais — isto é, aqueles que se procediam sobre
os catecúmenos, como preparação para o Batismo; e logo
se constituiu uma classe particular de pessoas para
proceder a eles. Era a ordem menor dos exorcistas que
surgia na Igreja latina, com a incumbência, num primeiro
momento, de realizar apenas os exorcismos batismais, e
não aqueles sobre os possessos, os quais, como ficou
dito, eram feitos por qualquer fiel, sem mandato
especial.
Com o passar do tempo e
com a consolidação e expansão da Igreja, a freqüência do
poder exorcístico carismático foi diminuído, se bem que
de forma desigual conforme os lugares; os fiéis se
voltaram então, nos casos de infestação ou possessão
demoníaca, para as pessoas revestidas do poder de ordem
— isto é, os diáconos, os sacerdotes e os bispos — e
igualmente, como era natural. exorcistas dos
catecúmenos.
A Igreja sancionou essa
prática com o seu poder ordinário, conferindo a tais
exorcistas também a faculdade e o poder de exorcizar
possessos.
Entretanto, devido à
dificuldade no diagnosticar a possessão, bem como por
causa da delicadeza e importância de um tal oficio, a
Igreja foi limitando pouco a pouco o exercício desse
poder a um número restrito de pessoas. Uma carta do Papa
Santo Inocêncio I a Decêncio , bispo de Gubbio (Itália),
do ano de 416, supõe já que os exorcismos sobre
possessos eram feitos em Roma unicamente por sacerdotes
ou diáconos que para isso tinham recebido autorização
episcopal.
O exorcistado
passará a ser considerado desde então somente como um
dentre os vários graus através do qual o futuro
sacerdote se preparava para as ordens maiores. Embora
essa ordem menor concedesse sempre um poder efetivo
sobre Satanás, o exercício desse poder ficava ligado a
outros requisitos.
Essa disciplina,
estabelecida pelo menos desde o século V, foi
prevalecendo com o tempo em toda a Igreja do Ocidente,
até tornar-se norma universal, e assim chegou até os
nossos dias com o Código de Direito Canônico de 1917
(cânon 1151) e o novo Código de 1983 (cânon 1172), os
quais mantiveram a reserva dos exorcismos sobre
possessos unicamente a sacerdotes delegados para tal
respectivo Ordinário, o qual deve considerar neles
especiais dotes de virtude e ciência.
Quanto à ordem menor do
exorcistado, ela confinou a existir como
preparação ao sacerdócio na Igreja latina até ser
completamente abolida por Paulo VI em 1972, juntamente
com as demais ordens menores.
Nas Igrejas orientais, o
oficio de exorcista era conhecido desde o século
IV, porém não constituía uma ordem menor e seus membros
não faziam parte do clero.
Exorcismo: o que é?
“Nós te elo exorcizamos, espírito
imundo...
em nome e pelo poder de Jesus (+) Cristo..."
(Exorcismo contra
Satanás ;
e os anjos apóstatas)
OS EXORCISMOS CONSTITUEM
atos insignes de fé religião e de religião, pois supõem
a crença no poder soberano de Deus sobre os demônios,
sendo mesmo uma aplicação prática dessa crença.
No presente capítulo
aprofundaremos um pouco mais a noção de exorcismo, em
que consistem, qual o seu fundamento teológico e a sua
eficácia, como se dividem e sobre quem podem ser feitos.
Noção e divisão
Os exorcismos não são
simples orações a Deus, á Virgem aos anjos e
santos pedindo que nos livrem dos ataques do Maligno, ou
graças para enfrentá-los. Isso é necessário, sem dúvida,
mas constitui apenas um dos recursos ordinários à
disposição de qualquer pessoa. Os exorcismos são mais do
que isso: são um ato pelo qual o exorcista, pela
autoridade da Igreja ou pela força do nome de Deus,
impõe ao demônio que obedeça e cesse a presença ou
atuação nefasta que está exercendo sobre lugares, coisas
ou pessoas.
Assim, fazem-se
exorcismos sobre lugares e coisas (incluindo aí o reino
vegetal e o reino animal, e também os elementos
atmosféricos), com os quais se proíbe que o demônio
exerça más influências sobre eles (infestação local);
praticam-se igualmente exorcismos sobre pessoas
atormentadas ou perturbadas pelos espíritos malignos
(infestação pessoal) ou até possuídas por eles
(possessão diabólica), que têm a finalidade de libertar
essas pessoas das influências maléficas e do poder e
domínio de Satanás.
No caso das criaturas
irracionais, a adjuração se dirige mais propriamente
àquele que queremos mover; isto é, ou se dirige a Deus,
a modo de súplica, para que evite que essas criaturas
sirvam de instrumento do demônio; ou se dirige ao
demônio, impondo-lhe que deixe ou cesse de se servir
delas. E este é o sentido da adjuração da Igreja nos
exorcismos e também nas bênçãos deprecatórias contra
ratos, gafanhotos, vermes e outros animais nocivos.
Os exorcismos podem ser
divididos segundo vários critérios. Assim, no que diz
respeito à solenidade com que se fazem, os
exorcismos se classificam em solenes e simples.
Os exorcismos solenes, também
chamados exorcismos maiores, são àqueles feitos
sobre pessoas possessas, e visam libertá-las do
domínio exercido sobre elas pelo espírito do mal.
Constituem o exorcismo-tipo, isto é, o que que
retém o sentido mais estrito da palavra e se encontram
no Ritual Romano.(Rituale Romanum, tit. XI c. 2:
Ritus exorcizandi obsessos a
daemonio — Rito para exorcizar os possessos pelo
demônio.)
Os exorcismos simples
são de dois gêneros:
a) aquele feito para impedir ou coarctar o influxo do
demônio sobre as pessoas, coisas e lugares (infestação
pessoal ou local), chamado Exorcismo de Leão XIII
ou pequeno exorcismo, contido igualmente no
Ritual; (Rituale Romanum, tit. XI c. 3:
Exorcismus in satanam et angelos apostaticos — Exorcismo
contra Satanás e os anjos apóstatas.)
b) exorcismos vários, que se efetuam nas cerimônias do
Batismo solene, na bênção da água e do sal e na
consagração dos Santos Óleos, etc (encontram-se no
Ritual Romano e livros litúrgicos correspondentes).
O principal critério, entretanto, para a divisão dos
exorcismos é aquele referente à autoridade em
nome da qual e por cujo poder se fazem. De acordo com
esse critério, os exorcismos se dividem em pública
e privados
Origem e fundamento teológico do poder
exorcístico
O homem não tem nenhum
poder natural sobre os demônios uma vez que estes,
embora decaídos, não perderam sua natureza angélica.
Por isso tem que recorrer, obrigatoriamente, a uma
natureza superior à deles para livrar-se dos ataques e
insídias dos espíritos malignos.
Por natureza, os demônios
dependem exclusivamente de Deus, única natureza acima da
angélica.* Só Deus tem um poder absoluto sobre todas as
criaturas; portanto, só Ele pode dominar de modo
absoluto sobre os demônios. Contudo, Ele pode conferir a
quem desejar o poder de dominar sobre os demônios, pela
virtude de Seu Nome. Por isso, a força coercitiva dos
exorcismos e a garantia de sua eficácia — assim como a
sua liceidade — estão em serem praticados em nome de
Deus e por aqueles que dEle receberam tal poder.
*Algum
anjo poderia ter uma natureza mais elevada do que a de
Lúcifer; entretanto, se gundo a crença comum, Lúcifer
teria sido o anjo mais elevado, naturalmente falando,
estando assim, por natureza, acima de todos os demais
anjos. Quanto aos outros demônios, alguns são mais
elevados, outros menos, que os anjos bons, estando pois,
no que se refere á pura natureza, acima ou abaixo deles.
Pela graça, todos os anjos bons estão acima dos demônios
— inclusive de Lúcifer — ainda que inferiores em
natureza.
A quem conferiu Deus tal
poder sobre os demônios?
Em primeiro lugar, Cristo
conferiu à Sua Igreja, por meio dos Apóstolos, um
“poder sobre os espíritos imundos para os expelir"
(Mt 10, 1; Mc 6,7; Lc 9, 1). E o que se chama poder
exorcístico ordinário da Igreja.
Além disso, alguns
cristãos — sacerdotes ou mesmo simples fiéis — recebem
de Deus um carisma de expulsar os demônios. É o
que se chama poder exorcístico carismático.*
* Chama-se poder carismático aquele que deriva de
um carisma. Os carismas são dons
gratuitos, extraordinários e em geral transitórios,
concedidos por Deus a algumas pessoas, não tanto para
proveito próprio delas (embora possam contribuir para
sua santificação), mas sobretudo para o bem do próximo e
a edificação da Igreja. O fundamento da doutrina sobre
os carismas se encontra em São Paulo (cf. 1 Cor 12, 7;
Ef. 4, 12, Rom 12 6-8). Os teólogos distinguem três
classes de carismas: dons de governo, dons de
ensino e exortação e dons de assistência
corporal. Entre estes últimos estão os dons de
cura, dos quais uma espécie é o de expulsar os
demônios, o que constitui uma forma de cura.
Por fim, os teólogos
explicam que existe um outro poder
exorcístico, que tem sua origem e fundamento numa
apropriação do poder exorcistico por parte de
qualquer fiel, “seja motivada pela vida que Cristo
Nosso Senhor obteve sobre Satanás, seja da união com Ele
pela fé ao menos atual”. (Mons. C. BALDUCCI, Gli
indemoniati, pp. 90-91; El diablo, p. 256.)
Com efeito, todo cristão
pode fazer uso do poder exorcístico que Cristo prometeu
genericamente a todos os que crerem nEle, quando disse:
“E eis os milagres que acompanharão os que crerem:
expulsarão os demônios em meu nome” (Mc 16,
17). Ou então aplicar a si mesmo aquela outra promessa
ainda mais ampla: "Em verdade, em verdade vos digo
que aquele que crê em mim fará também as obras que eu
faço, e fará outras ainda maiores” (Jo 14, 12).
Ora, entre as obras de Jesus destaca-se a
expulsão dos demônios e a vitória final sobre Satanás.
Finalmente, pode fazer valer para si aquele poder
concedido por Nosso Senhor aos Seus seguidores: “Eis
que eu vos dei poder de calcar serpentes e escorpiões e
toda a força do inimigo, e nada vos fará dano” (Lc
10, 19).
De onde poder-se indicar
um tríplice título ou fundamento teológico do poder
exorcístico:
1. uma concessão
ordinária feita por Cristo à sua Igreja;
2. uma comunicação carismática extraordinária a
alguns de seus servidores, independentemente de
pertencerem ou não ao clero;
3. uma apropriação de tal poder por parte de
qualquer fiel.
Dessas três vias, a
primeira constitui o fundamento dos exorcismos
públicos, enquanto as duas últimas fundamentam os
exorcismos privados.
Daí se deduz a eficácia
de uns e de outros, como veremos a seguir.
Eficácia dos exorcismos
Exorcismos públicos
Há uma diferença
relevante entre os exorcismos públicos e os
privados; no primeiro caso, o exorcismo será um
sacramental,*
que não ocorre com os últimos.
*
Por sacramentais
entendem-se certas coisas sensíveis (água-benta,
velas bentas, Agnus Dei, medalhas) ou certas
ações (bênçãos, exorcismos, consagrações, etc.) da quais
a Igreja se serve pata obter determinados efeitos
especialmente espirituais. A força dos sacramentais
Enquanto sacramentais, os
exorcismos públicos têm uma eficácia toda particular,
que depende não só das disposições do exorcista e do
paciente, mas também e principalmente da oração da
Igreja, a qual tem um especial valor impetratório junto
a Deus.
A eficácia dos exorcismos
públicos, se bem que muito grande, não é infalível; e
isto porque as orações mesmas da Igreja, segundo a
economia ordinária que Deus segue no atendê-las, não têm
efeito infalível; e também porque o poder da Igreja
sobre os demônios não é absoluto mas condicionado ao
beneplácito do poder divino, que às vezes pode ter
justos motivos para retardar ou proibir a saída deles de
um lugar ou de uma pessoa. Este valor condicionado,
porém, não está minimamente em contradição com a forma
imperativa do exorcismo, pois que a condição diz
respeito à vontade divina, não à demoníaca, a qual de
si, está plenamente sujeita ao poder da Igreja.
Exorcismos privados
Os exorcismos privados
não constituem um sacramental como o público,
isto é, não contam com a força intercessora da Igreja.
Assim, a sua eficácia vem ou da força do carisma
por base a fé na promessa feita pelo Salvador.
A eficácia do poder
exorcístico carismático é segura, infalível, uma vez que
o próprio Deus, ao conceder o carisma, garante, por meio
de uma inspiração, que o uso desse carisma está conforme
com os Seus desígnios, e obterá, por conseguinte, o
efeito qual foi concedido.*
*Segundo
os teólogos, Deus concede o dom do carisma com
muita parcimônia; de modo que se deve proceder com muita
prudência, antes de concluir que alguém é possuidor de
algum carisma; maior prudência ainda é exigida da
própria pessoa que presume ser possuidora de algum
deles. Os autores de teologia ascética e mística,
seguindo o ensinamento de São João da Cruz, aconselham a
não se desejar nem pedir graças e dons extraordinários:
deve bastar-nos a via normal; pois esses dons não são
necessários para alcançar a salvação e a perfeição
cristã, e até, ao contrário, por causa de nossas más
inclinações, podem servir de obstáculo a elas. Por outro
lado, é muito freqüente o demônio imiscuir-se nessas
vias extraordinárias, de maneira que nem sempre é fácil
distinguir o que vem do Espírito de Deus e o que vem do
espírito das trevas.
No caso da a apropriação
do poder exorcístico por parte do fiel, ao
contrário, a eficácia resulta inferior àquela do
exorcismo público, pois falta-lhe a força
impetratória da Igreja, por não constituir ele um
sacramental. Em conseqüência, a eficácia do
exorcismo privado não-carismático depende muito da
virtude — sobretudo da fé - daquele que o pratica,
condicionada sempre ao divino beneplácito.
É preciso acentuar, como
acima ficou dito, que muitas vezes os exorcismos não têm
efeito, não pela falta de fé da pessoa exorcizante, ou
pelo poder dos demônios, mas pelos desígnios de Deus,
seja para castigo, seja para a purgação e santificação
da vítima, ou por outro motivo que só Ele conhece.
A quem exorcizar?
Número
infinito de infelizes atormentados pelo demônio
O O Ritual Romano reserva os exorcismos solenes
somente às pessoas que dêem sinais inequívocos de
possessão. Mas os exorcistas ( e não só eles, também os
demais sacerdotes) se deparam com casos muito mais
freqüentes de pessoas que, sem estarem propriamente
possessas, estão sofrendo vexações do demônio.
O Pe. Joseph de Tonquédec
S.J., que por mais de vinte anos foi exorcista da
arquidiocese de Paris e grande demonólogo, escrevia, já
em 1948.
"A questão que vamos
tratar não é do campo da psicologia ou da experiência em
geral; ela é propriamente teológica.
"O que nos levou a
refletir sobre ela foi a insistência de um número
infinito de infelizes que, não apresentando os sinais de
possessão diabólica, não se comportando como possessos,
recorrem, entretanto, ao ministério do exorcista para
serem libertados de suas misérias: doenças rebeldes,
azar, infelicidade de toda espécie.
“Enquanto os possessos
são muito raros, os pacientes dos quais falo são legião.
Não seria legítimo tratá-los como possessos, uma vez
que, em toda evidência, eles não o são. Por outro lado,
eles não são também, sempre e necessáriamente, doentes
mentais sobre os quais um tratamento psiquiátrico teria
chance de dar certo...
“Em qualquer caso,
estamos simplesmente em presença de infelizes de toda
espécie, cujas queixas nos fazem compreender a gama dos
infortúnios humanos. Tomados de pena por eles, nós nos
perguntamos a que meios recorrer para os ajudar.
“Então nos vêm à
lembrança certas páginas dos nossos Santos Livros,
certas orações ou práticas litúrgicas que supõem a
influência do demônio, presente muito além das regiões
onde temos o costume de o confinar”.
O autor recomenda que nesses casos se usem os
sacramentais (água-benta, sal bento), orações, bênçãos,
o o Exorcismo de Leão XVIII (), etc. (J. de TONQUEDEC
S.J., Quelques aspects dei l‘action de Satan eu ce
monde, p. 493.)
Por seu lado, o exorcista
da diocese de Roma, Pe. Gabriele Amorth, comenta:
“Atualmente o Ritual
considera diretamente só o caso de possessão diabólica,
ou seja, o caso mais grave e mais raro. Nós exorcistas
nos ocupamos, na prática, de todos os casos nos quais
percebemos uma intervenção satânica: os casos de
infestação diabólica (que são muito mais numerosos do
que os casos de possessão) , os casos de infestação
pessoal, de infestação de casas e ainda outros casos nos
quais temos visto a eficácia das nossas orações. ... Por
exemplo, não são claros os confins entre possessos e
infestados; tampouco são claros os confins entre
infestados e vítimas de outros males: males físicos que
podem ser causados pelo Maligno; males morais (estados
habituais de pecado, sobretudo nas formas mais graves),
nos quais certamente o Maligno tem sua parte. Por
exemplo tenho visto às vezes vantagem em usar o
exorcismo breve na ajuda ao sacramento da Confissão nas
pessoas endurecidas em certos pecados, como os
homossexuais. Santo Afonso, o Doutor da Igreja para a
Teologia Moral, falando para os confessores, diz que
antes de qualquer coisa o sacerdote deve exorcizar
privadamente quando se encontra diante de algo
que possa ser infestação demoníaca" (G. AMORTH, Un
esorcista racconta, pp. 199-200.)
Uso freqüente dos exorcismos simples e
dos exorcismos privados
Nesses casos a solução
parece estar no uso mais freqüente dos exorcismos
(públicos) simples (que são sacramentais
e por isso têm a uma força própria, que é a da Igreja),
por parte dos sacerdotes — tanto exorcistas como
não-exorcistas, já que não exigem delegação especial —
sobre todas essas pessoas que, sem serem possessas, são
perseguidas ou influenciadas pelo demônio.
É o que recomendam os
Moralistas; assim os jesuítas Pes. H. Noldin e A.
Schmitt:
"Deve-se persuadir
muitíssimo os ministros da Igreja a que mais
freqüentemente façam uso do exorcismo simples,
lembrando-se das palavras do Senhor: Em meu nome
expulsarão os demônios; façam uso sobretudo sobre
aqueles que sejam objeto de tentação veemente sobre
penitentes nos quais percebem dificuldades em excitar a
dor e os propósitos a respeito dos pecados, ou em
manifestar sinceramente os seus pecados. Podem utilizar
esta fórmula ou semelhantes: Eu te ordeno, em nome de
Jesus, espírito imundo, que te afastes desta criatura de
Deus” (H. NOLDIN S.J. - A. SCHMITT S.J. - G. HEINZEL
S.J., Summa Theologiae Moralis, p. 43.)
Nada impede — como veremos — que em tais
circunstâncias também os leigos pratiquem exorcismos
privados, não só sobre si mesmos, mas igualmente
sobre terceiros importunados pelo demônio, observadas as
cautelas que adiante se dirão. Pois as palavras de
Nosso Senhor lembradas acima — Em meu
nome expulsarão os demônios — foram ditas a todos os
fiéis.
Esse é o ensinamento também de São Tomás,
citando outra passagem dos Evangelhos: “Podemos pois
adjurar os demônios pelo poder do nome de Jesus,
expulsando-os de nós mesmos como a inimigos declarados,
a fim de evitar os danos espirituais e corporais que nos
possam vir deles. Poder que nos deu o próprio Cristo:
'Eis que eu vos dei poder de calcar serpentes e
escorpiões e toda a força do inimigo, e nada vos fará
dano’ (Lc 10, 19)”.
(Suma
Teológica,
2-2, q. 90, a. 2.)
Exorcismo: legislaçãoão
"Sem licença peculiar e expressado
Ordinário do lugar,
ninguém pode realizar legitimamentete
ente
exorcismos sobre os possessos".
(Código de Direito Canônico)
DEPOIS DE VER a noção, o fundamento
teológico e a eficácia dos exorcismos, parece
conveniente dar em linhas gerais a legislação atualmente
em vigor sobre a matéria.
Das origens ao Código de Direito Canônico
Direito da Igreja de restringir
podereses
A Igreja, detentora do poder das chaves,
tem o direito de reservar aos sacerdotes certas práticas
que, em si mesmas, teologicamente falando, poderiam ser
realizadas também por leigos, por não exigirem o poder
de ordem. Assim foi com a distribuição da Sagrada
Eucaristia, que nos primeiros tempos era feita também
por simples fiéis, sendo mais tarde reservada aos
diáconos e sacerdotes e só recentemente voltando a ser
permitida aos leigos, mediante licença do respectivo
bispo.
Foi o que se deu
igualmente com relação aos exorcismos sobre os
possessos: nos primórdios da Igreja, quando a abundância
de carismas era um fato, os fiéis expulsavam os demônios
por força desses carismas, sem necessidade de recorrer
aos sacerdotes e ao bispo.
Porém a partir já do século V, em vista
de abusos, como também da diminuição dos carismas, ao
mesmo tempo que decrescia o número de possessos pela
expansão do Cristianismo, começou a reserva desses
exorcismos apenas aos sacerdotes, e somente quando
autorizados pelo seu bispo. Essa norma foi-se estendendo
com o tempo até que, finalmente, com o Código canônico
mandado elaborar por São Pio X e promulgado por Bento XV
em 1917, se tornou lei universal. (Cf. Código de
Direito Canônico (1917), cânon 1151 § 1.) O novo
Código de Direito Canônico (1983) conservou essa norma:
“Sem licença peculiar e expressa do Ordinário do
lugar, ninguém pode realizar legitimamente exorcismos
sobre os possessos”. (Código
de Direito Canônico,
cânon 1172 § 1.)
Prudência da Igreja
Mons. Maquart, demonólogo francês,
ressalta a prudência da Igreja ao reservar os exorcismos
solenes sobre os possessos apenas aos padres
autorizados: “Diversas razões levaram a Igreja a
reservar muito estritamente a prática dos exorcismos
solenes. A luta do exorcista contra o demônio não está
isenta de perigos morais mesmos físicos, para o padre
exorcista; a Igreja não quer e não pode expor
desconsideradamente seus ministros”. (Mgr F. X. MAQUART,
L’exorciste devant les manifestations diaboliques,
p. 328.)
Entre as razões dessa reserva dos
exorcismos sobre os possessos a sacerdotes que
satisfaçam a certos requisitos — com a conseqüencia
proibição aos leigos — os Autores enumeram as seguintes:
a. Perigos espirituais e mesmo físicos a
que o exorcista está exposto: tentações contra a fé,
contra a pureza; agressões psíquicas ou mesmo físicas
por parte do demônio...
b. Necessidade de grande ciência, piedade e prudência
para o confronto direto com o demônio: preparo para
enfrentar as falácias, sofismas e embustes do pai da
mentira; para saber como conduzir o exorcismo; para
certificar-se de que o demônio saiu realmente do corpo
do possesso ao fim dele; e também para discernir a
verdadeira possessão de outros fenômenos, até naturais,
parecidos com ela, como estados mórbidos, alucinações,
ilusões.....
c. Risco de se profanar o Nome de Deus, tomando-O em vão
na falsa possessão, sendo o exorcismo a adjuração do
demônio em nome de Deus
a que abandone a criatura que possui ou
infesta (a obrigatoriedade de recorrer ao bispo de
cada vez conduz a que os casos estudados com maior
cuidado, os indícios examinados [com maior prudência).
d. Possibilidade de abusos, como exorcizar doentes
mentais, com perigo de agravar seus males (pela grande
tensão e esforço mental até físico que o exorcismo
comporta, e pelo caráter impressionante deste); ganância
(pedidos de remuneração, aceitação de presentes...);
solicitações pecaminosas...
Se esses riscos existem para membros do clero (a tal
ponto que a lei canônica estabelece que não sejam
facultados para fazer exorcismos senão sacerdotes que
tenham ciência, prudência e santidade de vida), que têm
formação teológica, graça de estado, experiência
pastoral, muito maiores serão para os leigos que,
normalmente, não tem estudos especializados ou qualquer
outro preparo.
Exorcismos solenes sobre
possessos
Embora qualquer sacerdote (e mesmo, como
veremos, qualquer fiel) seja teologicamente capaz de
fazer exorcismos, mesmo sobre possessos, entretanto,
desde há muitos séculos, a Igreja dá a faculdade de
exorcizar solenemente (isto é, de fazer
exorcismos sobre possessos) só a sacerdotes distintos
pela piedade e prudência, mediante uma expressa
licença do Ordinário e com a obrigação de observar
fielmente o disposto no Código de Direito Canônico
e no Ritual Romano.
Os exorcismos sobrere possessos (exorcismos
solenes;), só podem ser feitos legitimamente:
a. mediante licença peculiar (para cada caso
concreto) e expressa (não pode ser presumida) do
Ordinário do lugar. (CIC-83 cânon 1172 § 1; CIC- 17
cânon 1151, § 1.)
b. essa licença não deve ser concedida
senão a sacerdotes (não
pode ser dada a leigos ou religiosos
não-sacerdotes) de reconhecida piedade, prudência,
ciência e integridade de vida. (CIC-83 cânon 1172 § 2;
CIC-17 cânon 1151 §2.)
c. estes sacerdotes não
procederão senão depois de constatar, mediante diligente
e prudente investigação, que se trata realmente de um
caso de possessão diabólica.(C1C- 17 cânon 1151 § 2;
Ritual Romano, titulo XI, c. 1.)
d. os exorcistas
observarão cuidadosamente os ritos e as formulas
aprovados pela Igreja. (C1C- 83 cânon 1167 § 2; cf.
CIC-17 cânon 1148 § 1; Ritual Romano, título XI,
c.2.)
Os exorcismos são feitos normalmente na igreja ou em
algum outro lugar pio ou religioso, salvo os casos de
enfermos ou a presença de motivos graves em contrário; ;
não, porém, diante de um público numeroso
No exorcizar, o
ministro deve ater-se ordinariamente às fórmulas do
Ritual Romano, evitando em cada caso o uso de
remédios ou de práticas supersticiosas. Deve evitar
absolutamente fazer perguntas não oportunas ou não
adaptadas ao escopo, ou não necessárias, ou de mera
curiosidade, bem como aquelas que visem a descobrir
acontecimentos futuros. Por outro lado, o exorcista deve
perguntar ao demônio se ele está só ou com outros
espíritos malignos, qual o nome deles, o tempo do início
da possessão e a causa dela.
Os exorcismos podem ser realizados não
apenas sobre possessos católicos, praticantes ou não, e
até excomungados, mas também sobre pessoas de outras
religiões ou de todo pagãs, desde que em cada caso se
tenha uma certeza moral de que se trata de verdadeiros
endemoniados. (Código
de Direito Canônico
(1917), cânon 1152.)
Exorcismos em casos de infestação local e
pessoal
No caso de infestações
locais e pessoais, o Ritual Romano reserva a
recitação do Exorcismo contra Satanás e
os anjos apóstatas, publicado por ordem de Leão
XIII, aos bispos e padres autorizados pelo bispo
diocesano.(Rituale Romanum, tit. XII, c.3. ) (Como
simples oração, pode ser recitado por qualquer pessoa,
sacerdote ou leigo, sem necessidade de nenhuma
autorização especial.).
Além disso, um documento
recente da Santa Sé transforma em norma disciplinar essa
rubrica do Ritual, reiterando assim a proibição
de os sacerdotes não autorizados pelos respectivos
bispos - como também os leigos — utilizarem a referida
fórmula (CONGREGAÇÃO PARA A DOUTRINA DA FÉ, Carta aos
Ordinários de lugar. relebrando as normas vigentes
sobre os exorcismos, 29 de setembro de 1985, in Acta
Apocalipse Sedis, An. et vol. LXXVII, 2 Decembris 1985,
N. 12, pp 1169-1170.)
O mesmo documento proíbe,
ainda, ao sacerdote não autorizado pelo Ordinário, a
presidência dede “reuniões de libertação do demônio",
nas quais se dêem ordens diretamente ao demônio, ainda
que não se trate propriamente de exorcismos sobre
possessos, desde que pareça haver algum influxo
diabólico. (Carta cit. § 3. )
Outros exorcismos
Os exorcismos que se
efetuam nas cerimônias do batismo solene, na benção da
água e do sal e na consagração dos Santos Óleos,
apresentados no Ritual Romano
“Somos todos exorcistas"
"Em meu nome expulsarão os demônios."t;
(Mc 16,17)
DO ATÉ AQUI EXPOSTO ficou
claro que também os leigos podem proceder a exorcismos,
pelo menos em certas circunstâncias e sob certas
condições. O presente capítulo procura esclarecer qual a
origem e o fundamento teológico do poder exorcístico
específico dos leigos, bem como as condições em que
legitima e eficazmente podem fazer uso dele.
Podem os leigos
exorcizar?
Possibilidade teológica
A rigor, do ponto de
vista teológico, nada impede que um leigo possa
proceder eficazmente a exorcismos, mesmo sobre
possessos. A explicação teológica já ficou insinuada
acima, porém de modo fragmentário, pelo que parece
oportuno aprofundá-la aqui.
Já vimos como, nos
primeiros tempos, fiéis que não tinham recebido o
caráter sacerdotal, nem tampouco carismas especiais,
procediam aos exorcismos batismais. Esses fiéis foram
incorporados ao clero, vindo a constituir a ordem
menor dos exorcistas, e passando a exorcizar também
possessos; com o tempo, por uma série de razões
históricas e disciplinares, suas funções acabaram por
ser absorvidas pelos sacerdotes, e o exorcistado,
embora continuando conferir um poder efetivo sobre o
demônio, ficou reduzido simples degrau para a recepção
do sacerdócio, até ser abolido em 1972, junto com as
demais ordens menores. Com a reforma litúrgica de Paulo
VI esse ministério, relativamente aos exorcismos
batismais, passou a ser novamente confiado a leigos: os
atuais catequistas e outros ministros extraordinários do
Batismo.
Num e noutro caso - isto é, no dos
primitivos exorcistas e no dos novos ministros
extraordinários do Batismo — trata-se de fiéis que, como
ficou dito, não receberam a ordenação sacerdotal (no
segundo, esse ministério é confiado inclusive a
mulheres), o que indica que tal ordenação não é
teologicamente necessária para que alguém possa proceder
eficazmente a exorcismos, mesmo em caráter oficial, isto
é, , em nome da Igreja.
Porém, não é a estes
casos de pessoas delegadas pela Igreja que
queremos nos referir, pois se poderia pensar que sempre
é necessária alguma espécie de investidura eclesiástica
para adquirir a capacidade teológica para
exorcizar o demônio. O que investigamos aqui é se o
simples fiel, sem nenhuma investidura oficial, tem
poderes
— teologicamente falando — para proceder eficazmente aos
exorcismos.
Poder dado pelo Batismo,
pela Confirmação e pela Eucaristia
O
homem não tem nenhum poder natural sobre
Satanás e os espíritos infernais: se não fosse socorrido
por Deus, ficaria inteiramente à mercê do Maligno. E, de
fato, pelo pecado original, todos nos tínhamos tornado
escravos dele. Nosso Senhor, na sua misericórdia,
resgatou-nos da tirania do demônio por sua morte de
Cruz. E Ele que participemos de sua luta, assim como nos
associa ao seu triunfo. Isto se dá pelo Batismo, que
nos incorpora a Cristo e nos faz partícipes de sua luta
e de sua vitória. Pois o corpo participa de toda a vida
da Cabeça. Eis aí o título fundamental que nos faz
exorcistas a todos os batizados.
É por isso que Dom
Pellegrino Ernetti 0.S.B. — exorcista da arquidiocese
patriarcal de Veneza dá ao capítulo final de seu livro o
seguinte título: “Somos todos exorcistas “.
Escreve Dom Pellegrino: “As orações e o
exorcismo preventivo são inerentes ao próprio estado de
ser cristão, enquanto batizado, crismado e que vive a
vida da Eucaristia. Do caráter batismal lhe provém já o
título de verdadeiro lutador contra Satanás. E a
própria oração do Pai-Nosso lhe confere o título
válido para lutar em forma
preventiva. O cristão não somente tem o
estrito dever de soldado e seguidor de Cristo, o qual
veio á terra para expulsar e destruir a
obra do demônio, mas tem inclusive o direito
de participar nesta luta, direito sempre proveniente,
seja do caráter batismal, seja crismal, e, nutrido de
Jesus na mesa eucarística, se torna sempre mais forte
para obter a vitória, juntamente com seu Rei e Vencedor,
Cristo.
“Portanto: : todos
somos exorcistas, lutadores e vencedores de
Satanás! Como exorcista, o fiel no faz outra coisa
senão exercitar o seu jus nativum,
consubstanciado no sacerdócio comum dos fiéis”.
(D. Pellegrino ERNETTI O.S.B., La Catechesi di Satana,
pp. 245-246)
Teológicamente falando —
e abstraindo igualmente de carismas extraordinários
—, todos os fiéis somos, pois, exorcistas, sem que
seja necessária nenhuma espécie de investidura
eclesiástica para adquirir a capacidade para
exorcizar o demônio. Essa capacidade está in radice
no Batismo, que nos faz filhos de Deus, membros do Corpo
Místico de que Cristo é a Cabeça; e é reafirmada pela
Confirmação, que nos faz soldados de Cristo e nos dá,
junto com o dever de lutar por Ele, a capacidade para
tal combate; e é alimentada pela Eucaristia.
Porém, esse poder r
exorcístico, por sábias razões de prudência, está
limitado pela leis da Igreja, como se verá a seguir.
Limitações canônicas
Se não existem empecilhos de natureza teológica para que
um leigo possa praticar exorcismos, ocorrem entretanto
impedimentos de natureza canônica, isto é, de lei
positiva da Igreja.
O primeiro deles é a
proibição de praticar exorcismos sobre possessos, os
quais, como ficou exposto anteriormente, são reservados
aos sacerdotes devidamente autorizados pelo respectivo
bispo.
Outra restrição diz
respeito ao emprego da fórmula do chamado Exorcismo
de Leão XIII, reservada para os bispos e sacerdotes
autorizados.
Os simples fiéis também
não devem realizar sessões de exorcismos nas quais se
interpele diretamente o demônio, ainda que não se trate
de casos de possessão propriamente dita, desde que se
suspeite de presença demoníaca? (CONGREGAÇÃO PARA A
DOUTRINA DA FÉ, Carta aos Ordinários de lugar,
relembrando as normas vigentes sobre as exorcismos,
29 de setembro de 1985.)
Quando e como os leigos
podem exorcizar
Nas infestações locais ou
pessoais
Então os leigos ficam à
mercê dos ataques do demônio, já que não podem exorcizar
os possessos?
De
nenhum modo. Convém lembrar que a
principal defesa contra o demônio é a graça de Deus, que
se recebe no Batismo e se recupera na Confissão, sendo
alimentada pelos sacramentos, sacramentais, boas obras e
vida de piedade. Portanto, mesmo que um leigo possa
fazer exorcismos sobre possessos, ele não está indefeso
diante do demônio.
É preciso recordar ainda
que a possessão, de si, não é um obstáculo à salvação
nem à santificação das pessoas, podendo mesmo ser uma
provação útil para a vida espiritual da vítima, ou de
seus familiares e amigos e mesmo do próprio exorcista.
Cabe considerar, ainda,
que a possessão não é a ofensiva extraordinária, mais
freqüente do demônio. Excetuando a tentação (que é uma
ofensiva ordinária), os Autores dizem que a ofensiva
extraordinária mais corrente é a infestação tanto
local como pessoal. Eles dizem que é
grande o número de pessoas que procuram os exorcistas
por estarem atormentadas pelo demônio, sem que,
entretanto, se trate de casos de possessão. E que se
sentem aliviadas com exorcismos simples ou apenas com
bênçãos e outros remédios espirituais.
Ora, com relação à infestação local e
mesmo pessoal, não existe na legislação canônica nenhuma
proibição: os leigos podem fazer
exorcismos privados, desde que não
empreguem a fórmula do Exorcismo contra Satanás e os anjos apóstatas (o chamado Exorcismo de
Leão XIII), nem “se interpele diretamente o
demônio, e se procure conhecer sua identidade". E o
que adverte a Congregação para a Doutrina da Fé, no
documento acima citado. (CONGREGAÇÃO PARA A DOUTRINA DA
FÉ, Doc, cit.)
Portanto, nos casos menos raros de ação
demoníaca extraordinária, isto é, nas infestações
locais e nas pessoais, os fiéis não estão
indefesos, em decorrência da regulamentação dos
exorcismos estabelecida pelo Código de Direito Canônico
e por documentos da Congregação para a Doutrina da Fé.
Além dos remédios gerais, ordinários, podem eles, com as
cautelas adiante indicadas, fazer uso do remédio
extraordinário do exorcismo
privado.
Para repelir as tentações
e perturbações do demônio
Não é apenas em casos ou
situações de certo modo extremas, que os leigos são
livres para proceder a exorcismos privados. Eles os
podem praticar preventivamente sempre que se
sentirem tentados ou perturbados pelo demônio.
É o que ensinam os
moralistas e canonistas. Por exemplo escreve o Pe. Felix
M. CAPPELLO S.J.: “O exorcismo privado pode ser
realizado por todos os fiéis. Porque qualquer um
pode, para repelir as tentações ou perturbações do
demônio, ordenar a ele, por Deus ou Jesus Cristo,
que não prejudique a si ou a outros. O efeito desse
exorcismo não deriva da autoridade e preces da Igreja,
uma vez que não se faz em seu nome, mas somente pela
virtude do nome de Deus e Jesus Cristo”. (Felix M.
CAPPELLO S.J.. Tractatus Canonico-Moralis DE SACRAMENTIS.
p.84). No mesmo sentido escreve o Pe. Marcelino ZALBA
S.J.: “Exorcismos: ... privados imperativamente (pode
ser feito) por qualquer um, somente para coarctar a
influência dos demônios...”(Marcelino ZALBA S.J.,
Theologiae Moralis Compendium, p. 661).)
Em resumo: os simples
fiéis podem, e até devem, realizar exorcismos privados
nas s tentações ou infestações demoníacas;
não, porém, nos casos de possessão, pois os
exorcismos sobre possessos são reservados, como ficou
afirmado, aos sacerdotes autorizados.
Evitar uso de fórmulas
solenes e aparência de carisma
Quanto ao modo de fazer os exorcismos, os leigos devem
evitar o uso das fórmulas do Ritual Romano, reservadas
apenas aos sacerdotes que receberam a devida licença do
bispo, pois tal uso podia fazer crer que se tenciona
fazer os exorcismos em nome da Igreja, ou seja,
que se está investido de um mandato eclesiástico.
É recomendada uma
prudência particular para evitar toda solenidade e
formalidade, inclusive a forma imperativa, sempre que
isso possa fazer pensar que se trata de um carisma
extraordinário, pois isso poderia causar estranheza
a muitos, dada a raridade dos carismas hoje.
É preciso precaver-se
ainda contra o perigo do escândalo, sobretudo nas
possessões. Por isso, se se tratar de possessão
diabólica do corpo, relativamente à qual tal perigo de
escândalo e abuso pode ser maior, os fiéis devem
abster-se de praticar os exorcismos (aliás, encontram-se
proibidos de o fazer pela lei da Igreja), devendo
dirigir-se a um sacerdote; podem, entretanto, fazer uma
oração, pedindo a Deus - por intercessão de Nossa
Senhora, de São Miguel, dos anjos e dos santos — que
libertem aquela pessoa do domínio de Satanás e impeçam
que o espírito maligno faça mal a outras pessoas. Também
nos casos de infestação local ou pessoal grave,
em que a atuação do demônio seja certa ou ao menos muito
provável, ou haja manifestações extraordinárias, será
mais prudente abster-se da fórmula imperativa, ao fazer
exorcismos privados. O mais recomendável seria chamar
igualmente um sacerdote, sempre que possível.
Do mesmo modo, deve-se
evitar qualquer procedimento que possa dar a impressão
de vã presunção nos próprios méritos. O Pe. Guillerme
Arendt (jesuíta belga, cuja orientação estamos seguindo
neste item) observa que uma ordem dada ao demônio por um
simples fiel, em nome de Deus, com presunção de êxito
sem ter em conta a vontade divina, pode constituir uma tentação a Deus, uma vez que é quase obrigá-Lo a
interferir por respeito ao próprio Nome.
Mas quando não há essa
presunção e se espera únicamente em Deus e no poder do
nome e da cruz de Cristo, então não há esse perigo.
Nesse caso, o que se está fazendo é apenas uma oração a
Deus, que Ele atenderá segundo seus augustos desígnios.
Trata-se também de um ato de fé e de esperança na
promessa do Redentor de que aqueles que cressem teriam o
poder de expulsar os demônios.
Quando se tratar somente
de repelir a tentação do diabo pecar para pecar, é
conveniente desprezar e calcar aos pés, pela virtude de
Cristo, a soberba diabólica, com exprobação
imperativa, de modo que o inimigo confundido seja posto
em fuga em virtude de sua própria impotência. (Cf. 6.
ARENDT, De Sacramentalibus, n. 311 apud Mons. c.
BALDUCCI, Gli Indemoniati, pp. 99-100.)
“Orações de libertação”
Cabe aqui uma palavra sobre as chamadas orações de
libertação.
“Orações de libertação —
define Mons. Corrado Balducci - são aquelas com as
quais pedimos a Deus, à Virgem, a São Miguel, aos Anjos
e aos Santos sermos libertos das influências maléficas
de Satanás. São muito distintas dos exorcismos, nos
quais nos dirigimos ao diabo, ainda que em nome de Deus,
da Virgem, etc.; distintas seja pelo destinatário
direto, seja obviamente pela modalidade, pelo tom:
deprecativo e suplicante no primeiro caso, imperativo e
ameaçador no segundo”. (Mons. C. BALDUCCI, El diablo,
p. 261.)
Nessas orações, em vez de
se e impor ao demônio, em nome de Jesus Cristo, que
deixe aquela pessoa, aquele lugar, ou que cesse aquela
situação, implora-se a Deus que — pelos méritos
de Nosso Senhor, pela intercessão de Nossa Senhora, dos
Anjos, dos Santos, de pessoas virtuosas — nos proteja e
liberte do jugo do Maligno ( sem interpelar diretamente
o demônio nem procurar conhecer sua identidade).
Devemos fazer essa
súplica com humildade e confiança, pois Deus não o
despreza um coração contrito e humilhado (SI 50, 19).
Deus não deixará certamente de nos atender, sobretudo se
tivermos em vista antes de tudo a sua glória.
Porém, continua o
Prelado, ultimamente, em algumas reuniões de grupos de
oração e outras iniciativas privadas, nas quais se
faziam orações de libertação, ás vezes se saía dos
âmbito da simples oração e se chegava ao uso de
verdadeiras fórmulas exorcísticas, com a interpelação
direta do demônio. Tais práticas determinaram a
intervenção da Congregação para a Doutrina da Fé, com a
Carta de 29 de setembro de 1985, várias vezes referida
aqui.
V - SATANISMO — MAGIA —
FEITIÇARIA
ATÉ AQUI VIMOS a interferência espontânea do demônio na
vida dos homens, seja pela sua ação ordinária — a
tentação, seja pela ação extraordinária — infestação
local e pessoal e possessão. Cabe agora estudar a sua
intervenção a convite do próprio homem: a magia ou
feitiçaria, os pactos satânicos, as práticas
supersticiosas em geral.
É certo que o homem, por
sua natureza, não tem nenhum poder sobre o demônio, não
podendo, portanto, obrigá-lo a atender às suas
solicitações, nem a cumprir o que foi pactuado com ele.
Porém, não é menos certo
que o demônio — sempre à espreita de uma ocasião para
fazer mal aos homens e perdê-los - não deixaria escapar
a oportunidade única de atuar quando convidado por eles
próprios. Assim, se Deus o permitir, ele pode atender
aos pedidos que lhe são feitos e obter, para os homens
que a ele recorrem,
riquezas, poder político, satisfação de paixões e
ambições, e mesmo prejudicar outras pessoas.
Em outros termos, o
homem não pode ser a causa da interferência do
demônio, mas pode muito bem ser a ocasião dessa
interferência.
De modo que a magia, se
entendida no sentido de arte pela qual o homem adquire
um poder sobre o demônio, não existe e é impossível; se
entendida, no entanto, como a arte de operar
prodígios por obra do demônio, a magia não só é
possível teoricamente, mas existe e é largamente
praticada, desde as mais remotas eras até o dia de hoje.
É fora de dúvida que o
malefício é teoricamente possível. Ele não comporta o
menor absurdo em si, nem da parte do homem, nem da parte
do demônio, nem da parte de Deus. Com efeito, o homem
animado de um ódio satânico e abusando da sua liberdade,
pode praticar as ações mais perversas, sem excetuar a de
invocar e adjurar os espíritos infernais, para que eles
apliquem seus poderes maléficos sobre uma pessoa
determinada, O demônio, por sua vez, pode atormentar os
homens das maneiras mais estranhas e mais inexplicáveis,
e ele encontrará aí sua própria satisfação; e nada
impede que ele faça depender sua intervenção do emprego
de um ritualismo simbólico, que seria uma manifestação
concreta de culto ao demônio, da parte do homem, coisa
muito agradável a Satanás, sempre desejoso de macaquear
a Deus. E Deus pode permitir o malefício, nos seus
desígnios de justiça, assim como permite os casos de
possessão.
O feiticeiro não desenvolve, no malefício, as suas
forças. A intervenção de Satanás é aí evidente e Deus a
permite, como permite a tentação, as infestações e mesmo
as possessões. As provas dessa intervenção demoníaca
são tão abundantes nas Sagradas Escrituras e na História
religiosa, que a ninguém é legítimo duvidar dela.
Quando se crê no demônio, no que os Livros Sagrados e a
História dizem dele, rejeitar essa possibilidade é
irracional.
Na verdade, diante de
testemunhos tão irrefutáveis, não se pode não crer na
existência de feiticeiros e na eficácia de seus
feitiços, por obra do demônio, sempre que Deus o
permitir.
Da superstição à adoração do demônio
“Os que se apegam às superstições
enganosas abandonam a graça
que lhes era destinada".
(Jon 2, 9)
A superstição
A superstição é um
arremedo indigno do verdadeiro culto a Deus, por
depositar a confiança em fórmulas e ritos empregados
para forçar Deus a atender o que Lhe é pedido, e para
desvendar o futuro. Chama-se também superstição a
veneração de caráter religiosos tributada a “forças”
reais ou imaginárias, em lugar de Deus.
A superstição procura
aprisionar o sobrenatural mediante fórmulas ou ritos
para pô-lo ao seu serviço. O supersticioso quer
servir-se da religião para proveito próprio e não para
cultuar desinteressadamente a Deus. Por isso Deus,
através do Profeta Jonas, adverte: "Os que se apegam
às superstições enganosas abandonam a graça que lhes era
destinada” (Jon 2, 9).
O supersticioso põe uma
confiança indevida em práticas às quais nem Deus, nem a
Igreja (por concessão divina), nem a natureza conferiram
o poder de obter certos efeitos.
Sempre que se procuram
determinados efeitos por meios desproporcionados, os
quais de nenhum modo podem conduzir ao resultado
desejado, se confia na atuação de forças misteriosas,
ao menos implicitamente, para obter esse resultado. Como
essas forças vêm de Deus nem de seus anjos, só podem
provir do espírito das trevas.
E assim, a partir da superstição, se
chega, facilmente, ainda
que de forma não inteiramente consciente,
ao recurso implícito ao demônio. Daí, para a invocação
explícita, não há senão um passo.
Em suma, o desejo de
subjugar as forças superiores e de as
instrumentalizar para proveito próprio, e dessa maneira
chegar a "ser como deuses” (cf. Gen 3, 5), é o
fundamento de toda a supertição, de toda a magia.
Pacto com o demônio
Possibilidade de pacto com o demônio
Sabemos pela Revelação
que os homens podem entrar em comunicação voluntária com
os demônios e pedir que eles façam ou concedam coisas
que superam as forças humanas.
Está fora de dúvida
que o demônio intervém espontaneamente, de um modo
sensível, na vida dos homens; porque não haveria ele de
intervir diante da solicitação de uma vontade humana?
Não há nisto nada que seja contrário á ordem das coisas,
nem da parte de Deus, nem do demônio. Da parte de Deus,
Ele pode permitir à ação do demônio como castigo para o
homem por causa de suas faltas,*
ou como provação para a
vítima, ou para algum outro efeito que Ele conhece, nos
Seus desígnios de sabedoria e justiça. Do lado do
demônio, está bem de acordo com a sua psicologia atender
a uma solicitação que tanto lisonjeia seu orgulho,
gratifica seu ódio a Deus e do homem, e satisfaz seu
desejo de fazer o mal.
*É
o que pensava santo Agostinho, o qual afirma que os
homens que se dedicam à su perstição " são entregues, como suas vontades más
merecem, aos anjos prevaricadores, para Lerem
escarnecidos e enganados".
O homem pode entrar em relação com os anjos e com os
demônios, uma vez que uns e outros são seres
inteligentes e livres. Nessa condição, tanto o homem
quanto os anjos e os demônios podem fazer uso de sua
liberdade e unir-se para a obtenção de um fim comum.
Mas, para isso, é preciso haver um ponto de contacto
entre uns e outros; quer dizer, é preciso que uns e
outros tenham disposições análogas. Quando as relações
são estabelecidas entre seres de natureza diversa, é
evidente que o ser de natureza superior impõe as suas
disposições ao inferior: é a lei do mais forte. Se o ser
mais elevado é um m espírito bom (isto é, um anjo)
o acordo se faz para o bem; se, ao
contrário, o ser mais elevado é um espírito maligno,
o acordo não pode fazer-se senão para o mal. Pois
o demônio, espírito pervertido, não visa senão o mal.
Como todo contrato, cada parte procura atender aos seus
interesses. Se, de um lado, o espírito maligno aceita o
acordo unicamente para o mal, a outra parte, o homem,
poderá exigir que esse mal lhe traga alguma vantagem, ao
menos subjetiva: dinheiro, honras, vingança, prazer; do
contrário, não haverá razão para haver acordo.
Por sua inteligência e seu poder, os demônios são
superiores aos homens. Eles conhecem os segredos da
natureza e os agentes físicos bem melhor que os sábios
jamais chegarão a conhecer. Eles são capazes de produzir
resultados surpreendentes e mesmo, quando isso serve a
seus pérfidos desígnios, obter vantagens materiais que
recorrem a eles.
Como é evidente, o homem não tem poder sobre os demônios
e estes não são obrigados a atender aos desejos do
homem, não o faz porque esteja a isso obrigado; seja
forçado a isso pelo homem, mas sim porque satisfaz à
sua soberba ver-se solicitado pelo homem, e até venerado
por ele, em lugar de Deus; de outro lado, atendendo a
esses pedidos, ele pratica o mal, quer em relação a
terceiros, como se dá com freqüência, quer em relação ao
próprio solicitante, cuja alma conduz à perdição, que é
o que ele tem em vista ao aceitar o pacto.
Espécies de pacto: explícito e implícito
É certo que pode haver, que houve e ainda há pactos com
o demônio.
1º Pacto explícito
O pacto com o demônio consiste num acordo entre uma
pessoa e o demônio, pelo qual essa pessoa se obriga a
algo em relação ao demônio, em troca da ajuda deste para
conseguir aquela vantagem que deseja.
Muitas vezes o pacto é
feito por escrito, e o demônio exige que o homem o
assine com o próprio sangue. Para estabelecer o pacto
não é necessário que as duas partes estejam presentes
pessoalmente: elas podem atuar por meio de
procuradores. O demônio quase sempre é representado
pelo feiticeiro, pai-de-santo, médium
etc. E isto já nos encaminha para o estudo da
feitiçaria, da magia, da macumba, que será feito a
seguir.
Outras vezes o pacto se faz por meio de sociedades
secretas iniciáticas e com certas formalidades ou ritos
estabelecidos.
Por fim, há ocasiões em que o pacto se faz com a
aparição real do demônio. Há casos de feiticeiros que
têm um comércio habitual com o Espírito das trevas,
o qual vêem sob as mais variadas formas: humana, animal,
fantástica.
2º Pacto implícito
Mas, ao lado do pacto explícito, há o pacto
implícito cor demônio.
É fácil, sobretudo para os cristãos, compreender que um
pacto formal, um recurso explícito ao demônio é
contrário à lei de Deus. Mas o recurso implícito,
mediante práticas supersticiosas nem sempre aparece
claramente como um recurso ao Maligno e choca menos o
senso moral.
Para que se possa dizer que há pacto implícito com o
demônio é preciso, bem entendido, que se tenha uma
esperança mais ou menos firme de que o efeito pretendido
realmente será obtido; também é preciso que se trate de
práticas feitas com seriedade e não por mera brincadeira
(embora seja muito perigoso brincar nessa matéria, pois
o demônio pode tomar a coisa a sério). Como esse
efeito não pode ser esperado dos meios empregados (que
evidentemente não são aptos para conduzir a esse
resultado), ao menos implicitamente, se crê na presença
de certas forças misteriosas, extra-naturais,
para obter aquele resultado. Que forças são essas? Se
não vêm de Deus (seja diretamente ou indiretamente,
através dos seus anjos ou da Igreja), de onde
procederão?
A resposta não pode ser
outra: vêm do Maligno.
Em muitos casos o homem se dá conta disso; porém, cego
por suas paixões desregradas, já não cogita de averiguar
a origem do resultado obtido: o que lhe interessa é
alcançá-lo. Assim, vai-se acostumando aos poucos a ver o
demônio não como o espírito do mal, que ele é,
mas apenas corno urna ser poderoso, que ele pode
utilizar em seu proveito; como uma espécie de
divindade conivente com suas paixões, a quem convém
cultuar.
A supertição, em qualquer de suas formas, por conter
sempre um recurso claro ou velado, explícito ou
implícito ao demônio, constitui um pecado gravíssimo,
contra a virtude da religião, que nos prescreve prestar
culto somente a Deus, e só a Ele recorrer e nunca ao
poder das trevas — "Adorarás ao Senhor teu Deus,
e só a êle servirás" (Lc 4,8).
Adoração do demônio:
sacrifícios humanos
Culto idolátrico do
espírito das trevas
A credulidade indisciplinada, soltando o freio da
fantasia no campo duplamente misterioso das forças
sobre-humanas e do mal, adultera o conceito de Satanás —
inimigo de Deus e dos justos, porém mera criatura
limitada — para fazer dele uma espécie de divindade
malfazeja, a que se deve servir e agradar no
interesse pessoal.
De onde, alguns ritos, como na macumba, umbanda e
candomblé, se fazerem ofertas de alimentos e sacrifícios
de animais para aplacar o diabo e tomá-lo propício a
quem recorre a ele.
Essa postura pode levar, e muitas vezes leva, o
supersticioso a fazer uma autêntica substituição de Deus
pelo demônio e a realizar paródias blasfemas do culto
divino como nas Missas negras. Chega-se então ao
satanismo pleno, que se caracteriza pela vontade
de praticar o mal, pelo ódio ativo, em nome da liberdade
absoluta, que investe contra toda lei religiosa e moral.
Esse ódio não é explicável pela psicologia humana,
participando do mistério do mal, do “mistério da
iniquidade", de que fala São Paulo (cf. 2 Tes 2, 7).
E assim se passa do pacto implícito ao pacto explícito
com o demônio, e se chega ao culto idolátrico do
espírito das trevas, invocado às vezes sob nomes
bárbaros corno orixás, xangôs, exús e outros,
sobretudo nos ritos da macumba, da umbanda, do
candomblé, e nas práticas de magia em geral.
O sacrifício: ato de culto de adoração
De acordo com a doutrina católica, só se pode oferecer
sacrifícios a Deus, por se tratar de ato essencial do
culto de adoração, pelo qual reconhecemos o poder
absoluto que o Criador tem sobre nós. Todo sacrifício
oferecido a outrem que não a Deus reveste-se de um
caráter idolátrico, pecado gravíssimo de lesa-majestade
divina.
O sacrifício consiste no oferecimento e na imolação de
uma vítima (sacrifício propriamente dito) ou no
oferecimento e entrega de um bem em honra da divindade (sacrifício
impropriamente dito), com a finalidade de proclamar
que Deus é o Senhor de todas as coisas e que nós não
ternos nada de próprio, mas tudo pertence a Ele.
Por causa do pecado, nós mesmos é que deveríamos ser
imolados a Deus; mas o Criador não permite a imolação
cruenta do próprio homem, corno faziam as religiões
pagãs (cf. Lev 18, 21; 20, 1-5; Deut 12, 31; 18, 9ss).*
Assim, não pode haver um sacrifício de imolação cruenta
de seres humanos. Não podendo fazer a imolação de nossa
vida a Deus, imolamos nossa vontade, que é no que
consiste o sacrifício interno. O sacrafício
externo consiste no ato de oferecimento de uma
vítima ou de uma coisa a Deus, e deve ser apenas um
sinal do o sacrifício interno, do
oferecimento de nós mesmos.
*Quando
alguns judeus, no Antigo Testamento, por imitação dos
povos pagãos vizinhos imolaram vítimas humanas (cf. 1
Reis 16,34), Deus, por meio dos Profetas proferiu
severas condenações a esses atos (cf. Jos 6, 26; SI 105,
37ss; Miq 6, 7; Jer 7, 31; 19,5; 32, 35; Ez 16, 2Oss;
20, 26).
Sacrifícios humanos
O demônio, em sua soberba demencial, quer
se pôr no lugar de Deus e ser adorado: “Tudo isto eu
te darei se, prostrado, me adorares" (Jo 6, 9),
ousou ele dizer ao próprio Salvador, oferecendo-lhe os
reinos deste mundo E este é o convite que ele faz aos
homens,
sobretudo aos que o procuram: “Adorem-me
que eu lhes darei tudo!"
"Homicida desde o
princípio" como o caracterizou Nosso Senhor (Jo 8,
44), o demônio não se satisfaz apenas com as oferendas
de animais, alimentos, velas, cachaça, etc., segundo se
pratica correntemente nos cultos de macumba. Sempre que
pode, ele exige sacrifícios humanos. Isto não é algo que
se tenha dado apenas na Antiguidade, ou entre os povos
bárbaros, mas ocorre ainda em nossos dias. E entre nós,
conforme veremos adiante. |
PART 3
Anjos e Demônios - A Luta Contra o Poder das Trevas
Magia negra ou feitiçaria:
aspectos históricos
"Não vos dirijais aos magos, nem interrogueis os
advinhos,
para que vos não
contamineis por meio deles".
(Lev 19,31)
Antiguidade
da magia negra ou feitiçaria
“A magia negra ou diabólica, ou simplesmente
feitiçaria, consiste em um poder oculto, que permite
ao mago obter efeitos superiores à eficiência dos meios
realmente empregados” — define o Pe. Leonardo Azzolini
S.J. (Pe.
Leonardo AZZOLINI S.J., La Magia Secondo la Teologia
Morale, col. 1832)
A feitiçaria é
encontrada em todas as culturas e em todas as épocas;
apresenta-se sob aspectos diversos, mas sempre com
característica em comum que é o recurso a fórmulas e
rituais mágicos, cabalísticos, para curar doenças,
prever coisas futuras, assegurar o sucesso de
empreitadas, etc. Mais particularmente, a capacidade de
de fazer o mal, de prejudicar outros.
A magia estava tão
difundida na Antigüidade, que consistia um perigo para o
Povo Eleito, o qual era tentado a imitar vos vizinhos.
A Bíblia ressalta
essa prática no Egito. O livro do Êxodo (7, 11 ss),
narra como, tendo Moisés e Arão feito prodígios diante
do Faraó (transformação de uma vara em serpente e as
águas do rio em sangue) os magos do Faraó, pela ação do
demônio fizeram o mesmo. O livro de Isaías (47, l2ss) e
o de Daniel (1, 20; 2, 2ss) mostram
a importância da
magia entre os babilônios. Também os gregos romanos nada
faziam de importante sem antes consultar as pitonisas e
os oráculos.
Por isso Deus
estabeleceu a mais severa das punições para quem
recorresse a mágicos e advinhos, ou invocasse os
espíritos: a pena de morte (Ex 22, 18; Lev 20,27;
19,26-31; 20,6; Deut 18, 9-14).
Mesmo aio depois da
Redenção tais práticas, infelizmente, não cessaram (cf.
At 13, 6-10; 16, 16-18). Aliás o próprio Divino Mestre
havia predito que se levantariam falsos profetas, os
quais fariam prodígios e milagres que enganariam até os
bons (Mt 24, 24).
Nos primeiros tempos
do Cristianismo os Padres da Igreja combateram muito a
feitiçaria; e na Idade Média, os grandes Doutores - como
João de Salisbury (1120-1180), São Tomás de Aquino
(1225-1274) e São Boaventura (1221-1274), entre outros,
continuaram o mesmo combate, estudando a fundo a
feitiçaria.
A época, entretanto,
em que o problema se tornou mais vivo, foi o começo dos
Tempos Modernos, em virtude da enorme decadência
religiosa que se seguiu ao declinar da Idade Média, com
a explosão de orgulho e sensualidade do Renascimento e,
finalmente, a crise de revolta contra a Igreja, que deu
no Protestantismo.
De fato, sobretudo
nos séculos XV ao XVII, inúmeros Papas e Concílios
provinciais promulgaram documentos alertando contra a
prática da feitiçaria.
É nessa época que
surge um dos documentos mais autorizados sobre a ação de
bruxos e feiticeiras, a bula Summis desiderantes,
do Papa Inocêncio VIII (1484-1492).
Documentos pontifícios contra a
feitiçaria
A bula de Inocêncio
VIII
A bula Summis desiderantes, de 6 de dezembro de
1484, descreve a perversa ação dos feiticeiros em certas
regiões da Alemanha.
O Papa começa manifestando o seu
sumo desejo de que
“toda depravação herética seja
varrida de todas as fronteiras e de todos os recantos
dos fiéis”.
A feitiçaria é aí
tratada como depravação herética. E a razão é
porque, em geral, as pessoas que se entregam à
feitiçaria acabam por ter urna concepção herética
a respeito do demônio, atribuindo-lhe qualidades
divinas, ou substituindo-o ao próprio Deus.
A bula passa então à
descrição das muitas práticas de feitiçaria, tal como
constava ocorrer na Alemanha:
“Chegou-nos
recentemente aos ouvidos, não sem que nos afligíssemos
na mais profunda amargura, que em certas regras da
Alemanha ... muitas pessoas de ambos os sexos,
negligenciando a própria salvação e desgarrando-se da Fé
Católica, entregaram-se a demônios incubos e
súcubos (Íncubo
é a forma masculina e súcubo a forma feminina
tomada pelo espírito das trevas para manter relações com
feiticeiros de um e outro sexo.) e pelos seus
encantamentos, pelos seus malefícios e pelas suas
conjurações, e por outros encantos e feitiços
amaldiçoados e por outras também amaldiçoadas
monstruosidades e ofensas horríveis, têm assassinado
crianças ainda no útero materno, além de novilhos, e
têm arruinado os produtos da terra, as uvas da vinha, os
frutos das árvores, e mais ainda: têm destruído homens,
mulheres, bestas de carga, rebanhos, animais de outras
espécies, parreirais, pomares, prados, pastos, trigo e
muitos outros cereais; estas pessoas miseráveis ainda
afligem e atormentam homens e mulheres, animais de
carga, rebanhos inteiros e muitos outros animais com
dores terríveis e lastimáveis e com doenças atrozes,
quer internas, quer externas; e impedem os homens de
realizarem o ato sexual e as mulheres de conceberem, de
tal forma que os maridos não vêm a conhecer as esposas e
as esposas não vêm a conhecer os maridos; porém, acima
de tudo isso, renunciam de forma blasfema à Fé que lhes
pertence pelo Sacramento do Batismo, e por instigação do
Inimigo da Humanidade, não se excusam de cometer e de
perpetrar as mais sórdidas abominações e os excessos
mais asquerosos para o mortal perigo de suas próprias
almas, pelo que ultrajam a Majestade Divina e são causa
de escândalo e de perigo para muitos”. (In H. KRAMER-J.
5PRENGER, O Martelo das feiticeiras, pp. 43-46.)
Em seguida, o Papa
se refere aos dois inquisidores que nomeou para essa
região, professores de teologia e membros da Ordem dos
Dominicanos, os Padres Henrique Kramer (também conhecido
pelo seu sobrenome latinizado, Institoris) e Jacó
Sprenger, aos quais pede todo o apoio para que “as
abominações e atrocidades em questão não permaneçam sem
punição”. Sendo necessário, recomenda a busca do
auxílio do braço secular, isto é, das autoridades
civis.
Têm-se comentado que
esta bula não tem valor doutrinário, mas apenas de
constatação de fatos. Mas é significativo que tanto ela
como as demais bulas de outros Papas tomam com toda a
naturalidade a existência de feiticeiras e os resultados
de suas artes mágicas.
Outros documentos
Em 1500, o Papa
Alexandre VI escreveu ao Prior de Klosterneubourg e ao
inquisitor Kramer para se informar dos progressos da
feitiçaria na Boémia e Morávia.
Alguns anos mais
tarde, o Papa Júlio II ordenava ao inquisitor de Cremona
que tomasse medidas contra aqueles que abusavam da
Eucaristia num sentido maléfico ou que adoravam o diabo.
O Papa Leão X, pela
Bula Honestis petentium votis, de 1521, elevava
um protesto contra a atitude do Senado veneziano, que se
opunha à ação dos inquisitores de Brescia e de Bérgamo
contra os feiticeiros. O Papa fazia ameaças de
excomunhão e de interdito.
Pouco depois,
Adriano VI adotava atitude semelhante com a Bula Dudum
uti nobis, dirigida ao inquisitor de Cremona. Seu
sucessor Clemente VII escreveu no mesmo sentido ao
governador de Bolonha.
É verdade que Urbano
VIII (1623-1644), chamou a atenção dos juízes para que
não se deixassem levar por uma repressão inconsiderada
em relação à feitiçaria.
(Cf. Émile BROUTTE,
La Civilisation Chrétienne du XVI siècle devant le
problème satanique, pp. 365-366.)
O número de
documentos de Concílios provinciais, sobretudo da
Alemanha, nos séculos XVI e XVII é excessivo para ser
citado aqui. Em todos eles as autoridades eclesiásticas
insistem na repressão das práticas de feitiçaria e no
julgamento dos culpados.
As leis civis
As leis civis da
época proibiam igualmente tais práticas e os magistrados
leigos instruíam os processos de feitiçaria: “Os
juristas opuseram a rigidez do Direito ao fanatismo da
superstição, a serenidade da legislação ao ódio dos
camponeses cheios de prevenção. ... Os processos se
fazem cuidadosamente, com um desejo profundo de conhecer
a verdade. Sua duração não é, com freqüência, senão um
sinal a mais do desejo de evitar todo erro judiciário
...
O feiticeiro tido
como culpado é condenado ao fogo. E a única pena que
conhece a lei. Mas essa sentença tem numerosas
suavizações". (Émile BROUTTE ,po. cit., p. 379.)
Que possa ter havido
excessos e erros judiciários, não há dúvida. Mas estamos
muito longe do quadro arbitrário pintado pelos
historiadores românticos e anticlericais do século
passado, de um fanatismo cego, fruto de uma ignorância
estúpida.
É preciso lembrar
que os magistrados dos séculos XVI e XVII eram
conhecidos pelo seu espírito de erudição verdadeira
universal, abarcando quase todos os campos do saber, e
sua independência de julgamento.
As campanhas
desencadeadas contra a bruxaria no começo dos tempos
modernos, em uma época de grande tensão religiosa, que
culminou com a explosão protestante, não foram
privilégio das regiões católicas, mas, se deram — e até
com mais intensidade - nos países que passaram para a
heresia.
Porém, mais do que o
problema histórico, sempre difícil de precisar, o que
importa aqui é a questão de doutrina: a possibilidade,
segundo a teologia católica, da existência de
feiticeiras e bruxos.
Consenso dos
teólogos e moralistas católicos
A referida bula de
Inocêncio VIII deu ocasião a que dois teólogos, nomeados
inquisidores pelo Papa — os já citados Padres Henrique
Kramer e Jacó Sprenger — escrevessem um livro para
analisar, do ponto de vista teológico, a prática da
feitiçaria: Malleus Malleficarum — O Martelo
das Feiticeiras, continuamente traduzido e publicado
nas várias línguas do Ocidente. (Heinrich KRAMER e James
SPRENGER, O Martelo das Feiticeiras Malleus
Maleficarum, tradução de Paulo Fróes, Editora Rosa
dos Tempos, Rio de Janeiro, 2° edição,1991.
Cf. J. Paquier,
Inocent VIII, DTC, VII, 2ême partie, cols.
2002-2005.)
Numa argumentação
escolástica, eles recorrem aos grandes Doutores da
Igreja — em especial a Santo Agostinho e São Tomás de
Aquino — para mostrar como Deus pode permitir ao demônio
que atenda às solicitações de homens e mulheres pérfidos
que recorram à sua ajuda; que os fatos extraordinários,
atribuídos em geral aos bruxos e feiticeiras, não estão
acima da capacidade angélica do demônio sobre a matéria.
A existência de
bruxos e feiticeiras tem sido aceita pacificamente por
todos moralistas católicos. Ademais de todas as provas
que se podem tirar das Sagradas Escrituras e do
Magistério da Igreja, a prática da bruxaria é confirmada
“pela opinião de todos os teólogos, cuja unanimidade
traz uma certeza absoluta em matéria de doutrina. Ora,
não existe um manual de teologia moral que não fale da
magia e da feitiçaria como tendo sempre existido e
existindo ainda”. ("L´Ami du clergé”, Le demonisme,
n°44 (1902) p. 978.)
Magia - Espiritismo - Macumba
"Não se ache entre vós ...
quem seja
encantador. nem
quem consulte os
pitões ou advinhos,
ou indague dos
mortos a verdade.
Porque o Senhor
abomina
todas estas coisas,
e, por tais maldades
exterminará estes
povos".
(Deu 9,10-12)
Magia
A Magia geralmente é
definida como a arte de operar prodígios por meios
ocultos. Aqui não nos referimos às artes dos
prestigiadores, impropriamente chamada de magia,
nem a outros tipos de magia natural, que
não são outra coisa que a arte de operar prodígios e
coisas insólitas por meios naturais; ocupamo-nos só da
magia propriamente dita, magia
supersticiosa, ou simplesmente feitiçaria que se
define como a arte de operar
prodígios por obra do demônio.
Desde que se trate
de magia propriamente dita, isto é, de prodígios
alcançados com o auxílio do demônio, não vem muito ao
caso que se trate da chamada magia branca (que
obteria vantagens, sem prejudicar terceiros), ou a
chamada magia negra, que operaria o mal contra
terceiros. Pois, todo o recurso ao Maligno é condenável
em si mesmo, não importando os efeitos que se quer
alcançar.
Como nas outras
formas de superstição, também a magia pode dar-se por
invocação explícita ou implícita do
demônio.
A magia à qual se
recorre para prejudicar outros chama-se malefício
(encantamento, feitiço), que podemos definir como a arte
de prejudicar outros por obra do demônio. Os Autores
costumam distinguir dois tipos de malefícios:
amatório (filtros de amor) - se a ação do demônio
excita em alguém veementíssimo sentimento de amor ou de
ódio em relação a determinada pessoa; e venéfico
(envenamento) — se provocar dano em pessoas ou em
seus bens.
Não se pode negar
que o demônio, seja por si mesmo, seja por meio dos
homens maus — desde que Deus assim o permita — pode
prejudicar, por vários modos, o corpo ou os bens de
certas pessoas visadas. Deus, em seus insondáveis
desígnios, é certo que assim algumas vezes o permite,
como testemunha o exemplo de Jó (cf. Jó 1, 12, Ex 22,
18). Embora não se deva crer facilmente na existência de
maleficio, seria entretanto imprudente negá-lo sempre.
Convém ressaltar entretanto que o malefício amatório
não elimina a liberdade, e a ação demoníaca pode ser
resistida com a ajuda da graça divina; mas quando se
cede a ele, o pecado cometido será mais grave ou menos
em razão da deliberação e do grau de liberdade.
O malefício contém
dupla malícia, uma contra a religião, outra contra a
caridade e a justiça, uma vez que prejudica o próximo.
Constitui um pecado
gravíssimo, contra a virtude da religião, que nos
prescreve prestar culto somente a Deus, e só a Ele
recorrer e nunca ao poder das trevas — ‘Adorarás ao
Senhor teu Deus, e só a êle servirás‘ (Lc 4, 8).
O malefício
(também conhecido em nosso país por despacho,
trabalho, feitiço, etc.) é uma das causas muito
comuns da ação extraordinária do demônio sobre pessoas
(infestação e possessão).
Espiritismo
Uma das formas de
superstição mais difundida em nossos dias, e que coloca
as pessoas em risco de se pôr em contacto com o demônio
são as práticas espíritas.
Superstição
herética, contrária à fé
Trata-se de superstição, porque as almas dos que
morreram estão sob a especial tutela de Deus, não
podendo entrar em comunicação com os vivos a não ser por
uma permissão especial concedida por Ele.*
*Os
teólogos
discutem se Deus permite que a alma de um defunto entre
em contato direto com um vivo, ou se, nos casos de
aparições, se trata de um anjo (ou, conforme o caso, um
demônio) que representa aquela alma.
Ora, os espíritas
querem utilizar meios puramente naturais - como a
ação de outros homens, os médiuns - para obter
que essas almas apareçam ou se manifestem. Há então aqui
uma desproporção entre os meios empregados, meios
naturais, e uma ação sobrenatural, como é a
aparição ou manifestação das almas dos defuntos.(Esse
efeito é sobrenatural porque está acima da natureza
humana fazer com que as almas dos defuntos se manifestem
ou não aos vivos, o que depende exclusivamente de Deus.)
Ensinam os
moralistas que a única relação que deve haver entre as
almas dos defuntos e nós é uma relação espiritual,
baseada na recordação e na oração.(Cf. Mons. Antonio
LANZA - Mons. Pietro PALAZZINI, Princípios de
Teologia Moral, p. 129.) Deus não pode consentir em
nossos caprichos, curiosidades mórbidas e fantasias; não
pode, portanto, permitir que as almas, que só a Ele
estão submetidas, se manifestarem quando evocadas para
satisfazer a nossos desejos de temerária presunção de
penetrar nos mistérios do Além. Por isso, dizem os
mesmos moralistas, se é verdade que às vezes essas
evocações às almas do outro mundo recebe resposta, tais
respostas não podem senão do Maligno. (O Cardeal
Lepicier explica como o demônio pode formar um boneco,
com elementos da natureza ou mesmo de outros homens, e
fazê-los aparecer sob a figura da pessoa falecida, cujo
espírito é evocado para que se manifeste na sessão
espírita.
“Assim escreve ele , considerando que um anjo tem
inteiro conhecimento das feições e de outras qualidades
de cada individuo, vivo ou morto, facilmente se pode
conceber que ele seja capaz, pelo seu próprio poder, de
reproduzir a forma, feições, altura,cor e vestuário de
certo individuo que nós possamos conhecer, a ponto de
que aqueles que mais intimo trato tiveram com esse
indivíduo sejam iludidos, julgando tratar-se da própria
pessoa” (Cardeal A. LEPICIER, O Mundo Invisível,
pp. 76-77).)
A Igreja repetiu com
insistência ser pecado de heresia o querer
aplicar meios puramente naturais com o fim de obter
efeitos não-naturais, preternaturais. Portanto, o
Espiritismo, em sua pretensão de querer chamar ou evocar
espíritos do Além, é herético além de impossível. Essa
superstição é condenada não apenas como ilícita ou
contrária à moral cristã, mas também como herética e
contrária à fé.
Atuação do demônio
no Espiritismo
"Os vivos, do lado
de cá”, comenta Dom Boaventura Klopenburg "não dispõem
de meios eficientes que possam causar a
manifestações de espíritos do lado de lá, isto é, do
mundo para além da natureza humana ou para além da
morte. Do lado de lá, porém, existem espíritos
malignos que teriam muito interesse em perturbar ,
transtornar e perverter os do lado de cá. Não o podem
fazer à vontade, porque sua liberdade é limitada pela
permissão divina, e Deus não o permite facilmente”.
Espiritismo faculta
ao demônio o ambiente mais propício para que o espírito
satânico possa se manifestar: “Todas as disposições
objetivas e subjetivas aí estão. Nada, absolutamente
nada falta para que o demônio se sinta á vontade e em
casa própria. Dir-se-ia que o centro espírita e
principalmente o terreiro de Umbanda é o domicílio de
Satanás, como o templo cristão é a casa do Senhor”,
conclui o mesmo prelado. (Frei Boaventura KLOPPENBUJRG
O.F.M., Atuação do Demônio no Espiritismo, pp.
113-122.)
Não há, pois, dúvida
de que as práticas supersticiosas espíritas o homem sob
a influência de Satanás e podem conduzir até
possessão. “O demônio — observa o Cardeal Alexis
Lepiquando um homem colabora com ele em práticas
supersticioimente exerce sobre esse indivíduo a mais
ornei e implacável E chama a atenção pan as práticas
espíritas: “Não pode balda de que atuar como médium é o
mesmo que expor-se aos da obsessão diabólica ...
Recorrer a um médium é, pois, equia cooperar na obsessão
de uma pessoa” (Cardeal A. LEPICIER, O Mundo
invisível, pp. 287, 222-223.)
Por isso o próprio
Deus, no Antigo Testamento, condenou a indos mortos:
“Não se ache entre vós ... quem consulte pitonisas
adivinhos, ou indague dos mortos a verdade. Porque o
Senhor abomina todas estas coisas e por tais maldades
exterminará estes povos à tua entrada” (Deut 18 ,
10-12).
Tudo isto mostra o perigo extremo
em que se colocam aqueles que recorrem a
práticas espíritas.
Macumba, Candomblé, Umbanda...
Juntamente com o espiritismo, a
macumba, o candomblé, a umbanda, estão
amplamente difundidas no Brasil; nelas é freqüente o
recurso ao demônio, sob nomes africanos de supostas
entidades espirituais.
A macumba, o
candomblé e a umbanda são diferentes
formas de sincretismo de ritos e crenças pagãs africanas
com elementos externos do Cristianismo (imagens,
invocações), do espiritismo reencarnacionista e de
cultos indígenas brasileiros. Essas formas superticiosas
de religião baseiam-se em princípios dualistas:
elas admitem a existência de entidades boas
e entidades más igualmente poderosas;
acreditam que estas últimas, embora inimigas do homem,
devem entretanto ser cultuadas, para evitar que se
vinguem, fazendo o mal. Daí deriva o mais completo
amoralismo, pela negação da distinção entre o bem e
o mal, fundamento de toda a moralidade.*
*A
antropólogo Vagner Gonçalves da Silva, que apresentou
uma tese na Universidade de São Paulo sobre o
Candomblé discorrendo sobre as religiões
afro-brasileiras, afirma: “Nessas religiões não existe o
conceito de bem e de mal e por isso são
mal-compreendidas” (“Folha de S. Paulo”, 29-7-92).
Infelizmente, o
número de pessoas — mesmo católicas — que recorrem a
trabalhos, despachos (ou seja sacrifícios
oferecidos ao demônio sob a invocação de divindades
pagãs) para solucionar seus problemas, satisfazer suas
paixões ou ambições, e mesmo prejudicar outros, é cada
vez maior. E isso em todas as classes sociais; por
exemplo, nos últimos anos, por ocasião das eleições para
preenchimento de cargos políticos em todos os níveis,
grande número de candidatos recorreu publicamente a
pais-de-santo, médiuns videntes, etc.,
conforme noticiou a imprensa.
Exú,
entidade à qual se oferecem os sacrifícios nesses
cultos, não é outro senão o próprio demônio conforme
demonstra Dom Boaventura Kloppenburg, citando livros
umbandistas: “Toda e qualquer reunião de Umbanda inicia
com um presente oferecido ao Exu ‘agente mágico
universal, por cujo intermédio o mundo dos vivos se
comunica com o mundo espiritual, em seus diversos
planos’ (Doutrina e Ritual de Umbanda, Rio, 1951,
p. 117).... E não se diga que o culto de Exu é
exclusivo da Quimbanda, da Macumba, do Candomblé ou do
Batuque.” E faz descrição do livro O Espiritismo e a
Lei de Umbanda, de A. Fontenelle, sacerdote
de umbanda, o qual afirma: “Na Umbanda os Exus são
constantemente invocados e trabalho algum é
começado sem que sejam salvadas (isto é reverencidas)
essa entidades” (p. 12).
Prossegue o bispo de
Nova Hamburgo: “O Sr. Aluísio Fontenelle ... e outros
doutrinadores de Umbanda, identifica sem mais os exus
com o que nós católicos denominamos demônios (p.
93, 103-116) onde descreve a história da revolta dos
anjos, chefiadas por Lúcifer: estes anjos
revoltados são os exus”).*
*Frei
Boaventura KLOPPENBURG, A Demonolatria nos Terreiros
de Umbanda, pp. 139-I40.
Até mesmo um dicionário corrente da língua portuguesa, o
chamado Dicionário Aurélio, assim define: “Exú
(Do ioruba) S.m. 1. Bras. Orixá que representa as
potências contrárias ao homem, e assimilado pelos
afro-baianos ao Demônio dos católicos, porém
cultuados por eles, porque o temem; 2. Bras. NE. v.
Diabo.”
As pessoas que se
envolvem com as práticas de macumba, candomblé e umbanda
podem estar certas de que é ao próprio demônio a quem
estão recorrendo, sob nomes exóticos. E não poderia ser
de outro modo, visto que os únicos seres inteligentes
que existem no Universo são — além do próprio Deus,
obviamente — os anjos, os demônios (que são anjos
decaídos) e o homem. Se o homem recorre a outros seres
inteligentes superiores a ele e que não são nem Deus nem
os anjos, só pode estar recorrendo aos demônios.
Outras práticas
supersticiosas
Outras práticas supersticiosas
também muito correntes em nossa pátria são: a
adivinhação, a astrologia, a quiromancia,
o uso de amuletos e as
simpatias.
Adivinhação,
Astrologia, Quiromancia
Pela adivinhação
procuram-se conhecer as coisas ocultas, que por
meios naturais não se poderiam saber, tanto atuais
quanto passadas ou futuras. O característico da
adivinhação é o querer chegar ao conhecimento de
algo, não por um esforço racional, mas pelo emprego de
um artifício, de um meio extraordinário
não bem explicado. Em última análise, pela ajuda de
forças extrínsecas e superiores ao homem. Essas
forças, como é lógico, só poderiam provir de Deus e
dos anjos; ou, por permissão divina, dos demônios. Como
isto equivale a querer obrigar a Deus a satisfazer a
curiosidade ou o capricho do homem, é certo que Ele não
atende a tais pedidos, nem diretamente, nem por meio dos
anjos. Logo, essas forças sobre-humanas só podem provir
do demônio.: “A essência da adivinhação consiste no
comércio com os demônios” — ensinam os teólogos jesuítas
Noldin e Schmitt. (H. NOLDIN S.J. - A. SCHMITT S.J. - G.
HEINZEL S.J., Summa Theologiae Moralis, II, pp. 138-155
(Quest. terceira: Pecados contra a religião ).
Neste capitulo seguimos de perto estes respeitados
teólogos-moralistas cuja obra goza de merecido prestigio
entre os especialistas.)
A adivinhação pode
ser realizada com a invocação expressa dos demônios (pacto
explícito) ou pela invocação implícita ou tática (pacto
implícito).
A expressa invocação ocorre
quando se invoca diretamente o demônio ou se faz com ele
um pacto formal mediante o qual, postos certos sinais,
se produzirão certos efeitos; para que se estabeleça
este pacto divinatório, não é necessário que o
demônio de fato responda, mas basta que seus efeitos se
sigam. Ou seja, que se chegue ao conhecimento daquilo
que se pretende
adivinhar.
Entende-se que
ocorreu invocação implícita ao demônio quando
alguém, para conhecer algo, usa de meios ineptos para
essa finalidade, os quais — como ficou acima explicado —
nem pela natureza, nem por instituição divina ou
eclesiástica têm a força d produzir os efeitos
desejados.( ‘As Gnoses modernas que seguem teósofos e
antropósofos e as técnicas de meditação e concentração
induístas (Ioga, budismo) que buscam conhecer coisas
superiores à natureza humana não estão isentas de
influxo demoníaco, especialmente quando diretamente
buscadas" ( NOLDIN-SCHMITT-HEINZEL, loc,. cit).)
Bem entendido, os
demônios não têm poder de conhecer o futuro propriamente
dito — o chamado futuro contingente ou
futuro livre, isto é, os fatos cuja ocorrência
depende da vontade de Deus e do livre arbítrio dos
homens. Estes, nem os anjos do céu o conhecem (cf. Mc
13, 32). Mas, sendo seres superiormente inteligentes
podem deduzir qual será o desfecho de acontecimentos
causas, uma vez postas, chegarão a seu termo de
determinado modo: é o chamado futuro necessário.
Ele prevê este futuro do modo que um
cientista que conhece as leis da sua ciência - as quais
são como que mistérios para o comum dos homens, e
mesmo para homens instruídos, porém não especialistas
naquelas matérias — e sabe o que ocorrerá de acordo com
essas leis. Assim, lançada urna semente à terra, ela
cumprirá seu ciclo germinativo em determinadas condições
e, se não houver fatores adversos, produzirá
necessariamente a planta correspondente, no tempo certo;
o mesmo quanto ao desenvolvimento de certas doenças,
etc.
Sempre,
naturalmente, Deus pode intervir para frustrar os
cálculos do demônio, mas normalmente Ele permite que as
causas naturais produzam seus resultados. Daí o acerto
das previsões do demônio.
Sem falar que o Pai
da mentira pode anunciar um fato extraordinário que ele
mesmo vai produzir e que por isso prevê com tanta
segurança...
Porém, aquilo que
depende da vontade de Deus ou da liberdade dos homens
escapa inteiramente de suas capacidades de previsão.
Toda forma de
adivinhação constitui uma superstição e uma
invocação ao menos implícita ao demônio; por isso sua
utilização é mesma ilícita; em outro termos,
constitui — segundo a Moral católica — um pecado, de si
grave.”*
*"Aqueles
que consultam adivinhos ou ciganos, pecam gravemente se
o fazem com firme fè ou com escândalo de outros,
venialmente se apenas por curiosidade.” (NOLDIN-SCHMITTl-HEINZEL,
loc. cit.).
A astrologia,
através do horóscopo, pretende deduzir da
conjunção dos astros, no momento do nascimento de
determinada pessoa, seu destino e seu comportamento. Não
há proporção entre as causas invocadas (a
conjunção dos astros), e os efeitos que se quer
obter, ou seja a predição de fatos relativos a uma
pessoa que dependem da vontade livre e da providência
divina.
O mesmo deve-se
pensar da quiromancia — adivinhação pelo exame
das linhas da palma das mãos — como de qualquer outro
tipo de práticas divinatórias: cartomancia, tarô,
búzios, etc.
Amuletos, mascotes,
simpatias
Amuletos
são pequenos objetos que alguém traz consigo ou guarda,
por acreditar em seu poder mágico de dar sorte ou
proteger contra perigos: figas, trevos, pés de
coelho, ferraduras, etc.; mascotes são
animais aos quais se atribui o mesmo poder:
cachorrinhos, gatinhos, etc.; simpatias são
certas práticas supersticiosas,* ou objetos usados
supersticiosamente, para proteger o homem de doenças ou
para curá-las.
*São
Francisco de Sales, bispo de Genebra, diz em suas
Constituições e Instruções sinodais, que “há superstição
todas as vezes que se põe toda a eficácia nas palavras,
por santas que sejam, ou em qualquer circunstância vã e
inútil, como crer que, para curar um doente, seja
preciso dizer três Padre Nossos antes de o sol se
levantar (cf. L. ROU RE, Superstition, cols.
1563-1569).
Como nos casos
anteriores, não se pode esperar séria e racionalmente
que esses objetos, esses animais ou essas práticas
possam impedir males, curar doenças ou dar sorte
na vida. Se se der um crédito real a essa pretensa ação
protetora dos amuletos e mascotes e à eficácia das
simpatias (não por mera brincadeira, por sinal
perigosa, pois o demônio pode infiltrar-se nela) teremos
mais um caso de invocação implícita ao demônio.
“Corpo fechado”
Outra prática
supersticiosa consiste no recurso a feiticeiros (ou
pais-de-santo) para obter aquilo que se chama
corpo fechado, isto é, a invulnerabilidade a
agressões com armas brancas ou armas de fogo.
Essas pessoas, mesmo
que não tenham inteira consciência disso, estão
recorrendo ao demônio, de forma pelo menos implícita,
conforme já ficou explicado. E o demônio pode atendê-las
(se Deus o permitir para castigo dessas mesmas pessoas),
desviando os golpes e tiros ou impedindo seu efeito.
À maneira de
ilustração, transcrevemos a consulta feita por um
missionário francês no Oriente, no começo deste século,
a "L´- Ami du Clergé” — conceituada revista eclesiástica
— e a respectiva:
"O que os Srs.
pensam do seguinte fato, do qual fui testemunhar
ocular?"
"Um pagão desferia
golpes de sabre sobre um de seus correligionários. O
sangue deveria brotar em abundância; ora, o pagão assim
golpeado tinha apenas algumas manchas negras sobre o
corpo, a lâmina do sabre não conseguia penetrar na
carne."
"Os pagãos presentes
atribuíram isto aos numerosos amuletos levados por
aquele que recebeu os golpes."
"O demônio teria, em
certos casos, recebido permissão de proteger seus
adeptos neste mundo, com a condição de torturá-los no
outro?"
A revista, depois de
dizer que é difícil se pronunciar sobre o caso concreto,
assim à distância, dá entretanto a solução em
doutrina:
"O fato em questão,
por mais extraordinário que seja, não nos espanta, e nós
seríamos levados a crer que ele vem do demônio, porque
não ultrapassa de modo algum seu poder. A História nos
mostra que o demônio conservou, sem dúvida com a
permissão de Deus, nas nações ainda pagãs, o poder que
ele tinha outrora no mundo idólatra; em conseqüência,
ele teria, em certos casos, poder e permissão de
proteger seus adeptos, que lhes são fiéis, e também de
punir aqueles que se deram a ele, quando eles
desobedecem a seu senhor. Como o homem é composto de um
corpo e de uma alma, Deus se serve de Sacramentos e de
sinais exteriores para lhe dar sua graça e o proteger:
do mesmo modo o demônio, que por orgulho e por ódio e
vingança quer imitar ou ao menos macaquear
os sinais
exteriores, usa de amuletos, etc. para chegar aos
seus fins” . ( “L’Ami du Clergê”,n° 35 (1902), p. 763.)
O uso de cruzes e
medalhas
Caso muito diferente
é o uso de cruzes, medalhas, escapulários e outros
objetos bentos, assim como a prática de exercícios
piedosos, como novenas, etc.
Aqui não se está
atribuindo a esses objetos e práticas uma eficácia que
eles de si não têm, nem se pretende atrair o divino por
meio de procedimento meramente natural. Trata-se de
confiança nas orações da Igreja, que benzeu esses
objetos e aprovou essas práticas, como também na
proteção de Nossa Senhora ou do Santo cuja medalha se
usa e cuja novena se faz, em sinal de devoção.
Não se atribui ao
uso desses objetos nem a essas práticas um valor
infalível e imediato, mas apenas se deposita neles uma
confiança razoável, que a fé em Deus e na Igreja
permite, relacionando tudo com a salvação eterna, que é
o que mais importa.
“Será que o
malefício pega?”
Os meios preventivos
contra o malefício são os mesmos antes indicados em
relação à tentação, à infestação e à possessão: vida
sacramental, vida de piedade, uso de objetos bentos,
etc.
Uma vez produzidos
os efeitos do malefício, é preciso aumentar as orações,
sacrifícios e pode ser que seja necessário, em certos
casos, recorrer aos exorcismos.
Frei Severino Gisder
O.F.M. indica o estado de espírito que devemos ter
diante das maldições e dos malefícios:
“Não se tenha medo da maldição
injustificada ou gratuita. Ela não atinge sua meta!
Pelo contrário, não raras vezes tal maldição recai sobre
quem a proferiu. Leia o Salmo 9, 16: “Pereceram no
fosso que eles mesmos abriram, e na armadilha que
armaram prenderam os próprios pés. “ Ou veja o Salmo
7, 15-17:
“Eis que o (ímpio)
concebeu iniqüidade
e está cheio de malícia e dá a luz à fraude. Abriu e
cavou urna cova, e caiu na própria cova que fez. Sobre
sua própria cabeça recairá a sua maldade, e sobre a sua
fronte voltará a sua violência.”
"Os assim chamados
despachos da macumba incluem, via de regra, uma
maldição em termos de querer fazer mal a alguém. Tais
despachos ou feitiços de bruxaria, será que podem fazer
mal ou prejudicar? Deles vale o que dissemos da maldição
gratuita: Procura viver na graça santificante, isto é,
na intimidade de Deus e nada sofrerás. Quem não deve,
não teme”. (Fr. S.GISDER O.F.M., Bênção e Maldição,
pp. 10-11.)
Se a regra geral é
esta apontada pelo piedoso franciscano — que a maldição
ou o malefício não atingem a pessoa em estado de graça —
no entanto, muitas vezes Deus permite que a pessoa
virtuosa seja atingida por tais práticas maléficas para
sua provação. Aí é o caso de recorrermos às bênçãos e
aos exorcismos: “A maldição pode ser neutralizada ou
desfeita pela bênção!” — explica Frei Severino.
Sabás e Missas negras
“Que o seu sangue caia sobre nós
e sobre nossos filhos".
(Mt 27,25)
Sabás: descrições
Pelo nome de
sabás se designavam as reuniões de magos, bruxos,
feiticeiras — bem como daqueles que queriam consagrar-se
ao demônio — sob a presidência do próprio príncipe
dos infernos.(Seguimos aqui de perto o capitulo VII
(Le demonisme dans les sabbats) da série de
artigos sobre demonismo, publicada pela
conceituada revista eclesiástica france,"L´Ami du Clergé"
(nº 45 [1902] pp. 993-997).
Não existe acordo
quanto à origem do nome sabá: uns dizem que foi
tomado do hebráico shabbath, que designava o dia
repouso dos judeus, porque o demônio gosta de macaquear
as obras de Deus; outros procuram a etimologia no grego
sabadzios, que em latim deu Bacchus -
Baco, o deus do vinho e das orgias. Os sabás
seriam então a continuação dos abomináveis e vergonhosos
mistérios do paganismo.
Muitos são os pontos
obscuros e misteriosos em torno dos sabás, que os
seus participantes (e o próprio demônio) tinham
interesse em que não fossem conhecidos.
Essas reuniões se
realizavam no meio das florestas, no alto dos montes,
numa planície ou praia deserta e outros lugares ermos
inóspitos, na noite de quarta para quinta-feira, ou de
quinta para sexta-feira ou, enfim, mais freqüentemente,
da sexta-feira para o sábado. Vigias eram colocados para
evitar que algum profano se aproximasse, mas
aconteceu algumas vezes de serem interrompidos por
pessoas vindas de fora, que faziam o sinal da cruz e
jogavam
água-benta,
produzindo-se então uma algazarra indescritível e em
poucos instantes os participantes desapareciam do mesmo
modo como tinham vindo: voando pelos ares montados em um
cabo de vassoura, ou a cavalo sobre um bode ou algum
outro animal imundos; outro a pé, mas numa velocidade
vertiginosa que ninguém podia acompanhar.
As descrições variam
um pouco quanto ao cenário onde se realizavam
essas reuniões e quanto ao cerimonial observado,
mas são concordes nas linhas gerais: no centro do local
armava-se um altar sobre o qual colocavam um ídolo (em
geral um demônio com forma humana e cabeças e pés de
bode, ou de um sapo imenso). Todos vinham prestar-lhe
homenagem, adorá-lo, beijar-lhe os pés, as mãos, e
outras partes do corpo menos honrosas; outras vezes não
era um ídolo, e sim o próprio Satanás — sob forma
visível — que se sentava em um trono sobre o altar.
Todos tinham que trazer-lhe uma oferenda. Esses atos de
culto e vassalagem eram prestados no terror e no tremor
e aqueles que assim se entregavam ao diabo sabiam que se
quisessem se subtrair à sua tirania, seriam cruelmente
castigados por ele.
Havia nos sabás
prazeres destinados a satisfazer os mais baixos
instintos — especialmente a gula e a sensualidade — por
meio de banquetes, orgias, danças e luxúria.
Np banquete eram
servidos pratos repugnantes: carne de cavalo, de
cachorro, de gato e, às vezes, até carne humana,
sobretudo de crianças ainda não batizadas, cujos sangue
era chupado ou bebido.
As danças começavam
ao som de músicas dissonantes, barulhentas, agitadas,
arrancadas de instrumentos bizarros (um pedaço de pau
qualquer, uma queixada de cavalo, ossos humanos ou de
animal, etc), que imitavam flautas agudas, tambores
ensurdecedores, guitarras estridentes, aos quais se
juntavam as vozes roucas ou penetrantes dos demônios e
dos bruxos e bruxas, tudo num ritmo frenético,
alucinante. Quanto mais a música era discordante, mais
as danças se tomavam voluptuosas, fazendo girar os
dançarmos num turbilhão incontrolável, como nas danças
giratórias sagradas dos dervixes turcos. Muitos estavam
completamente nus e outros sumariamente vestidos. Em
suma, tudo se assemelhava a um moderno show de Rock’
n ‘Roll, em especial de Hard Rock.
Seguiam-se as mais
asquerosas práticas de depravação sexual, de bruxos e
bruxas entre si, em ligações hetero ou homossexuais, e
também com animais e com os próprios demônios, que para
tal assumiam formas humanas.
Essa explosão da luxúria era
acompanhada de uma explosão inaudita de impiedade, com a
paródia mais sacrílega das práticas e devoções cristãs.
Em lugar da água-benta, aspergia-se os assistentes com
urina;* crianças não recebiam o batizadas satânico,
sendo-lhes imposto, sendo-lhes imposto um nome
luciferino e dados padrinhos que garantissem sua
educação no mal e sua fidelidade ao demônio; se já eram
batizadas, o demônio procurava raspar com suas garras o
caráter do Batismo e as rebatizava. Faziam-nas
jurar fidelidade ao demônio, e renunciar a Deus, a Jesus
Cristo, à Virgem Santíssima, aos anjos e santos;
prometiam jamais se confessarem, a não ser que fosse
para o fazerem sacrilegramente, nem comungar, senão para
profanar a hóstia consagrada ou levá-la escondida
consigo para rituais satânicos; mais tarde, o iniciado
era confirmado, recebendo novos padrinhos e
prometendo trazer novos adeptos ao culto de Satanás.
*O
demônio, em seu desespero de anjo réprobo, é um ser
apalhaçado, debochado, que não recua nem diante dos
maiores prosaismos ou obscenidades, para aviltar o
homem, a quem despreza, e ofender a Deus, a quem odeia.
Os Mandamentos eram
assim recitados: “Adorarás Lúcifer como verdadeiro deus
e não amarás a ninguém senão a ele. Blasfemarás
assiduamente o nome de Jesus. Cometerás sem dificuldade
a fornicação e o adultério. Cobiçarás a mulher do
próximo e também as coisas alheias”, etc. A Saudação
angélica (Ave-Maria) era dirigida ã futura mãe do
Anticristo.
Nos sabás, o
demônio ensinava aos magos, bruxos e feiticeiras os
segredos da fabricação de beberagens para os mais
diversos efeitos mágicos: provocar a morte ou a
loucura nas pessoas, nos antimais; filtros de amor
e outros malefícios.
Freqüentemente o
sabá se encerrava com uma Missa negra, da
qual os ocuparemos adiante.
Exame doutrinário
Há discussão entre
os Autores sobre vários desses pontos.
1º Se as bruxas se
transportavam pelos ares e participavam fisicamente
desses sabás.
No que diz respeito
a se de fato as bruxas se transportavam realmente pelos
ares para essas assembléias, depois de aplicarem ao
corpo um ungüento mágico, argumentam alguns que esse
ungüento era composto de ervas alucinógenas, que
produziam nelas a sensação de estarem voando e de
praticarem o que acima ficou descrito; tudo não
passaria, nesse caso, de uma alucinação provocada por
essas substâncias.
Tanto mais, dizem
eles, que muitas bruxas confessaram ficar em dúvida
sobre se de fato tinham tido uma participação física
no sabá, ou apenas em imaginação. Muitas bruxas,
também, foram encontradas em suas camas, no momento em
que deviam estar nos sabás. Em sentido contrário,
foi verificado que outras realmente tinham desaparecido
após untarem seus corpos com o ungüento, e mesmo, um
inquisitor, prometendo a uma feiticeira o perdão, obteve
que ela voasse, em sua presença e na de diversas
testemunhas, por uma janela afora, após induzir-se com o
ungüento e invocar o demônio. Ela foi encontrada caída
em um campo léguas adiante.
Egon vou Petersdorf
(que foi ocultista, antes de sua conversão ao
Catolicismo), falando sobre os sabás, explica em seu
livro Demonologia que a finalidade para a qual as
bruxas utilizavam os unguentos e poções alucinógenas era
justamente essa de facilitar, por meio do transe
alucinatório, um contacto mais rápido com o demônio.*
Com efeito, o
alucinógeno perturba o funcionamento da inteligência e
da vontade, potências que garantem a liberdade interior
do homem e assim oferecem uma barreira a ação do
Maligno. Por isso, o uso de alucinógenos é muito comum
em meios ocultistas, para facilitar o contacto com o
demônio. E aqui fica uma pista muito curiosa sobre um
aspecto pouco divulgado do consumo e tráfico de drogas,
mas que revela a que profundidades conduzem, ou seja,
sua ligação com o satanismo. (No próximo capítulo
veremos uma noticia ligando diretamente o tráfico de
drogas ao satanismo a propósito de crimes rituais na
cidade de Matamoros, no México.)
*Cf.
E. von PETERSDORF, Demonologia, p. 143.
Do ponto de vista
teológico, nada impede que o demônio transporte bruxos e
feiticeiras pelos ares até o local da infame reunião.
Pois, como anjo (decaído, é verdade, mas que não perdeu
os poderes próprios à sua natureza), o demônio tem
capacidade para isso. E a prova está na própria
Escritura, onde se narra como o profeta Habacuc foi
levado pelos ares por um anjo, desde a Judéia até a
Babilônia, para alimentar o profeta Daniel, que tinha
sido lançado em uma cova de leões (Dan 14, 32-35); e
como o próprio Salvador deixou-se transportar pelo
demônio, do deserto onde jejuava, até Jerusalém e ser
depositado sobre o pináculo do Templo, para ser tentado
(Mt 4, 1-5).
Ademais, a opinião
de que as feiticeiras voavam corporalmente por obra do
demônio foi tida como certa durante séculos por homens
sérios e cultos para que se possa pôr em dúvida. Santo
Afonso de Ligório (1696-1787), em sua Teologia Moral,
escreve o seguinte: “Advirta-se que é opinião comum de
que há feiticeiras que com a ajuda do demônio são
transportadas corporalmente de um lugar para outro: a
opinião contrária, que defenderam Lutero, Melanchton e
alguns católicos, é muito perniciosa para a Igreja".
(Santo AFONSO, Teologia Moral, in D. NEYRAGUET,
Compendio Moral de S. Alfonso Maria de Ligorio,
p. 130.)
As duas opiniões, entretanto,
podem conciliar-se.
Os frades
dominicanos H. Kramer e J. Sprenger julgam, com base em
sua experiência de inquisidores, que umas vezes os
bruxos e feiticeiras são fisicamente transportados pelos
ares para os sabás, e outras vezes participam
deles apenas em espírito, por meio de alucinações que o
demônio provoca em sua imaginação e ação sobre seus
sentidos.(Cf. H. KRAMER - J. SPRENGER, O Martelo das
Feiticeiras, pp. 223-231. )
2º Comércio carnal
com os demônios
Segundo a
conceituada revista eclesiástica francesa “L’Ami du
Clergé" não se pode negar a possibilidade do comércio
carnal entre homens e demônios: “Digamos mesmo que é
impossível negar esse gênero de fatos, após o testemunho
tão numeroso, claro e convincente dos Santos Padres.
Baste-nos citar as palavras de Santo Agostinho: ‘Os
fatos de demônios íncubos ou súcubos são tão múltiplos
que não se poderia negá-los sem imprudência: a
autoridade de tantos personagens graves, as narrações de
fatos indiscutíveis tanto entre os povos civilizados
quanto entre os bárbaros, as confissões, enfim, de
vários milhares de pessoas devem ser tomadas em
consideração’ (De Civit. Dei, XV)”. ("L ´ Ami du Clergé”,
Le Demonisme, 1902, p. 1065.) Ainda no século
XVIII — o chamado Século das Luzes... — tal
prática é confirmada por autores sérios e doutos como
Fr. Charles-René Billuart, O.P. (1685-1757), célebre
teólogo francês, e Santo Afonso Maria de Ligório
(1696-1787),
Doutor da Igreja. (Cf. F. C.-R. BILLUART, Soturno Sancti
Tornae, V, p. 264; Santo AFONSO, Teologia Moral, in D.
NEYRAGUET, op. cit., p. 248.)
Quanto ao modo como
se pode dar esse comércio carnal com o demônio, é certo
que este, sendo puro espírito, não pode cometer atos de
luxúria. Entretanto, nada impede que ele faça bonecos
aos quais dê aparência de vida, apresentando-os ora sob
de aspecto de homem (o chamado demônio íncubo),
ora de mulher
(súbubo). para que sirvam de objeto de satisfação
da luxúria dos que ele se entregam.*
*
Um grande conhecedor
dessas matérias, o sábio Cardeal Alexis Lepicier,
explica o modo como um anjo (ou um demônio, que é anjo
decaído) procede para fabricar tais bonecos de aparência
viva: ‘Há, na natureza uma tão abundante variedade de
elementos um anjo pode, por uma hábil combinação e
condensação desses elementos, dar-lhes a forma e até a
cor dum corpo humano. De mais a mais, não está fora do
seu poder ir buscar nos animais, e até mesmo em certos
casos em pessoas vivas, esses elementos, ainda que eles
estejam distantes do lugar onde tais fenômenos se
produzem” (Cardeal A. LEPICIER, O Mundo Invisível,
pp. 76-77).
Era com um boneco
assim fabricado pelo demônio que as feiticeiras e os
bruxos praticavam o ato carnal. E uma das razões para
isso é que o demônio despreza a natureza humana e
procura aviltá-la de todos os modos.*
*
Segundo os
moralistas, o pecado daí resultante, sendo cometido com
um ser que não é da mesma espécie que o homem (pois se
trata de um mero boneco animado artificialmente pelo
demônio), é o pecado de bestialidade, análogo ao
que é cometido com animais (cf. Santo AFONSO,
Teologia Moral in NEYRAGUET, op. cit., p. 248;
BILLUART, Summa Sancti Tomae, t. V, p. 264).
São Tomás de Aquino
indaga se pode nascer prole da união uma de mulher com
um demônio.(Cf. De Potentia, q. 6, art 8; Suma
Teológico, 1, q. 51, a, 3, apud “L’Ami du Clerge",
nº 48 (1902),p. 1065, n. 1.) E responde que este, não
tendo potência divina, não pode criar, e, sendo um
espírito, não pode criar, e, sendo um espírito, não pode
engendrar. Mas, conclui que parece que ele pode gerar,
não com sêmem seu, é evidente, mas indo buscá-lo em
algum homem e infudindo-o na mulher. Dessa forma, diz o
Doutor Angélico, a criança assim concebida não é gerada
pelo demônio, mas sim por um homem, indiretamente e de
modo artificial.(As modernas experiências de fecundação
artificial (obviamente desconhecidas do Santo Doutor
medieval) mostram que sua hipótese está perfeitamente
conforme com a ciência.)
Missas negras
Durante os sabás, freqüentemente havia uma
paródia da Santa Missa, oficiada por um demônio ou por
de seus sacerdotes ou sacerdotisas; ou
então uma Missa sacrílega, celebrada por um infeliz
padre pervertido às práticas satânicas, chamada
correntemente
Missa negra.
Todas as orações e ritos eram
invertidos ou deturpados blasfemamente. No Credo,
por exemplo, dizia-se: “Creio em Lúcifer e em seu filho
Belzebú, concebido por Leviatã, o Espírito Santo”. Na
elevação da hóstia, quando um padre havia realmente
consagrado,* fazia-se
uma algazarra terrível, e
se aspergia os assistentes com o sangue de
Cristo, e todos
gritavam como os judeus na Paixão: “Que o seu sangue
caia sobre nós e sobre nossos filhos” (Mt 27, 25).
Às vezes um punhal era enfiado dentro do cálice e saía
gotejando sangue; ou então cravava-se uma hóstia na
cruz, e todos os participantes vinham transpassá-la, e
acontecia às vezes de jorrar sangue dela.
*
Quanto à validade da consagração das espécies
eucarísticas no contexto de uma Missa negra, os
teólogos discutem; alguns afirmam, outros negam que se
opere realmente a transubstanciação.
Em certas ocasiões, na Semana
Santa, crucificavam-se meninos que eram seqüestrados, ou
levados pelas próprias mães, elas mesmas feiticeiras,
cravando-lhes cravos nos pés e nas mãos, coroando-os de
espinhos e transpassando-lhes o lado. Arrancavam-lhes o
coração e outras vísceras, e com freqüência também os
membros genital, que eram utilizados para
malefícios.*
*
Um dos casos históricos mais famosos, dos tempos
modernos, envolvendo bruxaria e Missa negra, foi
o chamado Caso Voisin, no qual esteve envolvida
nada menos do que a amante do rei Luis XIV, Madame de
Montespan. Essa favorita entrou em contato com a
feiticeira Voisin e participou de uma Missa negra,
oficiada por um padre desviado, o Pe. Guibourg, com
a finalidade de assegurar a paixão adúltera do Rei. Em
depoimento ao magistrado e chefe de polícia La Reynie, a
filha da feiticeira declarou o seguinte: “O Pe. Guibourg
apresentou na missa de Madame de Montespan, por ordem de
minha mãe, um menino parecendo ter nascido antes do
termo. Ele o pós numa bacia, o degolou, derramou o
sangue no cálice, consagrou-o juntamente com a hóstia,
acabou a missa e depois tomou as entranhas do menino; no
dia seguinte, minha mãe levou tudo à Dumesnit [outra
bruxa], para ele destilar o sangue e, juntamente com a
hóstia, preparar um filtro que Madame de
Montespan levou consigo”. Esse fato terrível foi muito
bem documentado, tendo em vista a importância das
pessoas envolvidas e, a partir de 1679, durante
dezesseis meses, foi analisado pelos magistrados
franceses, redundando na condenação à morte de várias
pessoas e no afastamento de Madame de Montespan da
Corte. (Bernardette de CASTELBAJAC, Les Messes Noires
au Grand Siècle, in “Historia” Hors Série
n°35, 1974, p. 105). O sacrifício de crianças em
cerimônias demoníacas é uma das constantes das práticas
de bruxaria; hoje, continuam a ocorrer, realizadas, em
geral, no contexto da macumba, umbanda, etc., conforme
veremos mais adiante, ao narrar os fatos passados em
Guaratuba (Paraná), em 1992.
Até aqui,
referindo-nos aos sabás, utilizamos sempre o
verbo no passado. Uma pergunta, porém, se põe
inevitavelmente: uma vez que continuam a existir
bruxos e feiticeiras (embora quase não em
esses nomes), não continuarão a existir hoje também os
sabás?
Há notícias de que
sim: em vários lugares da Europa e dos Estados Unidos
têm ocorrido reuniões de feiticeiros, que se apresentam
como tais, e chamadas por eles mesmos com o nome de
sabás. Se tudo quanto ficou acima descrito se passa
nessas reuniões, não há dados para responder.
Entretanto, muitas dessas práticas inegável que se dão
em contextos de bruxaria, macumba e outros
ritos satânicos. E mesmo fora desses contextos
passam-se coisas semelhantes, conforme se verá adiante.
Sendo assim, parece
que se pode responder sem hesitar pela afirmativa:
continuam a ocorrer sabás, com todo, ou quase
todo o seu horror.
Destruição de
colheitas, impedimento da geração, doenças
Entre os poderes
atribuídos às feiticeiras está o de causarem danos
materiais e físicos aos homens e animais, ou
desencadearem os elementos da natureza por meio de artes
mágicas e demoníacas.
Ao tratarmos da
magia e do malefício, já dissemos que se Deus
o permitir (o que Ele faz com parcimônia) nada impede
que demônio, atuando sobre os elementos físicos e
atmosféricos ou fisiológicos e psicológicos do homem,
provoque efeitos como a destruição de colheitas,
impedimento da geração, doenças desconhecidas, e outros.
Isso ele opera para provocar impaciência no homem e
fazê-lo revoltar-se contra a Providência divina. O caso
de Jó é muito ilustrativo a este respeito. Outras vezes,
porém, de provoca esses fenômenos extraordinários para
atender à solicitação que recebe de feiticeiros, através
dos malefícios (também chamados despachos,
trabalhos, arranjos, feitiços).
Os historiadores
registram em diversas épocas casos pessoas de todas as
condições — Reis e nobres, simples burgueses ou
camponeses - que se viram impossibilitados de manter
relações conjugais, por efeito de malefícios. Em muitos
desses casos, pode-se supor tratar-se de fenômenos
puramente naturais (doenças desconhecidas, estados
psicológicos anômalos, etc.); em certo número de vezes
poderá ter havido ação demoníaca.
Lobisomem e outros
seres fantásticos
Tema correlato com o
que acabamos de expor é o relacionado com a realidade ou
fantasia a respeito do alegado poder das bruxas de
transformarem pessoas em animais.
Desde a Antigüidade
fala-se da possibilidade de homens serem transformados
em bichos por artes mágicas. Assim, na Odisséia. Homero
(séc. IX a.C.) conta que os companheiros de Ulisses
foram transformados em porcos pela feiticeira Circe. Já
em tempos cristãos mencionam-se casos de homens que, em
consequência de pacto com o demônio ou por efeito de
algum feitiço, transformam-se ou são transformados em
animais. Em relatos de missionários europeus na África,
no século passado e ainda neste século, e também na
selva amazônica, aparecem menções a feiticeiros pagãos
que se transformavam em animais para aterrorizar os
padres e os neo-conversos.
Essa questão é
estudada por São Tomás e outros Doutores, os quais negam
a possibilidade de o homem ser transformado em animal. E
isto por uma razão fundamental, de natureza filosófica:
a alma humana não pode unir-se a um corpo como o de um
bicho, que não é adeqüado a ela.
Os testemunhos
entretanto são numerosos e dignos de crédito para que se
possa duvidar da realidade dos fatos.
Como explicá-los,
então, à luz da filosofia e da teologia católica?
O mesmo São Tomás
assevera que o demônio pode deformar ao máximo os traços
e os membros de um homem, dando-lhe uma aparência
fantástica. Não mais do que isso. Contudo, ele pode agir
também sobre a fantasia e os sentidos, quer da própria
pessoa, quer daqueles que a vêem, de modo a que, por
ilusão, tanto ela se sente transformada em bicho, como
os demais têm a impressão de estar vendo um animal, ou
um ser fantástico, meio homem meio animal: um
lobisomem, por exemplo. (Cf. Suma Teológica,
I,q.91; 105,a. ad 1; 114,a.4 ad 2.)
Os inquisidores
Henrique Kramer e Jacó Sprenger analisam a questão e
contam o caso de um homem que julgava transformar-se em
lobo: de fato ele caía em sono profundo, e por ação do
demônio sobre sua fantasia e sua sensibilidade, julgava
que corria com os lobos, atacava e devorava crianças,
satisfazia seus instintos com as lobas, etc. Na
realidade, o demônio entrava em um lobo que fazia todos
esses estragos, de maneira a deixar vestígios daquela
alucinações.
Relatam ainda outro
caso, de uma jovem que, tendo sido enfeitiçada por uma
bruxa, era vista por todos como uma potranca, e ela
própria se via assim. Levada à presença de São Macário,
este sofria a ilusão dos demais e a via como ela era:
uma bela moça. Rezando sobre ela, o Santo fez com que
cessasse o encantamento e a jovem voltasse a se sentir e
a ser vista normalmente. (H. KRAMER - J. SPRENGER, O
Maneio das Feiticeiras, pp. 153-154.)
Às vezes o demônio
pode possuir um animal (um lobo por exemplo), e fazê-lo
realizar coisas fantásticas. Ele pode, ainda, para obter
seus desígnios perversos, formar um boneco de animal ou
ser fantástico, do mesmo modo que, como vimos, pode
fazer o boneco de um homem. ( Esta poderia ser uma
explicação para certos seres fantásticos como dragões,
mulas- sem-cabeça, sacis-pererês,
caiporas e outros tantos, assim corno fantasmas
e assom brações que, mesmo deixando de lado os
exageros e fantasias da imaginação popular exaltada, não
há dúvida de que de vez em quando se manifestam
realmente.)
Há inúmeros casos
históricos de animais misteriosos, que assolam certas
regiões dizimando o rebanho e aterrorizando as
populações, sem que jamais se conseguisse capturá-los
por meio de armadilhas, nem matá-los com armas de corte
ou de fogo: as lâminas não penetravam em seus corpos e
as balas de grosso calibre não lhes causavam o menor
dano.
Um dos casos mais
famosos foi o da besta feroz de Gévaudan (região
da França) no reinado de Luiz XV (séc. XVIII), que até
hoje intriga os historiadores; supõem alguns que se
tratasse de um lobo possesso pelo demônio.
O Satanismo moderno
“Tremei, tremei, as bruxas estão
de volta".
(Palavra de ordem de um desfile feminista)
"Dez milhões de
americanos
praticam magia negra”.
(B. Wenisch,
Satanismo)
Vazio e frustração levam ao satanismo
Parece inacreditável
que o homem moderno seja capaz de fazer pactos com o
demônio. Dir-se-ia que ele considera tudo isso como
histórias de épocas de trevas, nas quais a ignorância e
o atraso teriam levado alguns à ilusão de terem
estabelecido um comércio com seres supostamente
superiores aos homens e a procurar deles aquilo que a
ciência do tempo não lhes permitia alcançar por outros
meios. Do mesmo modo, aliás, como outros se voltavam
para Deus, para a Virgem, os anjos e os santos do céu.
Uns e outros se auto-sugestionariam e acreditariam ter
obtido o que almejavam, por concessão de seres ou forças
sobrenaturais.
Mas o homem atual,
homem quase já do terceiro milênio, não teria
necessidade nem de uma coisa nem de outra:
bastar-lhe-iam a ciência e a técnica, as quais, somadas
ao seu trabalho, garantir-lhe-iam os elementos para a
completa felicidade nesta terra: máquinas e aparelhos
para lhe reduzirem os esforços; remédios e tratamentos
para conservarem a saúde para o trabalho, e a
disposição, para o prazer.
Essa concepção
materialista (e ingenuamente otimista) contrasta com os
fatos que se passam diariamente sob os olhos até do
observador menos atento: ai estão nas páginas dos
jornais e nos noticiários da televisão, as notícias de
crimes hediondos, praticados fim de conseguir de
forças extra-naturais uma vantagem para si próprio,
ou para terceiros, ou um mal para algum inimigo.
Na realidade, ao
mesmo tempo em que a ciência e a técnica vão desvendando
os segredos da natureza e despertando forças que o homem
já quase não consegue controlar (basta mencionar aqui a
engenharia genética, com a planejada produção em
laboratório de seres humanos que se pretende perfeitos e
se receia sejam monstruosos). Ao mesmo tempo em que isso
se passa, uma imensa sensação de vazio espiritual deixa
sem sentido todo esse processo, e faz o homem voltar-se
de novo para algo que seja mais do que a prosaica
realidade concreta.
Na mesma época em
que a ciência e a técnica parecem não ter limites para
progredir, as manifestações de recurso a forças
extra-naturais parecem maiores do que em qualquer
outra época precedente.
O neo-satanismo
Satanismo literário
Já no século passado e começos
deste o movimento literário teve um filão satanista ou
ao menos demonófilo, no qual se destacaram os poetas
franceses Victor Hugo (1802-1885), Paul Valéry
(1871-1945) e Charles Baudelaire (1821-1867), o último
dos quais chegou a escrever ladainhas satânicas.*
Na Itália, o literato Giosué Carducci (1835-1907),
compôs uma Ode a Satã que se tornou muito
conhecida. O escritor Joris Karl Huysmans (1848-1907),
em seu livro Là-bas descreve um ambiente
ocultista-satanista que havia nos círculos literários e
artísticos de Paris, inclusive com celebração de
Missas negras.
*“O
romantismo ama a infelicidade, celebra as ilustres
vítimas da fatalidade ... quer se persuadir de que o mal
e a infelicidade vão ser vencidos. Satanás, nessa
literatura falaciosa e angustiada, torna-se uma figura
simbólica, figura na qual se reflete o esplendor do Mal,
mas figura que um dia deve ser reintegrada numa luz
negra. Vigny alimentou longamente o projeto de um
Satã perdoado, que será escrito muito mais tarde por
Victor Hugo no poema O Fim de Satã” (Albert
BEGLIN, Balzac et la fin de Satan, p. 540).
Em nossos dias, mais
do que a literatura (que perdeu muito de sua força de
atração), o satanismo é difundido pela música, pelo
cinema e pela televisão.
Bruxas na televisão
Bernhard Wenisch,
demonólogo alemão, traz dados interessantes a propósito
do papel da televisão na difusão do satanismo, em
especial, mas não exclusivamente, sobre a juventude:
"Para a propagação
do satanismo que, de modo algum, só atinge a juventude e
nem mesmo preponderantemente, colaboraram, nos últimos
tempos, os meios eletrônicos."
"Assim, por exemplo,
apareceu na TV alemã, em 1984, e na TV austríaca, em
1985, a satanista Ulla von Bernus que declarou poder
matar pessoas através de rituais mágicos. O ritual que
mostrou consistia na queima de um boneco com a aparência
da vítima, invocando Satanás e pronunciando repetidas
vezes o esconjuro: 'Você precisa queimar! Você precisa
morrer lentamente’! Na discussão da TV austríaca, a
mulher se mostrou comprometida também com a prática da
Missa negra. Algum tempo depois, a TV austríaca
apresentou Ela Hard, que se declarou bruxa e afirmou que
também dominava a capacidade de matar por mágica. Em
seus livros descrevia minuciosamente sua iniciação na
magia negra por um aborígene australiano e seus rituais
coroados com êxito. Ela Hard morreu em inícios de 1988”.
Continua o mesmo
autor:
"É possível observar
a onda satanista em toda parte do mundo ocidental. Em
muitas cidades alemãs são celebradas Missas negras.
A TV alemã mostrou em 1984 o modo pela qual uma jovem
mulher era consagrada a Satanás como bruxa — inclusive
era submetida, nua, a uma flagelação ritual. Já
aconteceu que nessas cerimônias pessoas fossem
sacrificadas ao diabo. Em 1986, um desses rituais de
assassinato, planejado contra duas jovens de Dortmund,
pôde ser impedido pela polícia. Há satanistas que se
sentem inspirados pelo demônio para simplesmente
eliminar pessoas que julgam perigosas”.
Passa em seguida a
tratar do fenômeno em outros países do Ocidente:
"Também em outros
países o satanismo vem ganhando terreno. Em 1985, a TV
francesa não só informou sobre a crença nas bruxas, que
continua persistindo entre o povo, mas também apresentou
um bruxo que, com a
ajuda de forças demoníacas, produziu feitiços. Uma
especialista norueguesa em ciências da religião, que
participou como observadora de várias Missas negras
na cidade de Bergen, informou que, nessas missas,
trata-se principalmente de sexo e homicídio. E que os
próprios satanistas estão convencidos de que em suas
reuniões estão presentes forças sobrenaturais, das quais
têm medo. Não assumiam qualquer responsabilidade por
seus atos porque já não possuíam controle sobre si
mesmos. As Missas negras terminavam com sexo
grupal ritual. Da Suécia há informes sobre roubo de
cadáveres e violação de túmulos em conexão com o
satanismo. O Satã floresce também na Inglaterra”.
(Bernhard WENISCH, Satanismo, pp. 29-30.)
Igrejas satanistas nos Estados
Unidos
Segundo Wenisch,
onde o satanismo se tem espalhado mais são os Estados
Unidos, onde existem várias Igrejas Satânicas
conhecidas. Ele afirma: “Milhares de crianças são
vítimas anualmente do culto a satanás; dez milhões de
americanos praticam magia negra; aproximadamente cem
milhões sucumbiram a práticas ocultismo - esses números
chocantes foram publicados há pouco nos EUA”. (B.
WENISCH, Satanismo, p. 31.)
Uma das mais ativas
dessas Igrejas Satânicas é a que tem por Sumo
Sacerdote Anton Szandor LaVey, com mais de 8.000
membros.
LaVey foi o
consultor técnico do produtor cinematográfico Roman
Polansky, para a produção do seu filme satanista O
bebê de Rosemary (história de uma criança que seria
filha do Diabo). Em agosto de 1969, alguns meses depois
de lançado esse filme, a mulher de Polansky, a atriz
Sharon Tate (dada ela mesma a práticas de feitiçaria),
foi horrivelmente assassinada, junto com mais três
amigos, num crime que teve todas as características de
ritual satânico. Os assassinos eram adeptos de uma
seita satanista chefiada por Charles Manson, um
admirador de LaVey, cujo livro de cabeceira era a
Bíblia satânica de autoria deste último. (
Cf. Jean-Claude FRÉRE, Crime rituel à Cielo Drive,
pp. 130-135.)
Em 1986, o
Secretário do Tesouro dos EE.UU, James Baker, informou o
senador Jesse Helms sobre a existência de várias
organizações satanistas e para a prática da bruxaria,
que são reconhecidas oficialmente como religião
pelo governo americano, gozando de isenção de impostos.
Houve uma polêmica a respeito e vários dirigentes dessas
organizações satanistas enviaram cartas ao Congresso
americano. De uma delas, assinada por um Reverendo
Doutor Sidney Gavin Frost, de 11 outubro de 1985 tiramos
alguns significativos:
"Somos bruxos, e
praticamos uma religião minoritária, mas bem atestada e
documentada. ... Estamos reconhecidos como religião pelo
governo federal no seu Manual de Capelães; em dita
publicação, os capelães recebem instruções a respeito
dos serviços a serem dados aos bruxos nas Forças Armadas
e no campo de batalha. ... Somos uma Igreja
oficialmente reconhecida nos Estados Unidos desde l968”.
(M. A. COSTA, Quando Jesus Crista é expulso... p.
15.)
Na cidade de
Matamoros, no México a polícia, que estava à procura de
um jovem universitário desaparecido, encontrou em uma
propriedade rural 14 cadáveres de homens. Estes
apresentavam sinais de terem sido vítimas de um ritual
satânico, (o órgão genital de todos havia sido amputado,
o que é uma característica de certo tipo de ritual). A
polícia conseguiu identificar os criminosos: tratava-se
de um grupo de contrabandistas de maconha, que
confessaram crime e se disseram adeptos do vodu
(um tipo de macumba haitiana, muito semelhante ao
candomblé). A razão do crime ritual foi o desejo de
obter proteção para seu comércio criminoso. (Péricles
CAPANEMA, Satanismo, drogas e moda, in
"Catolicismo”, nº 471, março 19 90 p. 22.)
Feminismo,
ecologismo e satanismo
“Magia e ocultismo se alastram cada vez mais nos
movimentos feministas" - comenta B. Wenish.
tos feministas” — comenta B. Wenisch. (B. WENISCH,
Satanismo, p. 38.)
“Tremei, tremei, as
bruxas estão de volta”
Foi na Itália, em
1977, que a palavra bruxa foi empregada pela primeira
vez no movimento feminista. Uma jovem havia morrido em
conseqüência de estrupo violento. Os jovens culpados
foram condenados a penas relativamente leves. Isto
ocasionou uma colossal demonstração feminista de
protesto. Aproximadamente 100 mil mulheres se reuniram à
noite nas ruas de uma importante cidade italiana fazendo
grande alarido e gritando em coro: “Tremei, tremei, as
bruxas estão de volta!”. (Ibidem, p. 35.)
Certas militantes do
movimento feminista consideram as bruxas como símbolo
adequado de seu anseios. Para elas as bruxas teriam sido
perseguidas porque eram entendidas em medicamentos,
parteiras que conheciam métodos abortivos e de prevenção
da gravidez; mulheres que tentavam libertar-se do
domínio masculino rompendo com a ordem religiosa e
social dominante. Segundo ainda as feministas, é a
memória dessas mulheres (as bruxas) que serve de
inspiração para sua própria luta contra as estruturas
patriarcais da sociedade atual.
Além disso algumas
feministas se dedicam a práticas magico-ocultistas, como
meio de obter a sua suposta emancipação.
O movimento Wicca
É o caso do poderoso
movimento feminista — na realidade uma verdadeira seita
satanista — que se apresenta a si mesmo como uma forma
de continuação das bruxas e feiticeiras medievais.
Trata-se do movimento Wicca palavra inglesa
arcáica da qual deriva o moderno vocábulo witch,
bruxa. A seita Wicca se define decididamente como
pagã e se coloca conscientemente contra o Cristianismo.
Venera
a Grande Deusa
donde provém toda a vida e para onde tudo retorna. Ao
lado, ou antes, abaixo dessa Grande Deusa está o
poderoso deus cornudo, derivado do princípio
feminino, o qual dizem elas, na época de perseguição
às bruxas, era identificado com demônio bíblico.
Trata-se de um panteísmo de cunho feminino, e não
é de admirar que a seita procure vinculações com o
movimento feminista e se considere parte integrante e
militante dele, por razões religioso-filosóficas.
As adeptas dessa
nova bruxaria se reúnem em grupos de, no máximo, 13
pessoas para praticar a magia. Insistem em que não há
magia negra e, portanto, feitiçaria prejudicial, mas que
a força mágica só é usada para fins positivos. Seja como
for, quem criou rituais para grupos
Wicca foi nada menos que o notório satanista
inglês Aleister Crowley. Outro ocultista britânico, Alex
Sanders, dirigente de um ramo dessa seita, declarava-se,
no melhor estilo de Crowley, The Devil Incarnate
(o Demônio Encarnado); ele descreve um ritual para a
conjuração de um demônio, que consistia na prática de um
ato mágico-sexual de incesto com a própria irmã.(Cf. B.
WENISCH, Satanismo
Em uma publicação
francesa encontramos outros dados sobre as feitiçeiras
do movimento Wicca:
"Conhecem-se
atualmente os ritos do movimento Wicca,
celebrados na ilha de Man (Inglaterra), ou na floresta
de Fontainebleau (França). A grande sacerdotisa Monique
Maria Mauricette Wilson, que se faz chamar Lady
Olwen, oficia nua, como nos antigos sabás.
...
"Sobre o altar são
colocados recipientes para sal e água, hervas, um
incensador, velas, um cálice e outros objetos. A
feiticeira-chefe, enquanto todos se ajoelham em círculo
em torno dela, ajoelha-se por sua vez, benze o sal e a
água e os mistura com um punhal de punho negro, símbolo
do poder luciferino, que toda feiticeira possui.
"A Missa negra,
que é difícil de se distinguir do sabá, comporta
um ritual litúrgico análogo ao das missas comuns
(católicas)
com exceção de certas orações,
recitadas ao contrário por espírito de profanação. A
elevação é o momento esperado para a profanação suprema.
A hóstia é ora uma fatia de pão negro, ora uma rodela de
rábano.* O oficiante a eleva em geral sobre o corpo de
uma jovem nua sobre um altar, proferindo injúrias; ele
atira depois a hóstia para as feiticeiras e
bruxos, os quais se precipitam para calcá-la aos pés. A
missa termina com uma frase ritual: Ide ao diabo"
(Claude PETIT-CASTELLI, Les Sectes enfer ou paradis,
p. 154.)
*Aqui
se faz uma paródia sacrílega da Santa Missa.
Entretanto, sempre que conseguem, os satanistas preferem
que um sacerdote católico, que esteja num grau de
apostasia suficiente para se prestar a tal abominação,
celebre uma Missa durante uma cerimônia dessas, na qual
ocorra verdadeira consagração; ou, senão, procuram obter
hóstias verdadeiramente consagradas em Missas válidas,
para serem profanadas nesses rituais satânicos. Quanto à
validade da consagração das espécies eucarísticas no
contexto de uma Missa negra, os teólogos
discutem; alguns afirmam, outros negam tal validade.
Ecologismo e
ocultismo
B. Wenisch continua na sua análise do movimento
feminista-ocultista: “A onda esotérica aparece também
nos grupos alternativo-ecológicos.” E se refere a
uma autora feminista-ecologista que “pratica
rituais mágicos, sente-se em contacto com seres
espirituais, e baseada em supostas experiências de vida
terrena pregressa, acredita na reencarnação.
Considera-se a reencarnação de uma bruxa executada nos
inícios da Idade moderna”. (B . WENISCH, Satanismoo
“Ofensiva da bruxaria — Alerta aos
brasileiros"
No Brasil, devido à espantosa decadência religiosa que
presenciamos e à descatolicização que se opera em
todas as classes sociais, o caminho está aberto para
todas as formas de satanismo desde as aberrações sonoras
e blasfemas do Rock Heavy Metal, ao ocultismo
difundido por autores como Paulo Coelho, discípulo do
satanista inglês Aleister Crowley. (Cf. “Folha de S.
Paulo”, 2-8-92, caderno Maiss, p. 6, Glossário
De modo especial,
cresce o recurso ao demônio por meio da
macumba, a qual passou a ser aceita com
normalidade; mais do que isso, a receber o apoio das
autoridades. Por exemplo, na cidade de São Paulo,
durante a gestão da Prefeita Luiza Erundina (PT), foram
criados “macumbódromos” — espaços para a prática
de rituais de macumba — em vários cemitérios
paulistanos.
(Sob
o titulo Erundina cria 4 ‘macumbôdromos “, o jornal
“Folha de S. Paulo,” de 19 de ju lho de 1992, informa
que se trata de “espaços sem teto, com muros altos e
trancados. Dentro, haverá um cruzeiro, uma cruz
simulando encruzilhada e estátuas dos orixás e Iansã".)
Com chamada de capa que serve de título a este tópico, o
mensário "Catolicismo” trouxe reportagem sobre o
avassalador progresso de feitiçaria no Brasil, da qual
ressaltamos — a título de amostra — algumas citações
tiradas da imprensa diária: (Gregório LOPE5,
Bruxaria: os antros se abrem, in “Catolicismo”, nº
491, novembro 1991. pp. 6-9.)
— "Nada de vassoura, chapéu, nariz ou verruga .... Os
bruxos modernos estão chegando às pencas. ... vestem-se
com roupas absolutamente comuns” (“Jornal da Tarde”, São
Paulo, 22-5-91).
— “O bruxo Erik assegura que ‘brotará uma nova
consciência', e que passaremos então para uma nova era”
(“Jornal da Tarde", 22-5-91).
— Foi realizado em Florianópolis, um Festival da
Magia, com velas, defumadores, estandartes de orixás
e pessoas vestidas de demônio. O festival foi aberto com
discurso do Prefeito da cidade, na presença de
“místicos, médiuns, dráculas, ufólogos e cartomantes”
(“Tribuna da Bahia”, 21-7-91; “Estado”, de
Florianópolis, 13-8-91).
— Em São Paulo a 4ª ª Conferência Internacional de
Metafísica, ocorre nos salões do Anhembi onde
“bruxos de todo o mundo se reúnem” (“ Jornal da Tarde”,
22-5-91).
— Na mesma cidade foi fundada uma Escola de Iniciação
à Alta Magia, para “magia branca” e “magia
negra”. Segundo um
vespertino, “as
escolas de bruxaria no passado deixaram de existir por
perseguição do Cristianismo” (“Jornal da Tarde",
8-7-91).
— No Rio de Janeiro foi anunciado para o Planetário da
Gávea o 1º Encontro de Magos, com 11 dias de
duração e a presença de bruxos, espíritas e cavaleiros
de Lúcifer (“Jornal Janeiro", 18 e 21-9-90; “Jornal da
Tarde”, 27-9-90).
Com tudo isso vemos a que ponto a descristianização está
levando nosso Brasil, jogando-o nos braços de Satanás;
longe de serem fenômenos do passado, o satanismo e a
feitiçaria ressurgem em nosso país descristianizado, sob
a forma de ocultismo, esoterismo, de certo ecologismo,
cultos de origem africana (macumba, vodu, etc.) e
outros.
O
Rock Satânico
“Canto para inca doce satã.
Quero ir para o inferno".
(Canção do conjunto Led Zeppelin)>)
"Prazer em
conhecê-la.
Chame-me apenas Lúcifer”.
(Da canção Rock Simpatia pelo demônio)
O Rock’ n’ Roll não é somente um tipo de música
popular; mais do que isso, é uma cultura, com um
modo próprio de vestir-se, de falar, de comportar-se;
trata-se de uma atitude diante da vida, empanada de
anarquismo, de uma postura religiosa que se caracteriza
pela revolta contra Deus e a religião. Em última
análise, constitui uma espécie de contra-religião,
uma religião satanista.
Rock, um dos meios mais poderosos
para a difusão do satanismo
Muitos especialistas têm visto na a um
dos meios mais poderosos para a difusão do satanismo.
(Cf. Bernhard WENISCH, Satanismo, p. 29; W. S.
DIAS, Por detrás do Rock in Rio: presença do satanismo?
pp. 4-6.; C. A. MEDEIROS, Rock and Roll e satanismo,
pp. 1-7.)
Influência de Crowley, "o personagem mais imundo e
perverso da Grã-Bretanha”
Para melhor
compreendermos essa afirmação, devemos recordar, ainda
que rapidamente, um dos inspiradores confessos desse
movimento Rock, sobretudo do Rock pesado (Hard
Rock), onde as características satanistas são mais
marcantes. Trata-se do satanista inglês Sir Aleister
Crowley (1875-1947) considerado pela justiça inglesa
como “o personagem mais imundo e perverso da
Grã-Bretanha”, que morreu amaldiçoando seu médico por
ter-lhe negado mais uma dose de morfina. Sobre sua
tumba, após o enterro, foram realizadas cerimônias
satanistas, com o cântico da Ode a Satã,
de Carducci, o que provocou o protesto da Câmara dos
Vereadores de Brighton.
Ele foi fundador ou
participante de várias ordens ocultistas inicíaticas,
entre as quais a Astrum Argentium (AA)
que, em 1920, se transferiu para Cefalú, na Sicília. Em
conseqüência de uma morte suspeita na comunidade
(falou-se de morte ritual), a policia interveio e a
AA foi expulsa do país.
“Em definitivo,
comenta um autor a respeito de Crowley, o mago suscitou
muitas devoções, mas — corolário ou contrapartida —
numerosos discípulos, sobretudo mulheres, se suicidaram
tornaram-se dementes ou ficaram reduzidos a meras ruinas”
(Serge HUTIN, On l’appelait ‘la Grande Bête’, p.
121, nota 1.)
A doutrina de
Crowley, de maneira mais insinuada do que explicita, foi
popularizada pelos Beatles e difundida por meio
dos movimentos hippie e Rock a partir dos
anos 1960. Tal doutrina se resumia na seguinte frase:
“Faça o que quiser, esta é toda a lei” (Cf. B. Wenisch,
op. cit., p. 27.)
O próprio Crowley considerava esse
programa anárquico como algo satânico. Numa referência
ao Capítulo 13 do Apocalipse, ele se autodenominava “a
grande besta — 666”. (Este número do Apocalipse
provavelmente contém uma alusão a Nero como instrumento
do demônio e costuma ser utilizado para designar o
anti-Cristo.). Crowley se considerava uma encarnação
de Satanás, e sua religião poderia ser qualificada
como um
panteísmo satânico.
O culto proposto por
Crowley é todo permeado de orgia sexual, que para ele é
a “meta final, divina e absoluta, forma mais elevada da
vida satânico-divina”. (B. WENI5CH, Satanismo, p.
27.)
Rolling
Stones: “Simpatia pelo demônio”
Bernhard Wenisch
escreve em seu livro Satanismo: “Uma fonte que
esclarece em parte a difusão das idéias satanistas entre
a juventude é o Rock pesado (Hard-Rock). A onda
já começou no final dos anos 60, quando foi lançada, por
exemplo, a música dos Rolling Stones —
Simpatia pelo demônio (Sympathy for the Devil).
Desde 1970, o conjunto musical Black Sabbath —
Sabá Negro apresentou continuamente temas satânicos.
Em 1980 foi sucesso mundial a música Sinos do inferno
(Hell’s Bells) de AC/DC. Outro sucesso, em 1982
foi O número da besta (The Number of the Beast),
do Iron Maiden. Atualmente quase todos os grupos
de Hard-Rock/Heavy Metal-Band apresentam o tema
satânico. Que o pensamento de Crowley esteja
apadrinhando essas canções não é apenas demonstrável
históricamente, mas é possível percebê-lo claramente no
conteúdo das letras”.(
B.WENI5CH, , Satanismo, p. 29.)
Essa ligação é
atestada, por exemplo, por um ex-roqueiro americano,
Charles Gugel, que, tendo abandonado o movimento Rock,
declarou o seguinte: “Jimmy Page, autor das músicas e
líder do grupo Led Zeppelin, admitiu abertamente,
por diversas vezes, sua fascinação por magia negra e
feitiçaria. Ele possui uma livraria ocultista em
Londres, chamada The Equinox e vive num castelo
infestado pelo demônio, que pertenceu a Aleister Crowley”.
(W.S. DIAS, Por detrás do Rock in Rio:
presença do satanismo?, p. 5.)
Cauções satânicas
Quanto à influência
satanista nas letras das canções Rock, basta
tomar algumas delas para fazer a constatação: as mais
explícitas, como as que citaremos a seguir, chegam a
evocar diretamente o demônio e a execrar Nosso Senhor
Jesus Cristo e sua Igreja, como o fariam canções
compostas pelo próprio demônio. Outra característica que
chama a atenção, e que está bem de acordo com a
psicologia
de Satanás, é o
desespero que domina essas canções, a nota de uma
condenação irremissível ao inferno.
Sinos do inferno
Vejamos, em primeiro
lugar a canção Hell’s Bells - Sinos do Inferno,
do conjunto australiano o AC/DC (siglas que,
segundo alguns, quer dizer Anti-Cristo/Companheiros do
Demônio):
Você
é ainda muito moço.
mas vai morrer.
Eu te levarei ao
inferno. p;
Satanás vai te
pegar!
Sinos do inferno,
sinos do inferno.
Auto-estrada do
interno
Outra canção desse conjunto apresenta a mesma nota de
desespero satânico. Ela se intitula significativamente
Auto-estrada do inferno:>:
Eu estou indo para baixo.
É hora de festa.
Meus amigos estarão lá também.
Estou na auto-estrada para o inferno
Não há sinais de ‘pare’, nem velocidade limitada.
Ninguém vai me frear...
Ei Satanás, estou pagando minha dívida
tocando num conjunto Rock.....
Estou no meu caminho para a terra prometida.
Estou na auto-estrada para o inferno.
Canto para meu doce
satã — Quero ir para o interno.
A nota de desespero
blasfemo e luciferismo é ainda mais acentuada na letra
abaixo do conjunto Led Zeppelin:i>:
Deus me abandonou,
Não há escapatória.
Canto para meu doce
satã.
Todo poder é de meu
satã,
que nos dará o 666
[o Anti-Cristo].
Quero ir para o inferno.
Meu nome é Lúciferfer
Agora você está comigo em meus pensamentos. sp;
Nosso amor a cada
momento se torna mais forte.
Olhe dentro de meus
olhos.
Você verá quem eu sou.
Meu nome é Lúcifer.
Simpatia pelo demônio
Os Rolling Stones, um dos mais famosos conjuntos Rock,
não hesitam em cantar a música com o título inteiramente
explícito de Simpatia pelo demônio, na qual também é o
próprio Satanás quem fala, numa soberba demencial:
Peço licença para me apresentar......
Eu estava por perto
quando Jesus Cristo
teve seu momento de
dúvida e de dor.
Assegurei-me
amaldiçoadamente de que
Pilatos lavaria as
mãos e decidiria seu destino.
Prazer em conhecê-lo.
Espero que advinhe meu nome...
Chame-me apenas Lúcifer.(C.
A. MEDEIROS, Rock and Roll e satanismo, p. 6.)
O Deus do Trovão
Talvez a canção mais explicitamente satanista seja
God of Thunder — Deus do Trovão, do conjunto
Kiss, que a apresentou a uma platéia de milhares
de jovens no Estádio do Morumbi, eu São Paulo, em junho
de 1983. Segundo algumas interpretações, o nome do
conjunto, Kiss (palavra que significa beijo,
em inglês), seria de fato uma sigla formada pelas
iniciais de Knights In Satan Service —
Cavaleiros a serviço de Satanás. Eis a sua tradução:
Eu fui criado por demônios.
E cheguei a reinar como o Senhor porque eu sou
o Deus do Trovão e do Rock´n ‘Roll...
Eu fui criado por um demônio.io.
Fui treinado para reinar como um deles.
Eu sou o Senhor da terra desolada.
Eu não gosto de
Cristo... Eu não gosto da Igreja
Já o conjunto brasileiro Titãs faz uma profissão de fé
anarquista-religiosa, explode numa revolta satânica
contra Deus:us:
Eu não gosto de padre.
Eu não gosto de madre.
Eu não gosto de frei.
Eu não gosto de bispo,
Eu não gosto de Cri sto...
Eu não gosto do terço,
Eu não gosto do berço
de
Jesus de Belém.
Eu não gosto do Papa,
eu não creio na graça
do milagre de Deus.
Eu não gosto da Igreja,
Eu não entro na Igreja.
Não tenho religião.
Nós destruiremos o altar-mor......
Outro conjunto brasileiro, Sepultura, na música
intitulada Crucifixão, faz também profissão
anarquista-religiosa e nega diretamente a divindade de
Nosso Senhor:
Nós negamos os deuses e suas leis.
Desafiamos seu
supremo poder,
crucificado pelo
poder das trevas...
Ele deixou as
igrejas para nos atormentar.
Nós destruiremos o
altar-mor...
Mostraremos ao mundo
nosso ódio.
Os padres terão seu
tormento final.
Romperemos as
igrejas, nós temos um ideal...
O gênero humano ruma
para o suicídio
Eles têm fé no falso
Deus
se chamam Cristo.
que prega o bem e a
beleza.
(Ibidem,p.7.)
Diante desse satanismo explícito do movimento Rock’ n’
Roll, que reune dezenas e às vezes centenas de milhares
de jovens em shows-monstro — autênticas orgias
anti-cristãs — que proporções tomam os sabás de séculos
passados, contra os quais lutou tanto a Igreja?
Por que o silêncio em relação a esses sabás
modernos?
VI - CASOS DE
INFESTAÇÃO E POSSESSÃO — CENAS DE EXORCISMO — CULTO
IDOLÁTRICO AO DEMÔNIO
APRESENTAMOS
alguns casos de infestação ou possessão e algumas cenas
de exorcismo, que ilustram quanto foi dito sobre a ação
extraordinária do demônio.
O primeiro caso, de uma jovem do Interior de São Paulo,
sujeita a uma infestação pessoal em conseqüência de um
malefício, revela como não devemos temer o demônio, mas
antes enfrentá-lo com coragem e, sobretudo, com muita
fé. é.
Outro caso relatado, ocorrido na Itália, de possessão de
um menino de onze anos, é muito ilustrativo quanto ao
valor da oração fervorosa e de outros meios ordinários
para a libertação de um possesso, mesmo sem o recurso
aos meios extraordinários, como os exorcismos solenes.
A história de Madalena não é muito diferente da de
inúmeras pessoas em nossa triste época: bem casada e com
filhos já criados, sem preocupações financeiras, parecia
uma pessoa feliz. Na realidade ela se sentia frustrada
por uma vida vazia e aparentemente sem sentido. Essa
frustração levou-a a procurar algo diferente, que
preenchesse o vazio de sua vida. Assim, deixou-se
envolver por um ambiente ocultista, onde a droga e as
iniciações a conduziram ao pacto com o demônio, e
a urna frustração e desespero maiores ainda. Movida pela
graça, submeteu-se a uma séria terapia religiosa,
constante de exorcismos, orações e catequese,
conseguindo sair de sua triste situação.
A comovente história de Anneliese Michel constitui
impressionante exemplo de possessão penitencial
ou oblativa. Por desígnios insondáveis de Deus a
jovem vítima sofreu essa dura provação como vítima
expiatória de pecados alheios e para obter graças
espirituais de santificação e de reavivamento da fé,
para si e para outras pessoas.
Esse caso é muito
revelador quanto à incapacidade do demônio de penetrar
no fundo da alma. Pois mesmo tendo obtido de Deus
permissão para possuir o corpo da jovem alemã, e para
atuar em suas faculdades inferiores, o demônio jamais
conseguiu fazê-la pecar, nem impedi-la de continuar
unida a Deus, de progredir na virtude e se santificar.
Não menos impressionante é a história da jovem noviça
vietnamita Maria Catarina Dien, perseguida pelo demônio
para que desistisse da vida religiosa, a pedido de um
pagão que queria casar com ela. Apesar de todos os
tormentos físicos e morais a que foi submetida pelo
demônio, a jovem não só perseverou na sua vocação, mas
ainda se serviu desse sofrimento para santificar-se.
Todos esses casos
nos levam a recordar o que dizem os santos: deve-se
temer antes o pecado do que o demônio.
Terminamos esta secção com o relato de casos
impressionantes de sacrifícios humanos em honra do
demônio, ocorridos recentemente no Brasil, os quais
mostram o grau de apostasia e entrega ao Maligno a que
se chegou em nossa pátria. Eles nos levam à pergunta
sobre se esta não é a causa mais profunda da grave crise
que a sacode em todos os planos.
A
moça infestada e o menino possesso
“Desgraçado! Maria Santíssimaima
já te esmagou a cabeça!”
(Irmã Maria Teresa
dirigindo-se ao demônio)
Glória: infestação diabólica por
malefício
A vigilância e a ação decidida de uma freira, livrou uma
moça dos efeitos de um um
malefício.
Sintomas estranhos
Os fatos se passaram anos atrás em Marília, simpática e
pujante cidade do Interior de São Paulo. (Reletado pelo
Pe. Gabriele AMORTH, Nuovi racconti, pp. 105-108.
Os nomes dos protagonistas são fictícios, mas o caso é
real.)l.)
Glória era aluna interna da Escola Normal dirigida por
freiras. Oriunda da zona rural, ela era órfã de pai; o
avô materno custeava seus estudos para que ela, uma vez
formada professora primária, ajudasse na educação de
seus irmãos menores.
De volta de casa ao fim das férias, a moça começou a
manifestar sintomas estranhos. Até então a jovem tinha
sido a melhor aluna de sua classe, sempre fôra
respeitosa, obediente, e de conduta exemplar.
Irmã Maria Teresa,
de nacionalidade italiana, notou que a moça estava
mudada; outras professoras se queixaram dela, sobretudo
quanto à falta de atenção às aulas.
O lencinho
misterioso
A zelosa Irmã chamou-a para conversar, alegando um
pretexto qualquer. Durante o colóquio, Glória abriu
maquinalmente um de seus livros de aula e, para espanto
da freira, um lencinho de cores muito vivas esvoaçou de
dentro dele e embora ambas tentassem agarrá-lo,
desapareceu completamente.
Aterrada, a moça exclamou: “Pobre de mim! Não posso
perdê-lo”. Como tocasse o sinal das aulas, a Irmã Maria
Teresa mandou depressa a aluna para a classe,
desconfiada já do que se tratava. Em seguida,
dirigiu-se ao dormitório das educandas e começou a
examinar os livros e cadernos de Glória. Depois de muita
busca, encontrou o lencinho dentro de um caderno!
Como teria ido parar lá?lá?
Cheia de fé, a Irmã dirigiu-se ao lencinho como se fosse
o próprio demônio, exclamando: “Desgraçado! Maria
Santíssima já te esmagou a cabeça!". E agarrando-o com
força, correu à cozinha e o lançou ao fogo.
A reação do Maligno não se fez esperar: Glória começou a
se sentir mal e a não conseguir reter nenhum alimento.
Estava claro que se tratava de um caso de malefício.
Feitiço de uma
vizinha
A Irmã Maria Teresa chamou a moça para nova conversa e
conseguiu que ela contasse tudo o que se tinha passado
com ela quando estivera em casa nas últimas férias.
Glória contou que uma vizinha a havia procurado num dia
em que ela estava só na casa e lhe havia dito: “Logo que
tirar o diploma, você vai se casar meu filho!”. Deu-lhe
então o lencinho colorido, acrescentando: “Você deve
guardar este lencinho e não pode perdê-lo em hipótese
alguma; do contrário você não poderá mais estudar e
morrerá!
A pobre moça havia
ficado tão aterrorizada com as ameaças da vizinha (ao
que tudo indica, uma feiticeira) que, em vez de pedir
conselho às Religiosas, procurou obedecer-lhe, com medo
de não poder terminar o curso e com isso prejudicar seus
irmãos mais novos, que dependiam dela para poderem
também estudar.
Irmã Teresa,
Religiosa experiente e que tinha muita fé, disse à moça:
“Tenha confiança em Nossa Senhora que tudo se
resolverá". Como primeira medida, levou Glória para
fazer uma boa Confissão - remédio ideal nos casos de
perseguição diabólica, pois a alma em estado de graça
tem muito mais possibilidade de resistir às vexações do
demônio. Em seguida, foi com a moça examinar seu
dormitório; tomou o travesseiro e pediu-lhe que o
abrisse para ver se havia algo anormal dentro dele.
Glória tremia de medo ao descosturar o travesseiro e
jogar as penas na cama; apareceu então um objeto
estranho, uma bolota envolta em pano; ao abrir o
embrulho a moça exclamou aterrada: “Meus cabelos!”
De fato, a vizinha,
ao mesmo tempo que dirigia ameaças á jovem cortara-lhe
um chumaço de cabelos, levando-os consigo. Este é dos
feitiços ou malefícios mais correntes: oferecer ao
demônio cabelos ou unhas da própria pessoa a ser
prejudicada; ou, então, uma fotografia dela, pedaços de
sua roupa, etc.
Como esse objeto
teria ido parar naquele lugar?
O demônio — sempre
que Deus o permita — pode mover os objetos de um lugar
para outro como, neste caso, primeiro o lencinho, que
foi parar no meio de um caderno; depois a bolota de
cabelos, encontrada dentro do travesseiro.
Malefício desfeitoito
Continuando nas buscas, descobriram outro lencinho igual
ao primeiro. A Irmã pegou os objetos com precaução — sem
tocá-los diretamente com as mãos, o que é perigoso —,
jogou gasolina sobre eles e ateou fogo; apesar da
intensidade das chamas, o pequeno lenço não se
queimava. A freira começou então a rezar fervorosamente
e a bradar: "Os pés de Maria Santíssima continuam a te
esmagar a cabeça, espírito maldito!", até que
finalmente os bruxedos se consumiram pelas chamas.
Depois que os
bruxedos foram queimados, Glória voltou a levar vida
normal e aplicar-se nos estudos.
Tais casos, quando
bem aproveitados, servem para afervorar religiosamente
as pessoas, e esta é uma das razões pelas quais Deus
permite que eles sucedam.
Na Itália: valor da
oração e dos sacramentais
O Pe. Gabriel Amorth, exorcista da diocese de Roma,
relata o seguinte caso, ocorrido na Itália.
Em 1987 um casal
procurou seu pároco pedindo-lhe que desse uma bênção a
seu filho, o qual apresentava um comportamento
estranho. Tratava-se de um menino de onze anos, de
aparência calma e amável.
O pároco pediu a um
confrade que o ajudasse; apenas os sacerdotes começaram
a rezar, o menino passou a espumar, a blasfemar, e
proferir ameaças.
Os padres (talvez
por não terem licença do seu bispo ou por não estarem
seguros de que se tratava de caso de possessão
diabólica) não procederam aos exorcismos solenes que se
fazem sobre possessos, mas mantiveram-se em oração,
dando repetidas bênçãos ao menino, ao mesmo tempo que
recorriam ao uso de sacramentais, como velas,
água-benta, incenso, etc.
Por quinze dias
seguidos o menino foi trazido à presença dos padres, que
prosseguiram nas mesmas orações, bênçãos e uso dos
sacramentais. No décimo-quinto dia, precisamente, o
demônio começou a dar sinais de raiva impotente e de
exaustão até que — ao ser pedido o auxílio da Mãe de
Deus e ser invocado o Espírito Santo — pôs-se a gritar
pela boca da pequena vítima: “Nossa Senhora não!” — “A
pomba branca não!” Após este último grito, o menino caiu
por terra e um silêncio completo se fez na igreja. Tudo
indicava que o demônio havia sido expulso.
Com efeito, nos dias
seguintes o menino não apresentou mais os sintomas de
possessão. Entretanto, começou a manifestar sinais de
infestação pessoal, tendo visões aterradoras.(O Pe.
Amorth, com sua experiência de exorcista, afirma que
isto acontece com fre qüência após as possessões, o que
é muito perigoso, sendo necessária a assistência do
exorcista ainda por algum tempo depois da expulsão do
demônio.) Pela atuação prudente e zelosa dos dois
sacerdotes, esse estado de infestação também foi
vencido, e o menino passou a gozar de excelente saúde e
a ter boa vida de piedade.
(Cf.
J. AMORTH, Nuovi racconti, pp. 108-109.).
Madalena: da frustração ao pacto
com o demônio
“Recusar obediência a Deuseus
e dizer sim a Satanás, a Lúcifer”<,
a Belzebú".
(Da pacto com o Demônio)
O CASO QUE SE SEGUE passou-se França, na década passada,
e é relatado pela Dra. Marie-Dominique Fouqueray,
psiquiatra que participa da equipe que auxilia o
exorcista diocesano. (Relatório transcrito pelo Pe.
Gabriele AMORTH, Nuovi raconti di un esorcista,
pp. 151-155.)
Organista na
paróquia e... sacerdotisa do Diabo!
"Um dos primeiros
casos que tivemos que enfrentar foi o de uma senhora de
seus quarenta anos, casada e mãe de quatro filhos, que
trabalhava como educadora especializada. A causa dos
seus males devera-se ao fato de que, por mais de dez
anos, freqüentara uma seita satânica. Quando se dirigiu
a nós, era a terceira vez que tentava sair daquela
seita."
"Contrariamente a
tudo o que se podia supor, esta senhora era muito
próxima a sacerdotes; e foi um deles que a conduziu a
nós. De fato, ela levava uma vida dupla: conhecia muitos
sacerdotes e todos os domingos tocava o órgão na Missa,
embora jamais se aproximasse dos sacramentos; mas, ao
mesmo tempo, era grande-sacerdotisa de uma seita
chamada Wicca, (Trata-se de uma seita satanista
de caráter feminista, da qual já nos ocupamos pouco
acima (cf. Parte V, Cap. 5).), cujo chefe é o próprio
Lúcifer. Ela tinha sido iniciada progressivamente, e
quem ingressava
na seita só poderia
deixá-la por efeito de uma morte violenta, á qual ela
era destinada: o suicídio. Ela sentia muito medo e
queria sair, mas conhecia os riscos que isto comportava.
“Quando a
encontramos pela primeira vez, apresentava sinais de uma
pessoa deprimida, atormentada, emagrecida; dormia mal,
mas não tinha antecedentes psiquiátricos. O exorcista,
depois de ter examinado bem o caso, decidiu proceder aos
exorcismos: primeiro de quinze em quinze dias, depois
toda semana”.
A seguir a Dra. Fouqueray, narra como Madalena (nome
fictício que ela usa para designar a infeliz mulher) se
aproximou da seita e nela ingressou.
Pacto com o demônio
e “batismo” satânico!
Nada levaria a supor que Madalena chegasse um dia a
fazer um um pacto com o demônio e a se tomar
sacerdotisa de uma seita satanista.
Educada em colégio de freiras, casada e mãe de família,
sem preocupações financeiras, parecia uma pessoa feliz.
No entanto, seu catolicismo era superficial e ela foi-se
deixando levar por certo desencanto, aborrecimento com a
vida de família e um vazio que não conseguia preencher.er.
“Num jornal mundano ela leu um convite para uma jornada
de lazer."
“Freqüentou esse ambiente, embora percebesse que se
tratava de um ambiente muito particular, aumentando cada
vez mais o consumo de bebidas alcóolicas e drogas, e os
convites para a iniciação numa seita. Mas, ao mesmo
tempo, encontrou gente prestimosa, cujas atenções
compensavam as carências que sentia em casa. E passou a
ser cada vez mais envolvida: renegou o batismo e aceitou
um novo 'batismo’ da seita, no qual lhe foi imposto um
novo nome. Recebei uma marca secreta na coxa e assinou
com seu sangue um pacto com Satanás, depois de ter
queimado a sua certidão de batismo cristão”.
Missas negras e
escárnio da Paixão
“Foi iniciada nas as Missas negras< e em celebrações
de triunfo satânico pela morte de Cristo, todas as
sextas-feiras às três horas da tarde. Viu claramente que
os nossos ritos e as nossas orações eram transformados,
diabolizados. A Missa negra era uma
paródia da Eucaristia e, no momento da comunhão, se
transformava em orgia. É importante conhecer os
diversos pontos do pacto satânico porque, durante os
exorcismos, é preciso convidar a própria pessoa a
renegá-lo com plena renúncia a Satanás:
Renego-te, demômio X não quero
mais saber de ti e renuncio ás práticas que tu me
inspirastes".
Os doze pontos do
pacto maldito
"Eis os doze pontos
do pacto satânico:"ot;
1. Abjurar o batismo.
2. Abjurar a fé na Eucaristia.
3. Recusar obediência a Deus e dizer sim a
Satanás, a Lúcifer, a Belzebú.
4. Repudiar Nossa Senhora.ra.
5. Renegar os sacramentos.
6. Pisotear a cruz.
7. Pisotear imagens de Nossa Senhora e dos Santos.
8. Jurar fidelidade eterna ao príncipe das trevas; fazer
juramento sobre as escrituras diabólicas.
9. Fazer-se batizar em nome do diabo, escolhendo novo
nome apropriado para si.
10. Receber na coxa a marca do diabo, como sinal de
filiação à seita.
11. Escolher um padrinho e uma madrinha na seita.
12. Profanar hóstias (não violando o Tabernáculo, mas
indo comungar e conservando a partícula sagrada para
depois profaná-la na Missa negragra)".
Olhar de fera e repulsa do crucifixo
"Descobri esses
pontos pouco a pouco, no decurso dos exorcismos.
“A possessa, durante
os exorcismos, tinha o olhar de uma fera e rejeitava com
força o crucifixo que mantínhamos diante dela; no final
vomitava (às vezes somente água) e a sua temperatura
chegava até 41º e baixava somente com o uso da água de
São Sigismundo (conhecida em nossa região por
curar febres inexplicáveis).
“Madalena demos-lhe este nome — tinha participa de um
grande número de Missas negras...”
Madalena não era crismada...
“Permito-me sublinhar um fato. Em um caso como este, não
basta únicamente a ação do exorcista: já por duas vezes
dois exorcistas tinham falhado, por não terem levado em
conta o que dizia a própria infeliz, e por terem
minimizado as pressões e ameaças dos membros da seita.
Na terceira vez Madalena foi libertada graças ao auxílio
que a equipe deu ao exorcista. Por exemplo, era
necessária uma reeducação na fé cristã e manter uma
assistência contínua quando a possessa era assaltada por
impulsos de suicídio e febres inexplicáveis. Nós não a
deixamos nunca sozinha, e nos mantivemos sempre perto
dela.
“Tudo isto durou
três anos... Os exorcismos foram suspensos quando
Madalena pôde conduzir por si mesma a luta espiritual,
rezar, confessar-se, comungar; ou seja, quando pôde
utilizar os meios ordinários de luta. Acrescento um dado
importante: Madalena nunca tinha sido crismada; depois
de adeqüada preparação, ela mesma pediu esse sacramento,
que lhe foi ministrado pelo Vigário Geral, na presença
do marido, dos filhos e dos membros da equipe que
auxiliam o exorcista”.
Anneliese:
possessão penitencial
"O demônio abominaina
água-benta e objetos consagrados.
Ele tem medo do
nome de Jesus e da oração".
(Do Exorcismo de Anneliese Michel)
O CASO RELATADO a seguir constitui impressionante
exemplo de possessão penitencial ou oblativa, na
qual a vítima sofre essa dura provação para, segundo os
desígnios insondáveis de Deus, expiar pecados alheios e
obter para si própria, ou para outras pessoas, graças
espirituais de santificação e de reavivamento da fé.
Um caso muito bem
documentado
A razão da escolha
deste caso deve-se a que os fatos se passaram
praticamente em nossos dias (de 1974 a 1976), e
alcançaram grande repercussão na imprensa, estando muito
bem documentados, uma vez que os exorcismos foram
gravados em fitas magnéticas e o caso foi parar nos
tribunais alemães.es.
Seguimos aqui o livro da Dra. Felicitas D. Goodman,
antropóloga americana não-católica, que estudou o caso
por interesse acadêmico, aplicando ao exame do mesmo o
rigor científico. Ela reuniu toda a documentação a
respeito, inclusive as fitas magnéticas com a gravação
dos exorcismos.
(Felicitas D.
GOODMAN, The Exorcism of Anneliese Michel,
Doubleday, New York, 1981, 255pp.
A Dra, Goodman
utilizou 42 fitas cassete com a gravação dos exorcismos,
fornecidas pel o Pe. Ernst Alt, um dos exorcistas, e um
dossier de mais de 800 páginas de documentos,
proporcionados pela advogada da família Michel, Dra.
Marianne Thora (depoimentos, cartas, laudos periciais,
etc).
Menina inteligente,
alegre e piedosa
Anneliese Michel
nasceu em 21 de setembro de 1952 em Leiblfing, na
Baviera, sendo a mais velha das quatro filhas do casal
Josef e Ana Michel, católicos praticantes. Ainda na
infância, a família mudou-se para a pequena cidade
vizinha de Klingenberg.
Anneliese era inteligente e piedosa, embora sua infância
tenha sido marcada por contínuas doenças, o que
preocupava muito sua mãe, que já havia perdido uma filha
em baixa idade. Ela fez Primeira Comunhão com todo o
fervor. Terminado o curso primário em sua cidadezinha,
passou a viajar de trem com outras meninas, para cursar
o ginasial numa cidade vizinha.
Era uma menina alegre, tocava acordeon e aprendia piano.
Quando completou dezesseis anos, entretanto, começaram a
manifestar-se os sintomas de uma doença de caráter
neuro-psiquiátrico, que os médicos diagnosticaram como
epilepsia, prescrevendo o tratamento correspondente.
Incontrolável
repulsa pelas coisas sagradas
Ao mesmo tempo, surgiram outros sinais mais
inquietadores: uma estranha e incontrolável repulsa
pelas coisas sagradas, dificilmente de entrar em
igrejas.as.
A jovem fazia esforços para vencer essa estranha
repugnância, esses impulsos veementes, porém nem sempre
obtinha êxito. Certa vez, ao tentar entrar em uma
capela dedicada a Nossa Senhora, na Itália, onde tinha
ido em peregrinação, não conseguia avançar um passo,
pois o chão lhe queimava os pés, como se estivesse em
brasas. Em diversas ocasiões, quando pretendia
levantar-se do lugar para ir comungar, seus membros
pareciam pesados como chumbo e ela não conseguia
mover-se. Um dia sua mãe a surpreendeu fazendo caretas
de ódio e arreganhando os dentes para um crucifixo.
Apesar dessas
manifestações anormais, que iam se tornando cada vez
mais intensas, a moça foi-se tomando mais religiosa e
ligada a outras moças igualmente piedosas; ao mesmo
tempo mantinha um namoro casto e bem intencionado com um
colega de classe.
Exame cuidadoso
revela possessão
A partir de 1974, Anneliese, por causa das perturbações
acima referidas, principiou a procurar o Pe. Emst Alt,
seu pároco, o qual lhe dava uma simples bênção, com o
que ela se sentia aliviada.
A falta de melhora com o tratamento médico, ao contrário
do alívio que experimentava com as bênçãos, e a presença
de sinais estranhos que aumentavam dia a dia, levaram
Anneliese, seus parentes, amigos e igualmente o
sacerdote que a assistia, Pe. Alt, à convicção de que se
tratava de alguma influência diabólica. Vários
sacerdotes doutos examinaram a moça, entre eles o Pe.
Adolph Rodewyk S.J., conhecido especialista em
demonologia e possessão, com importantes obras
publicadas sobre a matéria.
O pároco fez então
vários pedidos ao bispo de Würzburg, Dom Joseph Stangl,
no sentido de obter a devida licença para a realização
dos exorcismos solenes. Depois de muito hesitar, o
bispo, por fim, em setembro de 1975, deu autorização
para que se procedesse a eles, nomeando exorcistas para
aquele caso o Pe. Arnold Renz, salvatoriano, antigo
missionário na China e Superior Religioso, e o própio
pároco da moça, Pe. Ernst Alt.
Vítima expiatóriaria
De fins de 1975 a junho de 1976 foram realizados
inúmeras sessões de exorcismos, durante as quais ficou
claro que os demônios não tinham licença para abandonar
sua vítima, pois se tratava de uma possessão oblativa,
em que a moça sofria como vítima expiatóriaria.
Simultaneamente, o tratamento médico prosseguia, porém
se mostrava ineficaz, pois os médicos se apegaram ao
diagnóstico de epilepsia, sem que os exames de
eletroencefalografia fossem concludentes.
Por fim, os demônios
foram expulsos, porém, quando os presentes entoavam
cânticos de ação de graças, eles se manifestaram de
novo, dizendo que tinham recebido licença para voltar.
Os exorcismos recomeçaram, mas os demônios diziam que
não tinham licença de Deus para sair, e essa situação
ainda iria durar algum tempo.
Finalmente,
em meio ao exorcismo do dia 30 de junho, repentinamente,
Anneliese, com sua voz normal, gritou: “Por favor,
absolvição”. O sacerdote imediatamente atendeu o apelo e
encerrou os exorcismos.
Na manhã seguinte a moça foi encontrada morta em sua
cama.
Vingança do demônio
Apesar de todos os
esforços da família e dela própria, a moça passara
longos períodos sem conseguir alimentar-se, caindo em um
estado de desnutrição e fraqueza generalizada. Em vista
disso, o médico negou-se a dar o atestado de óbito e foi
aberto um processo judicial contra os pais e os
exorcistas, por omissão de socorro médico. Em 21 de
abril de 1978 eles foram condenados a seis meses de
prisão, notícia essa que foi amplamente divulgada pela
imprensa em todo o mundo.
Toda aquela dolorosa
e humilhante provação foi muito útil para o
aperfeiçoamento espiritual de Anneliese e de sua
família, bem como dos próprios sacerdotes exorcistas.
Após a morte da moça, seu túmulo no cemitério de
Klingenberg passou a ser local de peregrinação, para o
qual afluem pessoas não só da Alemanha, mas do Exterior,
para rezar e pedir graças.
Gritos roucos,
guinchos e grunhidos furiosos: a voz do Inferno
As transcrições de trechos das gravações dos exorcismos
que a Dra. Goodman faz em seu livro permitem-nos formar
uma pálida idéia da luta dos exorcistas com o poder das
trevas.
Não cabe transcrevê-los todos aqui, de maneira que damos
alguns excertos como amostra, terrível amostra da voz do
próprio demônio. Eis o que diz a Dra. Goodman:
“Na fita original nós sentimos, como os que cercavam
Anneliese, algo dessa presença autônoma e alienígena
que, no sentido do dogma católico, estabeleceu sua
residência no corpo da moça, que usa para os seus
propósitos demoníacos.
“Há os gritos ondulados e roucos e os guinchos e
grunhidos furiosos que caracterizam o demônio - conforme
os ensinamentos da Igreja - alienígena das
profundidades, emissário das trevas, de tudo aquilo que
é amedrontador e poluído. Os sons infernais fervem e
chocam-se formando de vez em quando algumas palavras ou
frases. E quando isso acontece, quando o demônio fala, a
força do mal transforma-se numa pessoa. Não porém uma
pessoa qualquer, porque fala no dialeto da Floresta
Bávara, no linguajar de mercado, ele o demônio medieval
nas obscenidades de seus assaltos verbais contra o
padre”.
Malefício feito por
inveja
"Ele toma as palavras latinas do sacerdote, e responde a
elas com revolta: Immaculata (Imaculada) ...
‘Você com suas porcas palavras...nem você acredita
nisso’. Saecula saeculorum (Pelos séculos dos
séculos)...’Não é verdade, nem se devia falar isso
aqui.’ Educto (Retira-te)... ‘Pode falar o dia
todo, eu não vou sair’. Ut discedas ab hac famula dei
Anneliese (Para que abandones esta serva de Deus
Anneliese) ... ‘Não, não, ela pertence a mim, dê o fora
daqui velha carcaça”.
"É a aldeia que vive e respira na resposta da questão de
porque Anneliese estava possessa: ‘Ela não havia nascido
ainda quando foi amaldiçoada’ — revela um dos demônios.
Uma mulher fez o malefício por inveja. Quem era ela?
‘Uma vizinha de sua mãe em Leiblfing´— responde o
demônio.”
A moça está possuída por vários demônios. Em determinado
momento um deles deixa escapar seu lamento infernal, no
qual não entra nenhum arrependimento, apesar da
intensidade do sofrimento:to:
"Danados por toda a eternidade, o-oooh!”.
Demônios abominam
água-benta, têm medo do nome de Jesus
De uma outra sessão de exorcismo:mo:
"O padre pode também obrigar o demônio a dizer o que é
nocivo para ele e encurralá-lo como o faria um senhor
contra seus súditos rebeldes."
"Os assistentes do
exorcismo descobrem que o demônio abomina água-benta
e objetos consagrados. Eles têm medo do nome de
Jesus, da imitação por alguém da vida de Jesus, da
oração. 'Reze, diz um dos demônios, e nada pode
realmente acontecer de mau com você, seu porco imundo!
... Mas felizmente não muitos acreditam mais nisso’.
Eles não toleram as súplicas a São Miguel. cuja
missão é a de expulsar para o inferno os espíritos
vagando pelo e tentando as almas.
“Eles temem o o Anjo da Guarda e gritam de horror
quando a Ladainha das Cinco Chagas de Jesus é
entoada: ‘Eu saúdo a adoro a chaga sagrada de vossa mão
direita, oh Jesus’. Deixam-se levar por um verdadeiro
furor quando chega a invocação da Quinta Chaga: ‘Eu
saúdo e adoro a chaga do vosso Sagrado Coração, e nessa
chaga eu escondo a minha alma’. Então essas orações são
repetidas continuamente, como uma potente ameaça,
“Estou condenado
porque não quis servir a Deus!”
“A arma mais efetiva que os padres têm contra o demônio
é o interrogatório, submetê-lo a questões. Aqui os
demônios estão em desvantagem, pois eles não podem fazer
o mesmo e interrogar o padre. O padre faz um uso
agressivo do interrogatório durante todo o exorcismo.
Suas questões martelam o demônio incessantemente,
voltando sempre ao mesmo ponto: Porque eles estão
naquele corpo? Quantos e quais são os demônios
presentes? Quando eles sairão? Que mensagens da parte da
Mãe de Deus eles têm? Porque eles caíram no Inferno?”
Em um dos exorcismos, obrigado pelo sacerdote, um dos
demônios explica a causa de sua danação: “Eu estou
danado porque eu não quis... eu não quis servir.., a
Deus!. Eu queria ser a regra para mim mesmo, embora eu
fosse uma mera criatura”.
De outro exorcismo:
“Eu... vou dizer algo”, diz um demônio. Segue-se uma
série de gritos e blasfêmias, e ele prossegue: "Ela
(Nossa Senhora) está feliz com vocês todos” e seguem-se
mais gritos. “Porque vocês continuam a rezar. Vocês
devem continuar o quanto vocês puderem” — novos gritos e
blasfêmias.
"Fui para o inferno
porque me desesperei”
O padre impôs como sinal de que os demônios sairiam que
eles, ao sair dissessem: Ave Maria! Cheia de
graça. Eles relutaram de todo modo mas, pela força
do poder exorcístico, foram obrigados a aceitar. Quando
chegou a vez de sair o demônio que se chamava a si mesmo
de Judas, deu-se o seguinte diálogo:
"Judas Iscariote, você está aí?” Gritos. O Pe. Renz
repete a fórmula exorcística de mando, ouvem-se gritos
do demônio. E depois a confissão:
"Eu fui para o
inferno porque eu me desesperei”. (O demônio fala como
se fosse o próprio Apóstolo traidor.)
"Porque você traiu o
Salvador?"
"Sim ... mas eu não
vou sai?". Ele continua resistindo até que o Pe. Henz
repete três vezes mais a fórmula exorcística e lembra ao
demônio a ordem dada por Nossa Senhora para que ele
saísse.: ‘Em nome do Pai e do Filho e do Espírito Santo,
em nome da Santa Mãe de Deus...”. Judas continua
desafiador: “Não... não... não... não!’
"Em nome de...”..”
"Judas tenta negociar: ‘Para onde eu devo ir?’
"Para o Inferno."
"Não”
"É lá que é o seu lugar!"
"Não!"
"Você deve ficar lá! Você não quis servir ao Senhor!"
"Judas não pode mais resistir. Seus gemidos e gritos são
mais assustadores do que antes. Uma vez mais o Pe. Renz
repete a ordem, e então diz enfadado: ‘Vamos, sáia’.
Judas saúda a Virgem e sai. Renz se distende um pouco”.
"Muitas almas estão sendo salvas por este sofrimento”
O caráter penitencial dessa possessão se depreende de
todo o conjunto da história e da atitude da moça, e foi
posto em relevo por um dos exorcistas, o pároco Pe. Alt,
em uma carta de 24 de junho de 1976 ao bispo de Würzburg:
“Nós
não estamos conseguindo forçar o demônio a falar
novamente. Isto, me parece, se deve ao fato de que nós
estamos lidando com um caso típico de possessão
penitente. Em várias conversas que eu tive com a moça
recentemente, ela me deixou entender que as coisas ainda
ficarão piores para si. Estava muito amedrontada triste
com isso. Mas disse que deve passar por isso também. No
caso de uma possessão penitente, as coisas ficam
muito difíceis para o exorcista, porque é muito difícil
entender o significado da penitência. Isso foi o que o
Pe. Rodewyk S.J. de Frankfurt, me disse. A única
consolação que temos é que muitas almas estão sendo
salvas por este sofrimento”.
Este caso ilustra
bem como o exorcismo, apesar de seu poder sobre os
espíritos infernais, está condicionado à vontade de
Deus, que muitas vezes pode retardar a saída do demônio
segundo algum desígnio seu, como o da provação e
santificação da pessoa.
É igualmente muito
revelador quanto ao que foi dito anteriormente, sobre à
incapacidade do demônio de penetrar no fundo da alma.
Pois mesmo quando tem permissão de Deus para possuir o
corpo de uma pessoa, e de atuar em suas faculdades
inferiores, o demônio jamais tem o poder de fazê-la
pecar, de impedi-la de continuar unidada a Deus, de
progredir na virtude e se santificar, como foi o caso de
Anneliese Michel. Por isso cabe bem lembrar aqui o que
dizem os santos: deve-se temer a pecado do que o
demônio.
O
Diabo no Convento
“Eu não a
deixarei em paz
enquanto você não sair do convento”.
(Ameaça do Diabo a Maria Dien)
O DIABO NO
CONVENTO: não se trata de título de alguma novela.
É o relato real de um impressionante caso de infestação
e possessão coletivas, narrado pelo próprio exorcista
que fez os exorcismos e expulsou os demônios: Dom Louis
de Cooman M.E.P., antigo bispo no Vietnã. Ele publicou
mu livro com esse título, no qual relata de modo
objetivo a ação extraordinária do demônio em um convento
desse país, onde foi missionário por muitos anos.’
(Mgr Louis de
COOMAN, Le Diable au Couvent et Mère Marie-Catherine
Dien, Nouvelles Éditions Latines, Paris, 1962.)
Pagão invoca os
demônios para tirar moça cio convento
Os fatos se passaram
de 1924 a 1926 em Phat-Diêm, no então protetorado
francês do Tonkin (hoje Vietnã), no convento e noviciado
das Irmãs Amantes da Cruz.
Por permissão de
Deus, o demônio começou a agir nesse convento, pela
seguinte causa: Minh, um moço pagão, havia-se apaixonado
por uma jovem católica, Maria Dien; a jovem, entretanto,
queria ser freira e ingressou na Congregação das Irmãs
Amantes da Cruz. Inconformado, Minh dirigiu-se ao
célebre pagode budista de Den Song e ali conjurou os
gênios (na verdade demônios) a que fizessem a moça
abandonar sua vocação religiosa e casar-se com ele. O
demônio, para atendê-lo, passou a infestar o convento,
procurando tornar a vida nele impossível, de maneira a
obrigar Maria Dien a abandoná-lo ou então ser expulsa
por suas companheiras, que percebiam que a jovem estava
no centro dessa ação diabólica.
Surrada
pelo demônio
Apesar de todos os tormentos físicos e morais a que foi
submetida pelo demônio, a jovem noviça não só perseverou
na sua vocação, mas ainda se serviu desse sofrimento
para santificar-se.
As primeiras
manifestações extraordinárias do demônio foram de
infestação local e pessoal; vozes noturnas e
pedradas que impediam as noviças de dormir. Maria Dien,
às vezes, era surrada por mão invisível durante toda a
noite. Isto se deu em meados de setembro de 1924.
O então Pe. Louis de
Cooman, jovem missionário a quem estava subordinado o
convento, foi chamado pelas freiras que o informaram do
que estava ocorrendo. De início, o padre não deu muito
crédito àquelas histórias. Tomou, entretanto, algumas
medidas de prudência: proibiu as freiras de conversar
com as vozes misteriosas e de falar entre si sobre esses
fatos extraordinários. Ele esperava que em pouco tempo
os fenômenos cessassem, caso fossem de origem meramente
natural, por sugestão coletiva ou algum distúrbio
nervoso das noviças.
Pelo contrário, as
coisas não fizeram senão se agravar. Na noite de 21 para
22 de setembro, enquanto o demônio atormentava Maria
Dien - o que todas as noviças testemunhavam — uma delas
levou um crucifixo e o apresentou à jovem freira para
oscular, surpreendentemente, a imagem de Cristo
desapareceu e só encontrada no dia seguinte.
Pedradas no telhado,
ruídos espantosos, fantasmas
Quase todas as noites continuava a cair sobre o convento
misteriosa e aterrorizadora chuva de projéteis — pedras,
tijolos, paus, batatas, garrafas vazias, etc.tc.
Mais impressionantes eram os ruídos, que duraram dois
anos: piados de pássaros, relinchos de cavalos, buzinas
de carro, sirenes de barco, choros dilacerantes, risos
sardônicos, ranger batidas, batidas de porta, toque de
tambores, etc. Isso tornava as noites terríveis e
submetia os nervos das freiras a uma prova tremenda.
Sem o auxílio da graça divina, elas não teriam
resistido: ou teriam abandonado convento, ou ficado
loucas.
O demônio havia dito
à Irmã Maria Dien: “Já vieram quatro vezes ao meu pagode
(de Den Song) pedir-me que eu a faça voltar ao mundo; eu
não a deixarei em paz enquanto você não sair do
convento".
Começaram então as
aparições de fantasmas: seres fantásticos, de tamanho
extraordinário e aspecto amedrontador. Outras vezes, o
demônio tomava a aparência do confessor e dava conselhos
que confundiam as jovens noviças. A única coisa que as
salvava era cumprirem fielmente com a obediência de tudo
relatar às superioras, que desfaziam as tramas do
demônio.
Possessão contagia
outras freiras
Uma noite Maria Dien foi levantada nos ares pelo
demônio, o qual lhe disse que ia levá-la para a casa do
seu apaixonado. Após ser carregada por cerca de 17
metros, até o extremo do dormitório das noviças, a
freira conseguiu oscular uma relíquia de Santa Terezinha
do Menino Jesus, que trazia consigo, e o Maligno a
soltou. Ela caiu de uma altura de três metros sem se
machucar.
Aos poucos, várias
das noviças foram manifestando sinais estranhos de forte
infestação demoníaca e mesmo de possessão. Demonstrando
agilidade fora do comum para moças sem nenhum
treinamento físico, saltavam sobre os galhos das árvores
e subiam aos cimos mais inacessíveis. Ou, então,
deitavam-se sobre galhos muito finos que deveriam vergar
e quebrar-se com seu peso e nada acontecia. Para
fazê-las descer era preciso rezar muito, jogar-lhes
àgua-benta.
Certa vez, uma das
noviças, na presença do então Pe. Louis de Cooman, deu
um pulo para o alto, sem tomar impulso, conseguindo
agarrar-se à trave do teto na altura de quase três
metros do chão. Depois, erguendo-se nos braços alçou o
corpo para cima e deitou-se sobre a trave, onde
permaneceu por longo tempo, jogando-se depois ao solo. O
ruído da queda foi forte, mas a noviça levantou-se rindo
e sem ter sofrido nada.
Demônio semeia
discórdia na comunidade
Uma outra provação — talvez mais terrível do que todas -
foi a discórdia que o demônio conseguiu introduzir na
comunidade: todas as freiras ficaram com uma profunda
antipatia em relação a Maria Dien, a qual só não foi
expulsa do convento graças à prudência dos superiores,
que perceberam tratar-se de infestação diabólica. Com
efeito, depois de algum tempo essa antipatia cessou por
completo e as freiras reconheceram que haviam sido
injustas com ela.
Após um período de
estudo da situação, os superiores encarregaram o
próprio Pe. Louis de Cooman de proceder aos exorcismos
sobre as irmãs atingidas pela infestação ou possessão
diabólica.
Exorcismos, novenas,
penitências
Ao todo foram nove noviças que passaram por inúmeras
sessões de exorcismos. Elas tinham que ser arrastadas à
força. até o local dos exorcismos, sendo necessárias
várias freiras para levar cada uma delas.
Pouco a pouco,
graças aos exorcismos, às novenas, penitências, etc., as
possessões foram cessando, e em 1926 terminaram
completo. As infestações locais e pessoais ainda duraram
por alguns anos, até cessarem inteiramente.
Piedosa vida e santa
morte de Maria Catarina Dien
Apesar de todo o esforço demoníaco, nenhuma postulante
ou noviça deixou o convento; mais tarde, três delas
abandonaram a vida religiosa, mas por outras razões.
Quanto à Irmã Maria
Catarina Dien, ela não somente perseverou na vida
religiosa, mas foi ainda agraciada por Deus com graças
místicas: colóquios com o Divino Salvador e assistência
especial e visível de sua padroeira, Santa Catarina de
Siena. Nos últimos anos de sua vida ela foi Mestra de
Noviças e guiou os passos de inúmeras freiras na vida
religiosa. Faleceu santamente no dia 16 de agosto de
1944.
Sacrifícios
humanos em honra do demônio
"Este menino foi vítima
de um crime
satânico".t;.
(Revista "Manchete")
ALGUMAS NOTÍCIAS, publicadas na grande imprensa nacional
nos anos de 1992-1993* demonstram a que ponto o
satanismo homicida< vai se expandindo no Brasil, sem
que nos demos conta. E o satanismo homicida é apenas o
aspecto mais brutal de um culto ao demônio que se
difunde como uma mancha de azeite em nossa pobre pátria.
*Não
foi feita uma pesquisa exaustiva, nem aproveitado todo o
material recolhido, pois isso tornaria este capítulo por
demais extenso.
Menino oferecido em
sacrifício a Exu
3 de abril 1992:
estranho ritual à beira-mar
Na noite de 3 de abril de 1992, por volta das 23:45
horas, o Sr. AB estava passeando na praia em Guaratuba,
cidade balneária do Paraná, quando um carro ro Escor com as lanternas acesas chamou-lhe a atençâo. Perto
dali, bem próximo ao mar, quatro pessoas faziam um
despachocho de macumba. O Sr. AB parou e ficou a
espreitá-los a pequena distância. Eram duas mulheres e
dois homens. Uma aparentava cinqüenta anos e a outra
mais ou menos trinta. Um dos homens era barbudo, alto,
moreno, magro; o outro usava cavanhaque, estatura média
e era mais claro.
Havia velas acesas,
e aquelas pessoas dançavam de uma forma bem estranha: os
quatro seguravam-se nos braços uns dos outros, e
davam juntos os sete
passos para traz, sete para a frente, sete
para o lado esquerdo e sete para o lado direito.
Repetiram a seqüência de passos sete vezes.
Diziam muitas coisas
estranhas e sem nexo; às vezes não se entendia uma única
palavra do que diziam; outras vezes falavam claramente.
O Sr. AB, de onde estava, ouvia o que eles diziam: "A
sua encomenda está sendo providenciada. Logo seu
presente vai chegar. Tenha confiança, não vamos falhar!
Você tem que nos ajudar a encontrá-lo! Será um presente
muito lindo! Pode acreditar! Também temos pressa! É
questão de dias. Tenha paciência!"
A mulher mais velha
balançava fortemente a cabeça, girava-a com força, dava
corcovas como um cavalo bravo, jogava-se no chão,
parecia que estava possessa. Ajoelhava-se e erguia os
braços para o alto e gritava: “Meu querido, já vou te
dar o que você quer. Tenha paciência! Te amo, te amo
muito! Você vai ficar surpreso com o meu presente, meu
querido, vida da minha vida, meu eterno amor! Já estamos
providenciando. É questão de dias. Tenho e certeza, você
vai gostar, meu adorado!” Dizia muitas outras coisas que
o Sr. AB não entendia.
Os quatro às vezes
se abraçavam e ficavam girando em círculos, caindo
depois de joelhos. Era assustador o que eles faziam.
Depois de uns vinte
minutos, foram embora, saindo naquele carro Escort
que estava com as lanternas acesas.
O Sr. AB
aproximou-se daquele local e ficou muito assustado com o
que viu: havia sete velas vermelhas e sete
pretas; um desenho feito na areia representava uma
casinha e no seu interior havia duas mãos
pequenas, talvez de cera ou de plástico; havia
também sete bonecos vermelhos e pretos, com
chifres, talvez representando Satanás. Um pouco mais
abaixo estava o desenho de um coração tendo um
punhal feito de madeira, nas cores vermelha, preta e
amarela, cravado em seu meio. Mais abaixo estava escrito
na areia: “É o nosso juramento. Será dia 6”.
Inexplicavelmente,
uma enorme onda veio, quase derrubando o Sr. AB, e levou
tudo para dentro do mar. O que mais o assustou é que o
mar estava calmo, não havendo explicação de como surgiu
aquela enorme onda, assim tão de repente. (Depoimento de
Testemunha no inquérito policial, in G. PONTÓGLIO,
Ritual satânico O sacrifício de Evandro, pp. 69-71.
(O depoente é chamado “Sr. AB” no livro do Delegado
Pontóglio porque não autorizou divulgar seu nome).)
7 de abril 1992:
Sacrifício de criança em honra ao demônio
Na noite de 7 de abril de 1992, na cidade balneária de
Guaratuba - Paraná, o menino Evandro Ramos Caetano, de
seis para ra sete anos de idade, foi sacrificado
ritualmente a Exu. Participaram do ritual
satânico sete* pessoas: dois pais-de-santo< —
Vicente de Paula Ferreira e Osvaldo Marceneiro; três
outros homens, também ligados a práticas de macumba —
Davi dos Santos Soares, Francisco Sérgio Cristofolini e
Airton Bardelli dos Santos; mais a mulher e a filha do
prefeito da cidade — Celina Cordeiro Abage e Beatriz
Cordeiro Abage.
*Segundo
uma das testemunhas, foram am sete os participantes
do ritual macabro, por ser este o número do Exú<,
de acordo com as crenças cabalísticas da macumba. Por
isso, o número 7 aparece repetido muitas vezes nesta
história.
O menino fora
seqüestrado na véspera por Celina e sua filha Beatriz,
no carro Escort desta última, e levado para um
galpão da serraria de propriedade do prefeito Aldo Abage,
onde se realizaria o macabro ritual.
Depois de
estrangular a criança, fizeram-lhe um talho no pescoço
para que o sangue escorresse em uma vasilha; o peito foi
aberto e o coração retirado; abriram também o
ventre e extraíram as vísceras; depois, deceparam o
órgão genital do menino; em seguida, retiram o couro
cabeludo com uma navalha e cortaram as orelhas; por fim,
amputaram-lhe as mãozinhas e os dedinhos do pé.
Tudo foi recolhido em alguidares (tigelas de
barro).
"O sacrifício da
criança seria oferecido a ‘Exu’ que é um espírito que
tanto faz o bem como o mal” — declarou posteriormente um
dos macumbeiros-assassinos. Osvaldo Marceneiro.
(G. PONTÓGLIO, op. cit., p. 90.)
“O
local onde o ato foi realizado era escuro, iluminado
somente por sete velas brancas, sete velas
pretas e sete velas vermelhas. Durante o ritual,
Osvaldo cantava hinos de umbanda em louvor a ‘Exú”.
(Depoimento do pai-de-santo Vicente de Paula
Ferreira, in G. PONTÓGLIO. op. cit., p. 81.)
“A medida que iam sendo retirados os órgãos da criança,
Celina ia fazendo pedidos de proteção e vitória, ou
seja, proteção no comércio e ‘abrir’ o lado financeiro e
‘força’ na política. Celina agia normalmente, não tendo
sentido nenhum tipo de repulsa durante todo o ritual”. (Depoirneoto
do pai-de-santo Osvaldo Marceneiro, in G.
PONTÓGLIO. op. cit., p. 91.)
Ao final deste, as tigelas de barro ou alguidares contém
os órgãos e o sangue do menino sacrificado foram
colocados numa casinhanha, do tamanho de uma casa de
cachorro, construída no quintal para essa finalidade
(trata-se de uma espécie de pequeno templo dedicado a
Exu, existente em todos os terreiros de umbanda).
No interrogatório policial, às perguntas — “Por que foi
feito isso? Por que foi sacrificada a criança?” — a
filha do prefeito respondeu: “E prá vir mais fortuna,
justiça... pra minha família”. (“O Estado de S. Paulo”,
10-7-92; G. PONTÓGLIO, op. cit., p. 135.)
Vicente de Paula disse que o trabalho foi
realizado com o objetivo de salvar da falência a
serraria pertencente à família de Celina. (G. PONTÓGLIO,
op. cit., pp. 80-82.)
A revista “Manchete” (Edição de 18-7-92.) publicou ampla
reportagem sobre esse crime satânico, sob o título: o:
Ali aparece um
comentário sobre uma das autoras do crime - a mulher do
prefeito — muito ilustrativo da situação de apostasia
que vai se generalizando cada vez mais em relação à
Igreja Católica: “Celina era católica, mas a sua fé em
Cristo, ao que parece, desde
que o marido se
tornou prefeito, começou a falhar. Afastou-se aos poucos
da Igreja ... em compensação, podia ser vista com
freqüência em terreiros de macumba. Obcecada por saídas
mágicas, Celina decidiu levar para Guaratuba o o
pai-de-santo Osvaldo Marceneiro, também conhecido
por Bruxo<, quando sentiu que a situação
financeira e política da família ameaçava degringolar.
Ela já o conhecia de Curitiba, pois havia recorrido aos
seus trabalhos quando o marido estava em campanha
(eleitoral) em 1988”.
Toda a família do
prefeito, aliás, participava com freqüência de rituais
de macumba. Um dos feiticeiros, Osvaldo, declarou “que
Beatriz (a filha do prefeito) lhe contou que esteve
juntamente com o seu pai em um terreiro de candomblé ...
onde tomou alguma coisa parecida com sangue, durante um
‘trabalho’ que ali se realizava". (G.PONTÓGLIO.
op. cit., p. 93. )
Outros casos
"Jovem mata menino
em Magé - atendendo a ordens de Exú”
"Em cumprimento a ordens que disse ter recebido do Exu
Tranca-Rua — uma entidade de umbanda que teria
incorporado antes de cometer o crime — Roberto Silva
Teixeira, de 18 anos, matou Carlos Eduardo dos Santos,
de 2, atirando-o, assim como sua irmã, Vanessa dos
Santos, de 4, num poço”. ("O Globo”. 31-12-92.)
"Menino é morto em
magia negra”
"Um garoto negro não identificado, com aproximadamente
13 anos, foi encontrado morto ontem, entre recipientes
de barro e de ágata com oferendas para orixás, num
terreno baldio na Zona Oeste ( do Rio de Janeiro). ...
Pelo menos 21 crianças e adolescentes morreram e outras
foram gravemente feridas nos últimos 14 anos em casos de
grande repercussão, por praticantes de magia negra ou
por pessoas que diziam ter recebido mensagem do
além”.("O Globo”. 8-2-93.)
“Magia negra:
suspeito não foi localizado pela polícia”
“Balneário de Camboriú. — A polícia ainda não
havia conseguido prender o principal suspeito do
assassinato do pescador Romy Smillaanitch, de 60 anos
.... O principal suspeito é um pai-de-santo que
morava em um barraco próximo do pescador. ... O suspeito
trabalhava com sacrifício de animais, fazia macumba,
usava muita cachaça, vela, cigarro e muitas vezes [os
vizinhos] viram cachorros sangrando e galinhas com facas
atravessadas no corpo. Disseram também que havia um
grande movimento de carros, à noite, em direção do
barraco do pai-de-santo. Segundo eles, eram canos
novos, de ‘figurões’ ". ("Jornal de Santa Catarina”,
27-3-93.)
“Num ritual de magia
negra, rapaz seqüestra, estupra, queima e mata
garotinha”
“O operário desempregado Jorge Paulo da Silva Teixeira,
de 22 anos, seqüestrou, estuprou e matou, num ritual de
magia negra, Luana da Conceição da Silva, de 6 anos. O
crime ocorreu em Campos, no Estado do Rio. ... Na casa
de Teixeira, os policiais apreenderam um livro sobre
ocultismo, roupas sujas de sangue e cartuchos da pólvora
utilizada para queimar a menina”. (“O Estado de S.
Paulo”, 2-4-93.)
“Mãe e filha mortas
em ritual a Exú”
“Salete Fátima de Azevedo, de 32 anos, e sua filha,
Daniela Batista de Azevedo, de 3 anos, foram mortas num
ritual de magia negra, realizado na tarde da última
terça-feira, em Criúva, distrito de Caxias do Sul. Os
responsáveis pelo assassinato, um menor, de 17 anos e
sua esposa, de 15 anos ... declararam que a sessão de
magia negra foi realizada por intermédio do
pai-de-santo João Claudionir Anastacio, de 19 anos.
“Segundo a menor,
ela está grávida de três meses, e o pai-de-santo
havia afirmado que o feto só sobreviveria caso ela
matasse uma criança e um adulto. ...
“O pai-de-santo
nega ser o mentor do assassinato: ‘Não tenho culpa, foi
a entidade Exu que mandou matar a mulher e a criança.
Isto não é comum, mas eventualmente a entidade determina
este tipo de ritual’ afirmou Anastácio”. ("Correio do
Povo”, Porto Alegre, 17-6-93. )
"PF investiga rede
nacional de magia negra”.
Em Altamira, Pará, três pessoas - 2 médicos e um
fazendeiro - são acusados de matar cinco meninos e
cortar seu órgão genital. Segundo o Superintendente da
Polícia Federal “existe a suspeita de que os acusados
façam parte de uma rede nacional de magia negra que
promoveria o sacrifício de crianças”. ("Folha de S.
Paulo”, 16-7-93.)
"O demônio está
solto no Rio”
A jornalista Ellenice Bottari, em “O Globo”, do Rio de
Janeiro, escreve sobre a disseminação do satanismo na
ex-Capital Federal e Baixada Fluminense: “Rituais
satânicos e cerimônias de magia negra crescem e assustam
o carioca ... O juiz Antonio Meirelles, da 3ª Vara
Criminal de Duque de Caxias, na Baixada Fluminense,
decretou a prisão preventiva do pai-de-santonto<
Carlos Alberto Justino Pessoa, que há um mês estuprou
uma menina de 11 anos num ritual de magia negra. Também
em Caxias, Lucy Magalhães da Conceição, condenada a 25
anos de prisão por ter matado a filha de 6 anos durante
um ritual desses, será levada a novo julgamento. ...
"O pai-de-santo
Marcos Fabian Vieira não tem medo do capeta. Diz que é
em noite de lua cheia que invade os cemitérios para
roubar crânios para seus rituais de magia negra, para o
bem ou para o mal, depende só do gosto do freguês. ...
Se apresenta como Marcos Diabo e incorpora o Exú Tiriri
— para os leigos, o próprio diabo em pessoa” ("O Globo”,
23-8-92.)
"Caseiro tenta
estrangular a filha para um ritual satânico”
"O caseiro Marconi Fraga Magalhães, de 29 anos, foi
preso ... depois de tentar estrangular sua filha de um
ano e sete meses. Segundo a polícia, Marconi queria
oferecer o sangue da criança ao demônio”. (“O Globo”,
11-9-92.). “Marconi Fraga Magalhães contou ontem que há
um ano teria feito um pacto com o demônio e desde então
não consegue viver em paz ... A partir dai resolveu
abrir seu próprio templo e fazer rituais de magia negra,
duas vezes por semana. A cada 15 dias, sempre às
sextas-feiras, os rituais atraíam dezenas de pessoas,
muitas personalidades importantes. ... Durante os
rituais... costumava sacrificar bodes, gatos, galos
pretos, por exigência das entidades”. (“O Globo”,
12-9-92.)
CONCLUSÃO - A RAINHA
DOS ANJOS, TERROR DOS DEMÔNIOS
ENCERRAMOS AQUI o
estudo que nos conduziu da maravilhosa realidade dos
anjos de luz, à tenebrosa dos anjos decaídos; da
fidelidade e amor enlevado a Deus dos primeiros, à
revolta desesperada dos segundos; da solicitude dos
anjos por nós homens, ao ódio implacável que nos têm os
demônios.
Vimos os cuidados
que devemos ter em relação a toda forma de supertição,
que é uma porta de acesso do Maligno, e a que grau de
sujeição ao anjo do mal pode chegar o homem, passando de
um pacto implícito, da mera superstição, ao pacto
explícito, a um verdadeiro contrato com o demônio. E aí
se abre o abismo terrível da possessão voluntária, da
feitiçaria, do malefício, das Missas negras, dos
ritos sacrílegos, os sacrifícios humanos...
Vimos também o
renascer do satanismo, conseqüência do tremendo processo
de descristianização e de decadência moral pelo qual
passa a Humanidade.
Deve-se temer mais o
pecado do que o demônio
Não devemos, entretanto, ter um medo cheio de pânico do
demônio. nem exagerar supersticiosamente seus poderes
(os quais, de lhe valem se Deus não consentir que os
utilize); mas guardar dele toda a distância, evitando
qualquer forma de superstição; evitando sobretudo o
pecado: é o pecado que nos torna vulneráveis à ação do
Maligno.
Como dizem os
santos, mais do que o demônio e suas artes, devemos
temer o pecado.
A grande Santa
Teresa de Jesus relembra esta verdade com tal fogo e tal
lógica, que convém transcrever suas próprias palavras:
"Se este Senhor
(Jesus Cristo) é tão poderoso, como sei e vejo; se os
demônios não são senão seus escravos, como a fé não
permite duvidar, que mal me podem fazer eles, se eu sou
a serva deste Rei e Senhor? Antes, por que não me sentir
tão forte que seja capaz de enfrentar o inferno inteiro?
“Tomando a cruz às mãos me parecia que Deus me dava
coragem. Em breve espaço de tempo me vi tão
transformada, que não teria temido sair em luta com
todos os demônios, que me parecia que com aquela cruz
facilmente venceria a todos; e lhes gritava: a:
“E me pareceu que
eles me temiam, pois fiquei tranqüila e sem temor de
todos eles e se me esvaíram todos os medos que tinha até
agora; verdadeiramente, pois, me deixaram tranqüila.
Porque, embora algumas vezes os visse ainda, não lhes
tive mais quase medo, pelo contrário, parecia que eles é
que tinham medo de mim. Ficou-me um tal senhorio contra
eles, a mim conferido pelo Senhor de todos, que não
tenho mais medo deles do que de uma mosca. Parecem-me
tão covardes que, vendo que eu os desprezo, perdem a
força."
“Estes inimigos não
sabem atacar senão aqueles que lhes entregam suas
próprias armas, ou quando o permite Deus para maior bem
de seus servos, que os atormentem. Aprouvesse a Sua
Majestade que nós temêssemos a quem devemos temer e
compreendêssemos que nos pode vir maior dano de um
pecado venial que de todo o inferno junto; os demônios
só nos perturbam porque nós nos perturbamos com aquilo
que deveria nos aborrecer, como questões de honra, de
negócios e deleites. Porque assim eles nos combatem com
as nossas próprias armas que nós pomos em suas mãos, em
vez de usá-las para nos defender. ..."
“Não entendo estes
medos: as pessoas gritam 'demônio! demônio!',
enquanto poderiam gritar: ‘Deus! Deus!’ e fazê-lo
tremer. Sim, pois sabemos que eles não podem se mover se
o Senhor não o permite”. (Santa TERESA, Livro de la
Vida, Cap. 25, na. 20-22 in Obras Completas, pp
115-116.)
As armas da luta
Temos ao nosso alcance os meios de nos defender, quer da
ação ordinária quer da extraordinária do
demônio: a oração, a Confissão e os demais Sacramentos,
os sacramentais, as medalhas bentas, água-benta;
mas sobretudo uma vida de piedade autêntica e de fé
sincera.
Quando Deus permite
uma ação mais intensa do Tentador, uma infestação, ou
mesmo, em casos extremos, a possessão, temos nos
exorcismos, realizados com fé e devoção por quem de
direito, uma forma segura de libertação.
Devemos recorrer
especialmente ao nosso Anjo da Guarda, aos três
gloriosos Arcanjos, São Miguel, São Gabriel e São
Rafael.
A São José,
Patriarca da Sagrada Família, ao qual Deus nada recusa.
Devemos sobretudo
ter uma devoção sincera e enlevada para a Rainha dos
Anjos, Terror dos demônios.
Uma luta efetiva contra a ação demoníaca não pode ser
realizada sem a especial ajuda e patrocínio da
Santíssima Virgem. Por sua dignidade de Mãe do Redentor,
seu grau de união com Deus, sua participação ativa na
Paixão do Salvador, como verdadeira Co-Redentora e
Medianeira de todas as graças, Ela é nosso apoio
decisivo contra os anjos malditos que se revoltaram
contra seu Criador.
Maria, a mais
terrível inimiga que Deus armou contra o demônio
O grande apóstolo da devoção ão marial, São Luís Grignion
de Montfort, no seu célebre Tratado da Verdadeira
Devoção à Santíssíma Virgem, sintetiza de modo
admirável o papel único de Maria na luta contra Satanás:
"Maria deve ser
terrível para o demônio e seus sequazes, como um
exército em linha de batalha, principalmente nesses
últimos tempos, pois o demônio, sabendo bem que lhe
resta pouco tempo para perder as almas, redobra cada dia
seus esforços e ataques. Suscitará, em breve,
perseguições cruéis e terríveis emboscadas aos
servidores fiéis e aos verdadeiros filhos de Maria, que
mais trabalho lhe darão para vencer.
“É principalmente a estas últimas e cruéis perseguições
do demônio, que se multiplicarão todos os dias até o
reino do Anticristo, que se refere aquela primeira e
célebre predição e maldição que Deus lançou contra a
serpente no paraíso terrestre. Vem a propósito
explicá-la aqui, para glória da Santíssima Virgem,
salvação de seus filhos e confusão do demônio.io.
“Porei inimizades entre ti e a mulher, e entre a tua
posteridade e a posteridade dela. Ela te pisará a
cabeça, e tu armarás traições ao seu calcanhar"
“Uma única inimizade Deus promoveu e estabeleceu,
inimizade irreconciliável, que não só há de durar, mas
aumentar até ao fim: a inimizade entre Maria, sua digna
Mãe, e o demônio; entre o filhos e servos da Santíssima
Virgem e os filhos e sequazes de Lúcifer; de modo que
Maria é a mais terrível inimiga que Deus armou contra o
demônio.
O calcanhar que
esmaga a cabeça da serpente
“Ele lhe deu até, desde o paraíso, tanto ódio a esse
amaldiçoado inimigo de Deus, tanta clarividência para
descobrir a malícia dessa velha serpente, tanta força
para vencer, esmagar e aniquilar esse ímpio orgulhoso,
que o temor que Maria inspira ao demônio maior que o que
lhe inspiram todos os anjos e homens e, em certo
sentido, o próprio Deus. Não que a ira, o ódio, o poder
de Deus não sejam infinitamente maiores que os da
Santíssima Virgem, pois as perfeições de Maria são
limitadas, mas, em primeiro lugar, Satanás, porque é
orgulhoso, sofre incomparavelmente mais, por ser vencido
e punido pela pequena e humilde escrava de Deus, cuja
humildade o humilha mais que o poder divino; segundo,
porque Deus concedeu a Maria tão grande poder sobre os
demônios, que, como muitas vezes se viram obrigados a
confessar, pela boca dos possessos, infunde-lhes mais
temor um só de seus suspiros por uma alma, que as
orações de todos os santos; e uma só de suas ameaças que
todo outros tormentos." sp;
Invoquemos Maria
Santíssima, a Rainha dos Anjos e Terror dos demônios.
Que Ela nos assista de um modo especial para que,
revestidos da armadura de Deus, possamos resistir às
ciladas do demônio (Ef6, 11-17).
“E mandará os seus anjos
com trombetas e com grande voz,
e juntarão os seus escolhidos
dos quatro ventos,
duma extremidade dos céus,
até à outra “.
(Mt 24, 31)
fonte - http://fimdostempos.net/
divulgação - http://www.arcanjomiguel.net/
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